TotalEnergies entrega “bolada” de segurança a ISCO e confirma interesses ruandeses

DESTAQUE ECONOMIA POLÍTICA
  • Ajuda militar está a ser usada para promover acordos económicos
  • Multinacional justifica que Ruanda tem apresentado melhores propostas

A TotalEnergies confirmou à Financial Times, uma publicação londrina, a assinatura de contratos com empresas ruandesas que vão seguir o seu exército em Moçambique, operando, coincidentemente, no mesmo perímetro onde a força militar daquele país garante segurança. A multinacional justifica que a ISCO e Radarscape passaram do “rigoroso processo de concurso”, tendo feito “a oferta mais competitiva”.  Entretanto, Piers Pigou, chefe do programa da África Austral no Instituto de Estudos de Segurança em Joanesburgo, citado pelo órgão, entende que “há muitas questões sem resposta sobre os acordos entre Maputo e Kigali, relativos ao destacamento de segurança do Ruanda em Cabo Delgado”, disse. Até ao momento, o Evidências apurou que pelo menos quatro empresas ruandesas operam naquele perímetro oferecendo serviços de segurança, construção civil e serviços. Curiosamente, a TotalEnergies sempre impôs barreiras ligadas à certificação das empresas moçambicanas, mas as ruandesas em tão pouco tempo foram aprovadas.

A Isco Security é uma empresa de segurança personalizada e controlada pelo partido no poder de Ruanda. Foi contratada para proteger o gigantesco projecto de gás da TotalEnergie em Moçambique, enquanto Kigali continua a sua expansão comercial no país, três anos depois de o seu exército ter ajudado a reprimir uma insurgência islâmica.

A TotalEnergies confirmou que Isco Segurança, uma joint-venture entre a Isco Global Limited do Ruanda e uma empresa moçambicana local, está a prestar serviços de vigilância desarmada no desenvolvimento de gás natural liquefeito de 20 mil milhões de dólares na província de Cabo Delgado, completando serviços não previstos no mandado do apoio pela força ruandesa em Moçambique.

Mas Isco não está só. No decurso do apoio militar que começa em Julho de 2021, nasceu o império empresarial ruandês, que se avolumou com o registo, a 11 de Fevereiro de 2022, da Macefield Ventures Mozambique, detida 99 % pela Macefield Ventures, braço internacional de Crystal Ventures, controlado pelo partido RPF, e 1% por Jean Paul Rutagarama, um nome presente em quase todos negócios da holding controlada pelo partido liderado por Paul Kagame, o presidente ruandês.

Lê-se no Boletim da República que a Macefield Ventures Mozambique tem por objectivo principal o exercício das actividades de gestão de empresas e gestão de negócios, gerindo subsidiárias como a NDP, que é parte das empresas que procedem com as construções no interior de Afungi e a Isco Security, actuando na segurança no interior de Afungi, assumindo missões que, de acordo com autoridades ruandesas, não constam do mandato das forças policiais e militares daquele país, ou seja, complementar a missão destes especificamente nos projectos da TotalEnergies.

A Macefield Ventures Mozambique é accionista da Radarscape Mozambique, a construtora criada em Abril de 2022 e que no mesmo ano encaixou quase um milhão de dólares para reabilitação de casas na vila de reassentamento de Quitunda, próximo a Afungi. Mas aquela holding detém também a Strofinare Moçambique, uma empresa mineira reestruturada em Abril para ceder a participação da Macefield Ventures Mozambique, que passou a deter 90%.

Em acta da assembleia geral extraordinária, datada de 01 de Abril de 2022, a Strofinare Mozambique, Limitada, sociedade por quotas, foi reestruturada para que a sócia Strofinare Limited cedesse a totalidade da sua quota, no valor de 19 mil, correspondente a 90% do capital social, a favor da Macefield Ventures Mozambique, Limitada. Em virtude da cessão dessas quotas, as sócias deliberaram por unanimidade a alteração dos sócios e de capital social que de 20 mil passou para 10 milhões de meticais.

