- Adeus Mano Azagaia (1984-2023): Calou-se a voz, não a revolução
- “É um Herói Nacional e habita no coração de cada moçambicano”
Vão a enterrar, na tarde desta terça-feira, 14 de Março, no cemitério de Michafutene, os restos mortais do rapper e activista social Edson da Luz, mais conhecido por Azagaia, que perdeu a vida precocemente vítima de um ataque epiléptico na sua residência. Demonstrando ser uma figura cujo reconhecimento e legado ultrapassa as fronteiras nacionais, desde que começaram a circular as primeiras notícias do seu desaparecimento físico, diversas personalidades nacionais e internacionais, sobretudo activistas sociais e artistas de, pelo menos, três continentes prestaram homenagem ao jovem revolucionário que em vida usou a palavra, cultivada em forma de ritmo e poesia (RAP), para lutar contra as injustiças sociais, combater o abuso do poder e denunciar a má governação no País e além-fronteiras. Aliás, no álbum, Cubaliwa, extravasou as fronteiras africanas e abordou de forma fria temas como o racismo no mundo, a exploração dos países pobres pelas potências, a escravatura e a grande corrupção, o que cimentou o seu legado como homem do mundo. Por isso, do Brasil (América), a Portugal (Europa) e Angola (África), entre outros locais, houve várias manifestações de homenagem através de mensagens, vigílias, orações, cartazes e movimentos musicais.
Reginaldo Tchambule e Renato Cau
Após a confirmação do desaparecimento físico do artista moçambicano Azagaia, surgiram vários movimentos liderados por artistas de diversas áreas, activistas sociais e até políticos que procuram honrar o legado do artista de diversas formas, com destaque para dezenas de vigílias em praças e igrejas um pouco por todo o país e além fronteiras, com destaque para Luanda, em Angola, que se juntou a acções similares que aconteceram em todas capitais provinciais.
A respeitadíssima activista moçambicana dos Direitos Humanos, membro sénior do partido Frelimo e presidente do Conselho de Administração da Fundação para o Desenvolvimento da Comunitário (FDC), Graça Simbine Machel expressou o seu sentimento de pesar para com a família do Azagaia nos seguintes termos:
“Demonstraste que, mesmo em circunstâncias complexas e adversas, a cidadania plena exerce-se com coragem, verticalidade e integridade. Implacável contra a injustiça, fazendo da verdade a tua bandeira, sendo sempre a voz atenta do povo de que és parte e proteges carinhosamente, deixas-nos lições de vida feitas inspiração de geração em geração.” E fechou a sua mensagem com um grito na alma “BAYETEEE!!! Curvo-me com todo o respeito e humildade. Até sempre!”, assim disse Graça Machel.
A advogada, consultora, docente universitária e também rapper moçambicana, por sinal colega de label do finado, Ivete Mafundza rendeu-se às diversas intervenções corajosas feitas pelo artista que em algum momento colocaram a sua vida em risco.
“Mano Azagaia, obrigada pelo exemplo de um jovem que não se vergou perante um Moçambique decadente nas suas entranhas. Disseste o que deveria ser dito e fizeste o que deveria ser feito, choramos a tua morte, mas celebramos a tua vida e obra com orgulho e honra. Lutaste um bom combate e deste voz aos sem voz, tiraste goela afora as mentiras da verdade e gritaste por paz, justiça para todos”, disse a jurista em sua publicação.
Já o jovem rapper moçambicano Rei Bravo Kamikhaze da província do Niassa, depois de, segundo ele, ter tentado compor uma mensagem sem sucesso para as redes sociais, preferiu ir derramar as suas lágrimas em estúdio e compôs uma música inteiramente dedicada ao malogrado, intitulada Trem.
Hermínio Chissano, mais conhecido por Duas Caras com quem o finado partilhava os louros do pódio de melhores cultores deste género musical foi parco em palavras e despediu-se do mano Aza com as seguintes palavras: “Descansa em paz Primo. Até sempre!”.
Europa, África e América reconhecem Azagaia
As condolências e reconhecimento vieram também de Portugal, onde o reconhecido rapper e amigo, com quem gravou algumas faixas musicais, Valete partilhou nas suas contas das redes sociais a seguinte mensagem:
“Um dos seres humanos que mais admirei em toda a minha vida. Um verdadeiro patriota. A milhares de quilómetros de distância faremos uma homenagem eterna a um dos homens mais importantes da História do Rap Lusófono”, destacou.
Do Brasil, outro ícone do Rap lusófono, Gabriel Pensador lamentou a sua partida, destacando a dimensão transnacional de Azagaia, que o fez ter uma legião de seguidores um pouco por todo mundo.
“Grande perda para nossa música e cultura hip-hop”, descreveu assim Gabriel Pensador, considerado um dos melhores poetas rítmicos do Brasil, América Latina e lusofonia.
Já o professor de literatura, antigo Director da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da UEM e actual presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, Nataniel Ngomane elevou ao mais alto nível gramatical o ser humano que habitava no íntimo do Azagaia.
