- Em plena época festiva, efeitos de falta de divisas alastram-se
- BCI e BIM anunciaram redução de disponibilidade de dinheiro para cartões no estrangeiro
- No BCI, limite diário de compras com cartões Pré-Pagos passa de 250 mil para 20 mil MT
- Enquanto economia e empresas afundam, Rogério Zandamela continua indiferente ao caos
Até alguns dias, eram apenas as importações que estavam sendo afectadas pela medida excessiva de limitação de circulação de moeda estrangeira, com queixas de fornecedores a suspender actividades com empresas moçambicanas por falta de pagamentos que não se efectivam dentro dos prazos devido à escassez de dólares no mercado, situação que além de danos reputacionais reflecte-se na perda de receitas. O Evidências apurou, por exemplo, que a suspensão da LAM da IATA foi consequência da falta de divisas no mercado interno. Enquanto vai ficando difícil importar para empresas, num contexto de crises sociais e falta de dinheiro à porta de quadra-festiva, as consequências da falta de divisas alastram-se agora a singulares que não podem fazer mais compras no estrangeiro nos velhos moldes, pois os bancos comerciais (até aqui BIM e BCI) anunciaram, semana passada, a imposição de novos limites para levantamentos e compra no estrangeiro. Por exemplo, no caso do BCI, o limite diário de compras com cartões Pré-Pagos (Tako Pago e Mambas) no estrangeiro passa, temporariamente, de 250 mil Meticais para 20 mil Meticais.
No comunicado que anuncia os limites transaccionais de cartões bancários não há contextualização sobre as causas da medida, havendo quem relaciona com os esforços em curso de retirar o país da lista negra, uma luta em que, apesar de avanços, Moçambique vem falhando em cumprir na íntegra as recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI). Até porque no caso do comunicado do Banco Comercial de Investimento (BCI) é dada uma certa atenção aos países de alto risco.
No seu mais recente comunicado, o BCI deliberou a alteração do limite trimestral por cliente, de 750 mil Meticais para o limite de 250 mil Meticais; o limite diário de compras com cartões Pré-Pagos (Tako Pago e Mambas) no estrangeiro passa, temporariamente, de 250 mil Meticais para 20 mil Meticais; o limite máximo diário para compras em Wallets internacionais e Criptomoedas passa, temporariamente, a ser de cinco mil Meticais.
O limite de levantamento em países considerados de alto risco com todos os Números de Identificação Bancária (BIN`s, em inglês) passa a ser de cinco mil Meticais. Enquanto que o limite máximo anual permitido por entidade para compras e levantamentos no exterior através de meios de pagamentos (cartões) do banco é de três milhões de Meticais.
O BCI explica que as mudanças foram feitas na sequência da monitoria permanente de transacções no estrangeiro, onde decidiu, igualmente, introduzir o processo de automatização de bloqueio de transacções acima do limite autorizado.
Já o Banco Internacional de Moçambique (BIM), no comunicado que consta do seu site, os novos limites transacionais dos cartões no estrangeiro entraram em vigor desde dia 09 de Novembro. Para levantamentos diários em ATM, o montante varia de 25 mil Meticais a 50 Mil Meticais, dependendo do tipo de cartão. Por exemplo, para os usuários do cartão “Classic”, o montante diário é mesmo de 25 mil em ATM; cartão “TOP”, 30 mil Meticais; cartão “Prestige”, 35 mil Meticais e cartão “Platinum”, 50 mil Meticais.
No E-commerce (BIM), lê-se que o limite máximo mensal é de 10 mil Meticais para todo o tipo de cartões. Cumulativamente, por cada cliente (que faça a sua transacção em ATM, POS e E-commerce), o BIM determinou que o limite mensal é de 300 mil para cartões “Classic”, 450 mil Meticais para cartões “TOP”, 600 mil para cartões “Prestige” e 700 mil Meticais para cartões “Platinum”.
Para períodos de um ano, o BIM determinou que, cumulativamente, por cada cliente (que faça sua transacção em ATM, POS e E-commerce), o limite anual é de 2.5 milhões de Meticais para cartões “Classic” e “TOP”, 4 milhões para cartões “Prestige” e 5 milhões de Meticais para cartões “Platinum”.
As medidas dos dois Banco Comerciais, com maior cota do mercado, surgem num contexto em que o país se queixa de falta de divisas para importações. É que já se vão dois anos que os bancos comerciais não têm tido disponibilidade suficiente de divisas para cobrir as necessidades da economia. Um dos factores relacionados com esta escassez está relacionado com a retirada, em Junho de 2023, do Banco de Moçambique (BdM), do subsídio aos bancos comerciais na disponibilização de moeda estrangeira para o pagamento das facturas de importação de combustíveis.
