Quando o dito sexo fraco se torna no mais forte e abusador

SOCIEDADE
  • Homens sofrem violência doméstica e ficam no silêncio por vergonha
  • “Homens não podem ter medo de denunciar casos de violência”
  • “A sociedade condena o homem violentado”

Quando se trata da violência doméstica no grosso das vezes o foco tem sido a mulher, mas há homens que são violentados e preferem abraçar o silencio por medo de ser estigmatizados pela sociedade. Artur Manha e Joel Langa fazem parte fazem parte das estatísticas dos homens que já foram violentadas pelas próprias esposas. Os dois sobreviventes foram obrigados a abraçar o silêncio por medo de serem estigmatizados pela sociedade. A activista social Shaista de Araújo defende que os homens devem também criar um movimento para combater a violência doméstica, enquanto que a psicóloga Nilda Sambe observa que os homens violentados precisam de um tratamento psicológico e devem ser acarinhados pela sociedade.

Duarte Sitoe

Artur Manhiça tem uma enorme cicatriz na cara porque foi brutalmente espancado pela esposa por ter voltado à casa de madrugada, depois de ter estado a conviver com os amigos. Quatro anos passaram, mas até hoje quando Manhiça se lembra daquele fatídico dia não consegue segurar as lágrimas.

Hoje separado, o sobrevivente contou o drama que viveu nos braços da sua ex-mulher, que para além das sequelas físicas deixou outros traumas, de tal sorte que não conseguiu se relacionar com outras mulheres por medo de ser violentado.

“Não são só as mulheres que são violentadas. Há homens que são violentados pelas esposas e não denunciam porque é vergonhoso um homem denunciar que foi agredido pela esposa. Infelizmente, faço parte deste grupo de homens que sofrem no silêncio. A minha mulher me agredia sempre que voltasse tarde. Hoje, tenho essas cicatrizes no rosto por causa da violência que era alvo sempre que voltasse tarde à casa”, relatou.

Mas o caso de Artur não está somente no medo do estigma social, como também no descrédito que tem nas instituições de administração de justiça, uma percepção que pode resultar de uma construção social mais ampla.

“Não podia denunciar na família e muito menos nas autoridades da lei e ordem porque em Moçambique só falam da violência quando violentam mulheres”, declarou Artur Manhiça, para depois contar que foi graças à intervenção dos vizinhos que conseguiu se libertar da teia da violência.

“Não tinha como contar a minha família o que passava. Sempre que tivesse uma ferida tinha que mentir que fui assaltado porque não tinha como contar que foi a minha esposa que me agrediu. O tempo foi passando e aquilo era recorrente. Além da violência física era violentado psicologicamente porque havia perdido emprego. Felizmente, tudo que tem início tem fim. Foi graças à intervenção dos meus vizinhos que consegui me libertar daquela relação tóxica. Quando eles perceberam que era vítima da violência contaram aos meus familiares, que prontamente resolveram o caso. Apesar dela ter mostrado arrependimento não tinha condições para continuar com ela”, relata.

Volvidos três anos depois de ter se separado da mulher que transformou a sua vida num autêntico inferno, o sobrevivente tem dificuldade para se relacionar com outras mulheres e assume que o medo de denunciar foi o maior inimigo que teve.

“A minha família tem me incentivado para casar, mas ainda tenho traumas do passado. De lá para esta parte ainda não consegui me relacionar com outras mulheres porque tenho medo de ser, mais uma vez, violentado. Passei o que passei por culpa própria porque tive medo de denunciar. Eu fiquei no silêncio, mas aconselho os homens que sofrem violência para denunciar porque a justiça é para todos”, sublinha.

“A sociedade olhou-me como um homem fraco por ter denunciado a violência”

Joel Langa, de 45 anos de idade, não guarda boas recordações do passado, sobretudo quando lembra da ex-esposa. Os anos passaram, mas ainda tem na retina episódios de violência perpetrada pela antiga companheira.

“Não tenho vergonha de dizer que a minha esposa me agredia sempre que lhe apetecia. Ela era mais forte em relação a mim e não tinha como lutar com ela. Não tinha como denunciar porque a nossa sociedade só valoriza a violência quando é o homem a agredir a mulher. Vivemos numa sociedade que marginaliza o homem quando é violentado pela mulher porque é o sexo mais forte. Infelizmente, há muitos homens que são violentados, mas continuam aconchegados no silêncio”, recorda.

Langa decidiu romper com ciclo da violência quando foi agredido e teve ferimentos graves na cabeça. Contudo, lembrou da reacção das autoridades da lei e ordem quando chegou a esquadra.

“Quando cheguei a esquadra os agentes que me entenderam reagiram mal quando disse que tinha sido agredido pela minha esposa. Felizmente, ela foi presa, porém a sociedade olhou para mim como um homem fraco por ter denunciado a violência de que era alvo. Não tinha como continuar a viver aquilo porque um dia podia perder a vida. Decidi recomeçar a minha vida. Estou numa nova relação há cinco anos e nunca sofri violência.  Os homens não podem ter medo de denunciar casos de violência porque a justiça é para todos”, recomenda.

De acordo com activista social, Justino Buduia, a sociedade condena o homem quando denuncia casos de violência doméstica. Budula não tem dúvidas que os homens são vítimas de uma sociedade patriarcal.

“Homens e mulheres têm os mesmos direitos. A sociedade olha para o homem como o sexo mais forte quando comparado com a mulher, mas há vários casos de violência doméstica perpetrados pelas mulheres. Urge a necessidade dos homens perceberem que também podem e devem denunciar casos de violência sem ter medo do que a sociedade vai pensar”, declarou.

Prosseguindo, Buduia referiu que há uma necessidade de consciencializar homens e mulheres com vista a erradicar a violência doméstica, uma vez que alguns casos de violência acabam terminando em tragédia.

“Ninguém consegue resistir numa relação manchada pela violência. Os homens e mulheres devem viver num ambiente de paz, e para tal estamos a levar a cabo uma campanha de sensibilização para erradicar a violência doméstica, uma vez que já tivemos casos de violência que terminaram em tragédia. Apelamos a sociedade, sobretudo os líderes comunitários, para não acobertar agressores, sejam eles homens ou mulheres”.

“Os homens devem fazer as suas campanhas”

Em representação da CESC, Shaista de Araújo reconheceu que há homens que são vítimas de violência doméstica, mas realçou que o grosso dos casos que chega às esquadras é de mulheres que foram agredidas pelos seus companheiros.

“Não estamos a dizer que não existem casos de homens que são violentados. Eles devem denunciar e fazer as suas campanhas para acabar com a violência doméstica. O assunto da violência deve ser um assunto de toda gente. Os homens devem fazer as suas campanhas. Nunca falamos que a mulher é perfeita. Numa relação deve existir o dialogo, porque a violência não é a solução. Se os homens também passam por estas situações de violência temos que refletir”, disse

Por sua vez, a psicóloga Nilda Sambe defende que os homens que foram vítimas de violência devem ser acarinhados pela sociedade. “As vítimas de violência doméstica devem ser acarinhados e precisam de um acompanhamento psicológico para evitar traumas. Infelizmente, ainda se olha para o homem como o sexo mais forte, mas quando se trata de violência ninguém é mais forte. Urge a necessidade de consciencializar a nossa sociedade sobre a violência, sobretudo quando se trata de homens que são agredidos pelas esposas”.

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