- Presidente da República apresenta o último informe do Estado Geral da Nação
Um Presidente da República, normal e não cômico, dedica-se no decurso da governação a um equilíbrio de duas tarefas, governar o dia a dia de um país e encontrar o seu lugar na história, ou seja, a construção de um legado. Filipe Nyusi irá apresentar nesta quinta-feira o seu último discurso à Nação, dez anos depois de ter inaugurado uma governação que esteve longe de corresponder às expectativas dos seus eleitores, e até dos seus apoiantes mais íntimos, que com ares de frustração total não tiveram mais opção, senão lavar as mãos e abandoná-lo. É o presidente que acumulou insucesso em todos indicadores sociais e econômicos do país, testemunhando a degradação dos níveis de segurança e greves contínuas de toda administração pública, com professores, médicos e agora juízes à cabeça. Um real retrato do quão teve uma governação que contrasta com as suas promessas há dez anos quando se tornou vendedor de ilusões. Há cinco anos, Filipe Nyusi renovou promessas de que este mandato seria decisivo para a história do país, no entanto, na última vez que tentou fazer o balanço da sua governação sentenciou que “o que fiz é aquilo que não fiz”, como que assombrado por fantasmas de um legado vazio. Uma afirmação cômica, que embora irracional é parte de contínuos erros de comunicação que os moçambicanos relevam com animosidade de nada poder fazer, não deixa de ser fiel para quem olha o passado à lupa. Em consequência, Nyusi arrisca-se a deixar o país numa guerra sangrenta movida pelo terrorismo, uma administração pública numa greve que reivindica o passado, um recrudescimento dos raptos, uma economia de rastos, segurança penhorada ao Ruanda, a pior gestão das Forças de Defesa e Segurança (FDS), que chegam a ser conotados com violações e extorsões devido as degradações das condições logísticas. O cúmulo é a associação da Presidência da República ao negócio de drogas. De resto, o único mérito da governação de Nyusi nos últimos dez anos foi o acordo de paz definitiva, cujo processo de DDR também vai deixar pelo caminho.
O candidato que prometeu emprego, paz, melhores condições de vida e de trabalho aos professores, a construção de infra-estruturas, maior orçamento para agricultura e fome zero passou à margem de todas as suas promessas e de todas ilusões que vendeu, só sobra o caos. De quando em vez hasteou a bandeira de combate à corrupção, mas foi o primeiro Presidente da história do país que ainda em exercício foi acusado de corrupção em três tribunais, de três países e igual número de continentes.
Irá proferir nesta quinta-feira o seu último discurso à Nação, em jeito de balanço dos dois ciclos de governação, num contexto em que ainda há reticências sobre a sua saída da Presidência da República. Afinal, nunca houve indícios de que Nyusi está pronto para deixar a presidência e contrariamente aos seus antecessores ainda sequer iniciou o ritual de despedida.
A 15 de Janeiro de 2015, num discurso cheio de esperança e inclusivo, Nyusi jurava que seria o Presidente de todos os moçambicanos, numa comunicação feita a partir da praça da independência, que teve uma repercussão histórica, num contexto em que um dos grandes desafios era conflito da região centro do país. Enquanto Presidente do País, e diante do fracasso da Renamo em resolver os seus problemas internos, Nyusi triunfou no combate aos conflitos armados movidos por reivindicações políticas, aniquilando Nyongo, em Outubro de 2021. Anos antes, o Presidente da República havia assinado o acordo de Paz Definitiva, que desarmou a Renamo e cujo processo de reintegração continua até hoje.
- Segurança
Ao fazer-se retrospectiva da governação do Presidente Nyusi, o acordo de Paz Definitiva figura-se entre os seus poucos triunfos, que pecam por não ter determinado o silêncio definitivo das armas.
É que em 2017, dois anos após assumir o poder, nasce em Cabo Delgado, terra natal do Presidente Nyusi, uma guerra estranha, com requintes de terrorismo, que até hoje não tem motivações aparentes. Camuflada nas motivações religiosas, o terrorismo, que denunciou a incapacidade das FDS em responder ameaças, veio obrigar mais de um milhão de pessoas a abandonar suas terras e morte de centenas pessoas.
Para além de actos terroristas, consubstanciaram-se em assassinatos (decapitações), raptos, extorsão, exploração e escravização sexual, casamentos forçados, pilhagem de bens e produtos da população, bancos e dos agentes económicos, incêndios a casas, imposições de ideologia islâmica radical, intimidações e ameaças de morte, entre outras práticas.
A resposta de Nyusi foi juntar-se a outras forças estrangeiras, uma decisão que embora não colhe consenso no Teatro Operacional Norte, os resultados mostram-se positivos, embora teme-se que tenha sido uma decisão que pode trazer outras consequências, como a dependência das Forças Ruandesas, na medida em que não se vislumbra qualquer iniciativa de transferência de conhecimentos. Por outro, não resta dúvidas que não será no Executivo de Filipe Nyusi que o terrosmo será extinto.
As denúncias das violações dos Direitos Humanos pelas FDS expõem a incapacidade de gestão e liderança do Comandante em Chefe das FDS. Num contexto em que a degradação da logística das FDS é palpável. Na semana passada, Bernardino Rafael assumiu que de facto há comportamentos desviantes dentro da corporação. No TON, as FDS são acusadas de violar, extorquir, entre outras acusações não abonatórias à corporação. Por outro, há relatos de que a gestão da logística da FDS tem sido das mais deficientes.