Um desequilíbrio refém do Banco Central
Dados numéricos apontam uma tendência contínua de redução de importações. Enquanto isso, o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, indiferente ao caos, num contexto em que se aproxima a quadra festiva e a transição política, afirma que o país tem reservas para cinco (5) meses, mas a realidade mostra um país com dificuldades de sobreviver no presente. Por detrás da crise das divisas, consta, entre outras medidas, a centralização da gestão de combustíveis, cujo pagamento é, desde Maio de 2023, responsabilidade do Banco de Moçambique e, por outro, a imposição de aumento (de 11 para 40%) de reservas da Banca Comercial em relação ao Banco Moçambique.
O economista Paulo Matavela, num artigo que aborda as principais causas e soluções da falta de divisas, anota que a decisão do BdM foi tomada num contexto em que a economia moçambicana registava um crescimento económico moderado de 6,55% no primeiro trimestre e de 5,87% no segundo trimestre de 2023, e uma contínua estabilidade do metical em relação ao dólar americano, mantendo-se nos 64,50 meticais.
Por outro lado, naquela altura, a inflação homóloga não apresentava sinais de melhoria, tendo atingido dois dígitos em Fevereiro (10,30%) e em Março (10,82%) de 2023. As reservas internacionais líquidas situavam-se em cerca de 3 mil milhões de dólares (196 mil milhões de meticais) em Junho de 2023.
O principal papel do Banco de Moçambique é garantir a estabilidade dos preços no mercado. Face a um contexto de inflação instável, o BdM decidiu adoptar medidas para reduzir a procura agregada, diminuindo a liquidez no mercado através do aumento da taxa de reservas obrigatórias.
Actualmente, de acordo com Matavele, a inflação homóloga encontra-se em níveis controlados, tendo registado 2,97% em Julho de 2024, com uma variação mensal negativa de -0,05%. As reservas internacionais líquidas aumentaram de 3 milhões de dólares (196 mil milhões de meticais) para 3,6 milhões de dólares (232 mil milhões de meticais), o que equivale a cerca de cinco meses de cobertura de bens e serviços, excluindo os grandes projectos.
Bancos comerciais com atraso de 500 milhões de dólares em facturas de importação
Entretanto, as medidas tomadas para conter a inflação têm afectado a disponibilidade de divisas no mercado. Os bancos comerciais indicam ter um atraso de 500 milhões de dólares (32 mil milhões de meticais) em facturas de importação, expatriamento de capitais e outras operações com o exterior.
Esta escassez de divisas acarreta vários constrangimentos, como a queda da produção e do volume de facturação, falhas nos cronogramas de conclusão de projectos, aumento dos custos de implementação e redução do nível de investimento. De uma forma geral, a falta de divisas no mercado tem dificultado o pagamento das facturas ao exterior, afectando directamente as operações internacionais.
O economista ressalta que o País apresenta uma balança comercial deficitária. Destacando, com efeito, que no primeiro trimestre de 2024, as exportações de bens atingiram 1,3 milhões de dólares (86,7 mil milhões de meticais), contra 1,3 milhões de dólares (83,9 mil milhões de meticais) no período homólogo de 2023, enquanto as importações reduziram 2,5%, fixando-se em 2 milhões de dólares (128,5 mil milhões de meticais). O Investimento Directo Estrangeiro (IDE) caiu cerca de 10%.
Diante desta situação, “o BdM deve reconsiderar as expectativas do mercado e implementar medidas que corrijam o desequilíbrio no mercado cambial, considerando que o mercado não é capaz de, por si só, absorver a procura de importações”, sugere o autor, fazendo coro ao apelo do sector privado, que apela a intervenção do Banco Central para corrigir esta falha do mercado.
Mas o governador do Banco Central, Rogerio Zandamela, vem forçando a narrativa de que a solução depende dos bancos comerciais. Para ele, a solução não é só responsabilidade do Banco de Moçambique, pois, “se (os bancos comerciais) têm clientes, têm negócios que querem promover e a disponibilidade de divisas quem têm não é suficiente, nada os impede de ir buscar linhas de crédito internacionais e os bancos do mundo fazem isso. Ou buscam localmente ou buscam lá fora, porque o fundo cambial é gestão do Banco de Moçambique”, insistiu em Outubro passado. Esta observação deve-se ao facto dos bancos comerciais defenderem que, de facto, a posição cambial de alguns tem sido positiva, mas não distribuída de forma igual e proporcional às obrigações de cada um. Enquanto escasseia a solução, quem sofre é o mercado, que vai ao mercado numa crise que só não tem eco porque as atenções foram captadas pelo barulho político.
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