“Morreu um Homem, Homem, com agá maiúsculo, porque representava todos os Homens e Mulheres desfavorecidos, os desgraçados, os miseráveis, e não era apenas um rapper. Era um Homem. Homem com agá maiúsculo. Povo no Poder”, sentenciou.
Salomão Muchanga fala de um Herói Nacional chamado Azagaia
O presidente da Renamo Ossufo Momade, não ficou atrás e através de uma nota oficial prestou condolência à família enlutada e destacou os feitos do finado.
“Foi com profundo pesar e consternação que o país tomou conhecimento do desaparecimento físico de Edson da Luz, mais conhecido por AZAGAIA, concidadão que muito jovem se notabilizou na música moçambicana. Azagaia, músico irreverente e activista social, contribuiu para a promoção da nossa cultura e arte, por isso a sua partida prematura representa uma perca irreparável para a família e o país. Sendo assim, é dever colectivo honrar a sua memória e preservar o seu legado. Neste momento de dor e luto, em nome do Partido RENAMO e meu próprio endereço á família enlutada as mais sentidas condolências”, sublinhou.
Por sua vez, o líder da Nova Democracia, Salomão Muchanga considera que “o dia 09 de Março de 2023 ficará definitivamente marcado pela partida do Herói Nacional Edson da Luz Nascimento – Azagaia, que nos deixa num momento crucial da revolução, em que dobramos as mangas de bordo no voo que engendramos, rumo a vitória popular, sobre o nosso inimigo local, o novo colonialista”.
Para Muchanga, Azagaia parte numa altura em que não deveria, “mas partiu deixando-nos a grande missão de cumprir a risca, o seu desiderato, de ver o povo Moçambicano liberto, das amaras deste opressor que suga o sangue do povo, e expolia as riquezas desta terra, quanto esvazia de conteúdo a Nação e o povo Moçambicano!”
“Azagaia, não eras apenas um artista crítico mas um nacionalista, um revolucionário e patriota, que cedo conseguiu descortinar e denunciar de viva voz, todas as atrocidades e injustiças do regime, em nossa sociedade. Morreu Edson da luz mas Azagaia está vivo e leva consigo a grande responsabilidade de lutar por Moçambique, de encorajar os Moçambicanos de todos os estratos sociais e quadrantes, sobre os danos que a gang no poder está a impligir no povo, através do seu imensurável legado”, sentencia.
Enquanto isso, o relator da bancada parlamentar da Renamo, Venâncio Mondlane não poupou palavras ao referir, “o fenómeno Azagaia, transpondo violentamente o cérebro, retirando as células cinzentas nele contido, uma Azagaia se apresentou em Moçambique firme e ousada, os governantes fez um desafio para braço de ferro de ideias, foi respondido com musculatura e ameaças daquele metal reluzente e gélido que em Cabo Delgado faz púumm…Não tem estatuto para ir a cripta dos deuses da história de Moz, mas o tempo vai conduzi-lo nas asas do vento da memória do próximo século, enquanto os ditos heróis domésticos ficarão apenas pela fragrância floral dos feriados nacionais”.
“O regime que se gaba cinquentenário, de meio século andando sobre as cabeças de um povo iludido pelo ópio duma independência simbólica, não tardará a constar nos livros pela sua incomparável habilidade de comer as tripas do povo que se diziam defensores; os seus netos verão, como um filme de terror, as estátuas dos avôs tombarem pela força de caterpílares, cordas e gruas da juventude herdeira da história dos deserdados da independência. Chegará um tempo que vão perguntar, nos exames de história, qual é a data da independência e os miúdos procurarão no Google, mas estarão com uma boina à cabeça com a face de Azagaia e um pneu a arder como logotipo”, fez vincar Venâncio.
Nyusi e Frelimo mudos como túmulo
Importa referir que muitos outros artistas e personalidades já manifestaram-se diante do desaparecimento físico do rapper Azagaia. Entretanto, até ao fecho desta edição, não era conhecido nenhum pronunciamento do Presidente da República, Filipe Nyusi, como tem sido apanágio através da sua página do facebook. O seu partido, a Frelimo, e os meninos de recados também preferiram abraçar o silêncio.
Entretanto, o Governo reagiu através da Ministra da Cultura e Turismo, Edelvina Materula, que com curtas palavras destacou uma lenda da jovem música moçambicana.
“Perdemos o músico de intervenção social, Azagaia, uma lenda da música jovem moçambicana que tatuou a sua carreira pela forma destemida como tratava os assuntos nas suas composições musicais. A sua marca fica registada e o seu nome agrafado na história da música do nosso país e do continente africano”, sublinhou.
Refira-se que o velório tem lugar esta terça-feira, dia 14 de Março de 2023, pelas 08:00 horas, no Paços do Conselho Municipal da Cidade Maputo, a ser seguido do funeral a realizar-se as 14:00 horas, no Cemitério de Michafutene.

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