Dívidas ocultas: PGR pode sair de mãos a abanar depois de gastar milhões

POLÍTICA
  • Juiz britânico admite anular o caso de Moçambique
  • Até Junho do ano passado, Moçambique já havia gasto mais de seis milhões de dólares
  • PGR foi quem submeteu o processo, mas não está a cooperar com a justiça em Londres

Um juiz britânico admitiu anular o caso das dívidas ocultas em curso no Tribunal Comercial de Londres devido ao incumprimento de Moçambique na partilha de documentos relevantes na preparação para o julgamento em Outubro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) gastou até Junho de 2022, pelo menos, seis milhões de libras na preparação de documentos para o processo judicial das dívidas ocultas na justiça britânica, mas a falta de cumprimento com as obrigações de divulgação, em especial dos documentos retidos pelo Gabinete do Presidente da República, pelo SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado) e pelo Conselho de Estado pode colocar tudo a perder.

Evidências/ Carta de Moçambique

Mantém-se para Outubro do ano em curso o início do julgamento. As datas das outras fases do processo, nomeadamente a entrega das declarações das testemunhas e dos peritos estava  agendado, até ao final do passado, para Fevereiro e fim de Maio de 2023, respectivamente. Como condição para esta extensão, definiu que as partes devem fazer a divulgação gradual [rollingdisclosure] de documentos à medida que estiverem disponíveis, facilitando o trabalho dos outros envolvidos e não faltaram ameaças com “sanções e consequências”, caso houvesse eventuais incumprimentos do prazo. E de facto, Moçambique tem mostrado dificuldade de cumprir com os prazos.

Num parecer lido nesta última sexta-feira, o juiz Robin Knowles criticou a falta de envolvimento dos advogados britânicos que representam a República de Moçambique no processo de selecção de documentos oficiais e pediu a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana a providenciar maior acesso.

“A República de Moçambique não está a cumprir com as obrigações de divulgação, em especial dos documentos retidos pelo Gabinete do Presidente da República, pelo SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado) e pelo Conselho de Estado”, disse, durante uma audiência preliminar.

Segundo o magistrado, citado pela Agência Lusa, estes organismos estatais não permitiram nem à PGR nem aos advogados britânicos qualquer acesso para seleccionar eventuais documentos relevantes.

A Procuradoria-Geral da República disse que o segredo de Estado impede a divulgação de alguns documentos.

A divulgação de provas documentais por todas as partes, vincou o juiz, é essencial para “garantir a justiça do julgamento” e de uma decisão final.

“Se precisar de exercer o meu poder de anulação para garantir o cumprimento das obrigações da República e deveres de divulgação, fá-lo-ei porque é o meu dever para garantir a justiça do julgamento”, vincou.

O magistrado disse que vai reservar o direito de anular o caso a qualquer momento, mas mesmo assim deu a possibilidade à PGR de Moçambique de tentar novamente aceder aos documentos necessários e providenciá-los às restantes partes envolvidas.

O Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior de Londres, tem programado para começar a 03 de Outubro deste ano, o julgamento principal sobre a validade das dívidas.

O advogado que representa Moçambique nos procedimentos judiciais iniciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR)em Londres, Jonathan Adkin, já tinha reiterado a dificuldade de cumprir o prazo de fim de setembro e o pedido para este ser prolongado até 23 de Dezembro devido a “dimensão e desafios da tarefa”.Perante as objeções de outras partes no processo, nomeadamente do banco CreditSuisse e do grupo naval Privinvest, o juiz Robin Knowles recusou e adoptou uma solução de compromisso, permitindo uma extensão do prazo para a divulgação de provas documentais até final de Novembro. Até este prazo a PGR mostrava dificuldades de cooperar.

De referir que na origem deste processo está uma acção judicial iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique contra o Credit Suisse e a Prinvinvest para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares (2.600 milhões de euros) de dívida contraída entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.

Os empréstimos foram avalizados pelo Governo moçambicano liderado então pelo presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de “dívidas ocultas”.

O escândalo das dívidas ocultas, um dos casos de corrupção de maior visibilidade em África nos últimos anos, desencadeou uma série de litígios entre Maputo e Washington.

No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como o ex-presidente Armando Guebuza, o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, detido na África do Sul e o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que na altura era ministro da Defesa.

Num julgamento relativo ao mesmo caso que foi concluído em Dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.

Moçambique está agora a recuperar, dizem analistas políticos. Doadores ocidentais , preocupados com o facto de que a pobreza impulsiona a instabilidade política e de olho nas esperanças de Moçambique de desenvolver reservas de gás offshore em sua costa nordeste – retomaram a assistência financeira.

Facebook Comments