Curiosamente, a reestruturação da Strofinare Mozambique, que passa a pertencer à mesma holding que detém negócios em Palma, coincidiu com o aumento de 1000 para 2500 e agora, mais de 4 mil, e colocados nos distritos estratégicos.

Os argumentos da TotalEnergies

São factos que vão deixando claro que as empresas ruandesas seguiram o exército para  onde são destacados militares, sugerindo que estes estão a ser utilizados para promover os interesses económicos do Ruanda.

Citado pela Finacial Times, Piers Pigou explica que “a total falta de transparência alimenta a especulação contínua sobre os tipos de concessões, contratos e hipotecas a prazo do fluxo de receitas do GNL que estão a ser garantidos pelos interesses ruandeses.”

A Isco Global é uma das várias empresas ruandesas que estabeleceram subsidiárias em Moçambique desde 2021, em sectores que incluem a segurança, a construção e a mineração.

A Intersec Security Company, empresa-mãe da Isco Global, foi criada em 1995, um ano depois de a RPF de Kagame ter assumido o poder do governo liderado pelos Hutu. A Intersec é uma subsidiária da Crystal Ventures, um grupo de investimento fundado pelo partido, que domina muitas partes da economia ruandesa.

Em raros comentários públicos sobre a Crystal Ventures em 2017, Kagame disse que esta foi criada pela RPF para estimular a actividade económica numa altura em que poucas empresas estrangeiras estavam dispostas a investir no país. O atual presidente executivo da Crystal Ventures é Jack Kayonga, antigo responsável do fundo soberano do Ruanda.

A TotalEnergies, escusou-se a comentar a propriedade da Isco Segurança, mas disse que a empresa foi seleccionada na sequência de um “rigoroso processo de concurso”, tendo feito “a oferta mais competitiva”. A Isco Global detém 70 por cento da Isco Segurança, de acordo com os registos corporativos datados de 24 de junho de 2022. No entanto, argumenta que “aceita propostas de todos os empreiteiros que possam concorrer, incluindo os empreiteiros que têm presença no Ruanda ou são propriedade ruandesa”, afirmou. “A Isco Segurança passou por um processo de due diligence seguindo as normas e não houve qualquer impedimento para trabalhar com as mesmas.”

O projecto de GNL liderado pela Total está também a trabalhar com uma empresa chamada Radarscape, que os registos corporativos moçambicanos mostram ser uma subsidiária indirecta do braço internacional da Crystal Ventures, a Macefield Ventures. Os contratos da Radarscape incluem um acordo de 2024 para construir uma central solar para o projecto de GNL em parceria com um grupo francês, confirmou a Total.

A Radarscape passou pelas mesmas verificações de diligência que a Isco Segurança, disse à publicação londrina. A Isco, a Crystal Ventures, a Macefield Ventures e o governo ruandês “não responderam a vários pedidos de comentários. A TotalEnergies espera reiniciar a construção do projecto Mozambique LNG este ano, mas por enquanto os casos de força maior mantêm-se em vigor”. Por outro, contrariamente à versão da Total, uma pessoa com conhecimento do processo de contratação, teria afirmado que outras empresas apresentaram propostas mais caras para trabalhar no projecto do que a ruandesa.

Depois de um ataque de insurgentes islâmicos, em Março de 2021, à vila de Palma ter feito dezenas de mortos, incluindo empreiteiros estrangeiros que trabalhavam no projeto, a Total declarou força maior e interrompeu o projeto. O Ruanda enviou, em Julho do mesmo ano, e mais de 4.000 soldados para proteger a região ao abrigo de um acordo entre o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o seu homólogo ruandês, Paul Kagame.

As tropas ruandesas ajudaram a restaurar a segurança, mas nenhum dos líderes revelou como é que o destacamento – que se estima ter custado ao Ruanda centenas de milhões de dólares até à data – foi financiado. Kagame, cuja Frente Patriótica Ruandesa ajudou a pôr fim ao genocídio da população étnica tutsi do país em 1994 por extremistas hutus, governa o Ruanda desde 2000. O antigo comandante rebelde esmagou a oposição política no país, mas ganhou elogios em alguns círculos por melhorar a economia e a construção do Ruanda.

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