O censo eleitoral da vergonha

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Arrisco-me a dizer que o recenseamento eleitoral em curso é o pior dos já experimentados no País. Cada dia que passa é-nos dado assistir a um espectáculo gratuito, perpetrado por alguns brigadistas que confundem o seu papel de agente recenseador com o de pessoas destacadas para satisfazer as vontades de alguns partidos políticos.

Ora são avarias sistemáticas de equipamentos que, por serem 100 por cento novos e, ainda, com o cheiro a fábrica, não se justifica que, em tão pouco tempo, tenham problemas, a menos que sejam piratas. É impensável que um carro “zero quilómetro” registe avariasno dia seguinte à sua entrada em circulação. Com os “Mobiles IDs” aconteceu.

Quando esta situação sucede em alguns municípios governados pela oposição, o assunto ganha contornos políticos. A ideia que fica é a de que é tudo uma simulação com o objectivo de desmotivar eleitores e reduzir a base de apoio do partido que governa a autarquia, neste caso a Renamo ou o MDM.

Outros brigadistas embarcam em esquemas criminosas,como o de recensear pessoas clandestinamente ou imprimir cartões de eleitorespela calada da noite e em locais não apropriados para o efeito.Uma autêntica operação fraudulenta, não sendo de descurar a alegada movimentação, em camiões, de cidadãos de algumas zonas não municipalizadas para outras autárquicasafim de se registarem.

Outros ainda chegam ao cúmulo de inventar a história de que as máquinas não têm capacidade para captar imagens de idosos, deficientes e albinos. Estes eleitores passam por humilhação ao serem obrigados a lavar a cara ou a tomar banho,alegadamente como condição paraqua a sua imagem figure com nitidez na fotografia.

Esta situação é, no mínimo, estranha. É que se isso fosse verdade, os ex-presidentes Armando Guebuza, Joaquim Chissano, e o autarca Eneias Comiche e tantos outroscom 80 ou mais anos de idade teriam tido as mesmas dificuldades, mas nada disso aconteceu. Registaram-se normalmente, o que quer dizer que tudo não passa de invenção.

É vergonhoso o que temos estado a acompanhar. Por exemplo, não sei o que significaum primeiro secretário do partido Frelimo permitir que a sua casa seja palco de recenseamento eleitoral ilegal e criminoso,realizado por volta das 21:00 horas, em Lapala, no distrito de Ribáuè, província de Nampula.

Como é que uma pessoa que era suposto primar por um comportamentoresponsável e exemplar na esfera política e defensor de boas práticas democráticas como transparência, respeito mútuoe às leis vai envolver-se em esquemas fraudulentas?

Este senhor devia ter sido preso imediatamente na companhiado director distrital do STAE emRibáuè, o supervisor, os brigadistas, incluindo os que estavam a ser recenseados,porque o que fizeram não só é grave, como também constitui umcrime. Não se deve brincar com coisas sérias.

Para começar, a Frelimo, a nível central, já se devia ter distanciado deste caso e mandar instaurar um processo disciplinar contra este homempara salvaguardar o bom nome e a imagem do partido, e evitar que seja associado a uma acção fraudulenta.

O prevaricador não só prejudicou a Frelimo como pôs em causa a credibilidade do próprio censo eleitoral naquele distrito, no país inteiro e, por tabela, do processo eleitoral em si.Com este incidente, os actores políticos vão aceitar com relutânciaos resultados finais do censo. Ficará, sempre, a ideia de que os números foram viciados.

Não quero acreditar que o primeiro secretário de Ribáuè tenha sido orientado superiormente para praticar tal acto. Tudo leva a crerque o fez por iniciativa própria. Julgava que estava a prestar bom serviço ao seu partido, mas só que o tiro lhe saiu pela culatra.

Será que a Frelimo tem de recorrer a golpes baixos para ganhar eleições? Claro que não.Para inverter a situação a seu favor nos municípios governados pela oposição, o partido deve apenas protagonizar uma oposição responsável, desenvolver um trabalho político forte e saber explorar as falhas do adversário.

No caso da brigada que foi surpreendidaa trabalhar clandestinamente na residência do primeiro secretário da Frelimo, não basta rescindir os seus contratos. OSTAE provincial tem de ir ao fundo da questão com a intervenção do SERNIC. Prevalece a sensação de que mais pessoas estão envolvidas nesta operação.Deviam ser ouvidos, por exemplo, o fiel de armazém onde são acondicionados os equipamentos de recenseamento e os agentes responsáveis pela protecção das instalações. Eles têm muito o que contar.

Transcorreram29 anos desde que se instituiu o multipartidarismo em Moçambique. É pouco tempo para termos uma democracia madura e sólida, mas o suficiente para provar ao mundo que, ao longo das três décadas, acumulámos experiência que nos permiteorganizar um processo eleitoral com cabeça, tronco e membros. Um processo transparente e credível. Infelizmente, ao que tudo indica, debatemo-nos, ainda, com questões básicas. Se quisermos ser credíveis em processos eleitorais, temos de mudar de atitude. Abandonar politiquices e fazer as coisas como deve ser e com profissionalismo.

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