- Bem-estar social
Em paralelo com os índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), durante os dois mandatos de Armando Guebuza, o índice de insegurança alimentar estava a seguir uma trajectória positiva, mas, desde que este saiu do poder, a situação tende a agravar-se.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), o índice de insegurança alimentar aguda sofreu um grande agravamento no primeiro mandato do Presidente Nyusi, subindo de 3,6% de famílias em 2013 para 29,9% de famílias em 2019.
Já os dados da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) indicam que a pobreza em Moçambique aumentou 87% em dez anos, atingindo em 2022 cerca de 65% da população. O período coincide com o ciclo de governação de Filipe Nyusi.
“A pobreza tem afectado uma parcela significativa da população, com características demográficas e socioeconómicas distintas, devido aos vários eventos adversos que tem influenciado negativamente o país, com o destaque para os eventos climáticos, como ciclones Kenneth e Idae, que afectaram significativamente a vida da população, causando danos económicos e sociais avultados”, lê-se no relatório do ENDE.
De acordo com o documento, numa das sessões do Conselho de Ministros deste ano, os efeitos foram ainda “conjugados com o aumento dos preços dos alimentos, choques climáticos que afetam a produção agrícola das famílias e o setor de transportes, e a situação de terrorismo no norte” de Moçambique.
O relatório descreve que “em termos de pobreza as estimativas indicam um aumento na pobreza de consumo, de 46,1% em 2014/15 para 68,2% em 2019/20, mas que “reduziu ligeiramente para 65,0% de 2019/20 para 2022”, neste caso atingindo sobretudo as áreas rurais (68,4% da população), mas também as áreas urbanas (58,4%).
Nas regiões a norte, mais de 70% da população era afectada pela pobreza de consumo.
Já a pobreza multidimensional “registou uma variação mais estável da taxa, passando de 55% em 2014/15 para 53,1% em 2022, sugerindo melhorias no acesso à educação e água potável”.
Em 2015, 46,1% da população moçambicana estava em situação de incapacidade de aquisição de bens alimentares e não alimentares com o objectivo de satisfazer as necessidades básicas.
III. Administração Pública: Pecado capital TSU
Sob pretexto de querer uniformizar a tabela salarial, o Governo de Filipe Nyusi anunciou a entrada em vigor da Tabela Salarial Única. Este acontecimento marcava o início de uma marcha titubeante, marcada por discursos políticos que inflamaram expectativas, que depois se viram goradas à medida que o tempo ia passando.
Entre avanços e recuos, erros básicos de cálculos e até algumas trapalhadas, “pariu-se” um projecto de revisões intermináveis que já causou muitas doenças e até morte de alguns funcionários públicos desiludidos pela ilusão que lhes foi vendida.
A Tabela Salarial Única foi aprovada por lei, em Dezembro de 2021, pela Assembleia da República, tendo sido posteriormente promulgada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, a 21 de Janeiro de 2022. Em Abril, o Conselho de Ministros aprovou o respectivo regulamento. Entretanto, a implementação daquele instrumento que gerou expectativas falsas no seio dos Funcionários e Agentes de Estado foi marcada por avanços e recuos.
Neste momento, em consequência de imprecisões, perca de benefícios alcançados, os FAE estão quase na sua generalidade em greve. Os médicos, enfermeiros, professores, juízes e até magistrados do Ministério Público estão em greve, enquanto o governo se mostra incapaz de resolver os seus problemas.
Como se tal não bastasse, como resultado das trapalhadas da TSU, o Governo vive neste momento uma crise de liquidez sem precedentes, de tal sorte que está em dificuldade para pagar salários e teve que reduzir drasticamente o investimento em sectores sociais básicos como educação e saúde.
Na saúde faltam medicamentos e material médicos cirúrgicos, a ponto dos médicos terem de recorrer ao papelão para remediar casos em que devia se aplicar gesso. Na educação, as escolas funcionam há três anos sem orçamentos, o que faz com que falte tudo, até giz. Recentemente, muitas escolas ficaram sem água e energia para funcionarem, obrigando os estudantes a trazerem água em garrafas para poderem fazer as necessidades biológicas.
- Raptos
Enquanto Filipe Nyusi, que chegou a prometer a criação de três milhões de empregos, e seu governo perdem a guerra em quase todos domínios socioeconómicos, os raptos fazem questão de afundar ainda mais a reputação de um Presidente da República que poderá ser lembrado pelas próximas gerações como o maior equívoco da história.
O fenómeno tem estado a retrair os investimentos, reduzir as importações e obrigar a debandada de milhares de empresários, sobretudo de origem asiática, que hoje encontram consolo em outras paragens como Portugal.
Em Novembro de 2021, o Governo, através do Comandante-Geral da PRM, chegou a anunciar a criação de uma Companhia Anti-Raptos, mas nunca saiu do papel, e o Estado perdeu totalmente o controlo deste fenómeno. São as gangues a controlarem o Estado.
É nesse cenário de total desnorte e caos que Filipe Nyusi, que desde que tomou o poder nunca teve oportunidade de avaliar positivamente o seu governo, vai à Casa do Povo para prestar seu último informe e Balanço dos dois Ciclos de Governação assombrados por uma busca por um legado que quase sempre se mostra vazio.
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