- Revela relatório da Save The Children
- Há pais que entregam suas filhas para os insurgentes em troca de dinheiro
- Save The Children pede respeito pelos direitos das crianças
O conflito de Cabo Delgado evoluiu para uma crise humanitária complexa que força as raparigas a casarem em tenra idade, incluindo com grupos armados, revela um novo relatório da organização não governamental Save The Children. O documento menciona, por outro lado, casos de raparigas raptadas por grupos armados, abusadas sexualmente e forçadas a unirem-se maritalmente. Em resultado disso, , desde a eclosão do terrorismo várias crianças que foram raptadas pelos insurgentes voltaram com bebés. Para combater este fenômeno, a Save The Children apela a uma resolução rápida do conflito em Cabo Delgado e à disponibilização de mais fundos para prestar cuidados e assistência a raparigas e rapazes que enfrentam um risco crescente de casamentos infantis e outras preocupações de protecção, exortando ainda às partes em conflito para que respeitem a integridade e os direitos das crianças.
Duarte Sitoe
A província de Cabo Delgado vive desde Outubro de 2017 a pior crise humanitária da sua história na sequência dos ataques dos grupos armados. Para além do número de deslocados internos que já superaram a barreira de um milhão, este fenômeno fez disparar os índices de uniões prematuras naquele ponto do país.
De acordo com a Save The Children, que constatou que em 2023 houve aumento de 10% de casamentos prematuros, o número de crianças que são obrigadas a casar com os membros dos grupos armados tende a aumentar à medida que o conflito se alastra naquele ponto do país.
Aliás, os dados tornados públicos pelas Nações Unidas apontam que em Junho do corrente ano pelo menos 700 pessoas fugiram dos últimos combates em Macomia, referindo ainda que mais de 189.000 pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas desde o final do ano passado, o maior deslocamento desde o início do conflito que tem matou mais de 4.000 pessoas e forçou mais de 700.000 pessoas a deixarem suas casas desde 2017.
O relatório da Save The Children sobre a análise de género e de poder dos casamentos infantis em Cabo Delgado, na sequência de uma avaliação recente nos distritos de Chiure e Palma, concluiu houve aumento de uniões prematuras e gravidez na adolescência, sendo que o grosso das crianças tem medo que isso lhes aconteça.
Aquela organização não governamental refere no documento que foi tornado público nos meados de Julho em curso que algumas vítimas das uniões prematuras declararam que os seus progenitores permitiram que casassem em tenra idade para obter dinheiro para alimentar as suas famílias, uma vez que o conflito esgotou os rendimentos familiares, enfraqueceu os serviços de protecção e levou à falta de oportunidades para os adolescentes.
O relatório da Save The Children mostra, por outro lado, casos de casamentos forçados ocorreram após o rapto de meninas por grupos armados organizados, ou como estratégia para resolver o abuso sexual, com as famílias optando por receber bens ou dinheiro como compensação de dote.
A título de exemplo, Telma (nome fictício) contou que tem raparigas do seu povoado que foram raptadas pelos terroristas para que estas sejam suas esposas.
“Algumas meninas ainda estão na prisão [detidas por grupos armados] hoje. São obrigados a obedecer a tudo o que lhes mandam fazer e até têm filhos. Até as meninas são levadas e crescem lá, até se tornarem mulheres. Algumas meninas são mortas e as mais novas são deixadas crescer por um tempo e depois são forçadas a fazer sexo”.
Save The Children pede respeito pelos direitos das crianças
Por entender que as uniões prematuras tem consequências devastadoras para a vida de uma menina, a Save the Children apela a uma resolução rápida do conflito em Cabo Delgado e à disponibilização de mais fundos para prestar cuidados e assistência a raparigas e rapazes que enfrentam um risco crescente de casamentos infantis e outras preocupações de protecção, tendo ainda exortado às partes em conflito para que respeitem a integridade e os direitos das crianças, garantindo que não sejam alvos e não estejam envolvidas.
Relativamente ao tráfico de raparigas por parte dos grupos armados, o Director Nacional da Save the Children em Moçambique, Brechtje van Lith, declarou que esta situação perpetua um ciclo de pobreza e desigualdades sociais.
“O casamento infantil não só rouba a infância das raparigas, mas também tem graves consequências a longo prazo na sua saúde, educação e desenvolvimento geral. Perpetua um ciclo de pobreza e desigualdade, impactando não apenas a criança individualmente, mas também a comunidade em geral”, referiu Lith para posteriormente para depois defender a implementação urgente de estratégias para combater este fenómeno.
“As raparigas de Cabo Delgado têm direito a um futuro seguro à sua escolha, incluindo o direito à educação e a uma carreira, o direito de decidir se, quando e com quem vão casar e ter filhos; e o direito de acesso a cuidados de saúde e serviços sociais de qualidade. É nosso dever coletivo proteger estas meninas. Agora compreendemos melhor as complexidades do seu mundo e é vital que elaboremos estratégias em conjunto com o governo, os parceiros de desenvolvimento e humanitários para proteger estas raparigas e permitir-lhes desfrutar dos seus direitos”, destaca.
Refira-se que no dia 10 de Julho em curso, de acordo com o Comissário Distrital Peter Magoti, do distrito de Kisarawe, vizinho de Dar es Salaam, perto da fronteira com Moçambique, foram descobertas 156 crianças que viviam em alojamentos improvisados em duas mesquitas do distrito. Tudo indica que as crianças em alusão estavam a ser treinadas para reforçar o exército dos insurgentes que desde Outubro de 2017 semeiam luto e terror na província de Cabo Delgado.

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