Governo se propunha a soltar réus das dívidas ocultas sob condição de prescindirem dos bens e desistirem dos recursos, mas estes negaram

DESTAQUE POLÍTICA
  •       Os condenados não recusaram o perdão Presidencial, mas as condições propostas
  •       Preferem continuar presos do que desistir dos recursos e prescindir de bens apreendidos
  •       Não passava de um arranjo político, pois nenhum dos réus preenchia requisitos para indulto

 

O Decreto Presidencial n.º 22/2024, de 23 de Dezembro, que concede o indulto a alguns cidadãos no âmbito da celebração do dia da Família, não faz nenhuma referência a condenados das dívidas ocultas no anexo onde estão mais de 1136 condenados que se beneficiaram do perdão Presidencial anunciado por Filipe Nyusi, Presidente da República, na última quinta-feira. O Evidências apurou de pessoas abalizadas que houve intenção, tanto que na mesma quinta-feira, a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, teria sido a pessoa que se deslocou ao Lingamo para informar dos pormenores que incluem que a condição era que os arguidos prescindissem dos bens, o que não foi acolhido pelos visados. No sábado, um outro grupo foi ao Língamo dizer que para que fossem soltos a condição era que desistissem do recurso – no fundo seria o mesmo que prescindirem dos bens – , ambos pedidos foram rejeitados pelos condenados. No entanto, a medida não passaria de um arranjo político, afinal nenhum dos condenados reúne os requisitos constantes do decreto publicado esta segunda-feira, no que diz respeito ao cumprimento da metade da pena.

 Evidências

 Muito foi escrito sobre um suposto perdão presidencial aos condenados das dívidas ocultas, mas nada passou de especulação ou um debate que visava medir a profundidade das águas, ou seja, do impacto da medida num contexto do fim do mandato e visto que não tinha um conforto legal absoluto.

O perdão presidencial foi anunciado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, na quinta-feira, no seu último informe deste ano, que coincide com o seu fim do mandato. Uma comunicação que serviu também para despedida e reiterar que não lhe interessa se manter no poder face às narrativas de que estaria interessado para um terceiro mandato.

O Evidências apurou de fontes, tanto do governo, como próximas de condenados, que houve tentativas de arranjos políticos neste sentido, apesar de uma aparente divergência nas razões que seriam evocados, tendo em conta que nenhum dos condenados das dívidas ocultas cumpriu metade da pena, tendo em conta que os primeiros réus das dívidas ocultas, dos 11 no total, foram detidos em Fevereiro de 2019, com penas de prisão que variam entre 11 e 12 anos.

De acordo com o Decreto Presidencial publicado esta segunda-feira, os beneficiários do indulto devem ser cidadãos condenados que reúnem os seguintes requisitos: a) Ser delinquente primário; b) Não ter sido condenado por crime hediondo ou pena de prisão maior superior a doze anos; c) Ter cumprido, pelo menos, metade da pena até o dia 22 de Junho de 2024; e d) Ter bom comportamento. E refere ainda no número dois de igual número de artigo que são igualmente beneficiários, por razões humanitárias, os condenados que se encontram nas seguintes condições: a) Padecer de doença grave e/ou crónica; e b) Ter idade igual ou superior a sessenta anos.

Ora, nenhum dos condenados se enquadra, pelo menos, no que diz respeito ao cumprimento da metade da pena. Um detalhe que não pode passar despercebido é que no mesmo decreto presidencial, lê-se no artigo 03, o “indulto a que se refere o presente Decreto Presidencial não extingue a responsabilidade civil do condenado, decorrente dos danos causados pelo crime”.

FJN queria incluir Zófimo na mesma lista

Apesar de fracassada a intenção de incluir os arguidos das dívidas ocultas, houve, de facto, negociação nesse sentido. O debate para efeito conheceu desenvolvimentos na semana passada, quando a família Guebuza soube que Filipe Nyusi queria incluir Zófimo Muiane, condenado a 24 anos de prisão, em 2017, por matar deliberadamente Valentina Guebuza, na altura com 36 anos, com um tiro no tórax e outro no abdómen. A decisão pode ter influenciado para que não fosse acolhida pelos condenados que se mostraram solidários a Guebuza.

A segunda razão que influenciou para o não avanço para efetivação do perdão está no facto de Nyusi ter pedido à ministra Helena Kida que dissesse aos condenados das dívidas que a condição era que os arguidos prescindissem dos bens (o que foi prontamente rejeitado). ⁠⁠No sábado à noite, um outro grupo foi ao Língamo dizer que para que fossem soltos a condição era que desistissem do recurso (o que também foi rejeitado), que no fundo seria o mesmo que prescindissem dos bens.

Ela foi várias vezes visitar o Estabelecimento Penitenciário do Língamo, onde a maioria dos réus estão presos. Três dos arguidos, nomeadamente Ângela, Cipriano e Fabião já cumpriram metade da pena em Setembro, mas mesmo assim não cumprem com os requisitos arrolados no Decreto.

Tradicionalmente, ao se beneficiar do indulto significa que estariam perdoados e se efectiva a extinção da pena, o que difere da liberdade condicional, que também é exequível após ao cumprimento da metade da pena, mas significa cumprir o restante da pena fora da cadeia, em regime domiciliário, sem extinguir efetivamente a pena.

Entre os arrolados na referida negociação constam nomes de oito réus condenados das “dívidas ocultas” que ainda cumpriam pena, nomeadamente Ângela Leão, Antônio Carlos Rosário, Bruno Tandane Langa, Cipriano Mutota, Fabião Mabunda, Gregório Leão, Ndambi Guebuza e Teófilo Nhangumele.

Helena Kida dirigiu a operação pessoalmente

Filipe Nyusi, que deixa a presidência dentro de cerca de 20 dias, aparentemente a busca de se penitenciar de um dos seus maiores pecados aos olhos dos camaradas, sobretudo da ala Guebuza, tentou a todo custo tirar da cadeia aqueles que foram sacrificados numa justiça que parece ter deixado muito tubarão de fora e sacrificou peixe miúdo.

Por isso, segundo fontes, mandatou pessoalmente a ministra Helena Kida para tratar do expediente, mas os termos não satisfaziam os interesses dos réus que não querem prescindir dos bens apreendidos pela PGR, muito menos desistir de procurar provar que não foram culpados pelo calote. É que uma eventual absolvição numa instância superior limpava o seu cadastro criminal, enquanto indulto é apenas um perdão, mas mantém-se o cadastro.

Armando Ndambi Guebuza, filho mais velho do ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza, foi condenado a 12 anos de prisão pelo envolvimento no escândalo das “dívidas ocultas” de Moçambique. O juiz Efigénio Baptista disse, na altura, que ficou provado que Ndambi influenciou o seu pai a aceitar o esquema de protecção costeira proposto pela empresa sediada em Abu Dhabi, Privinvest. Isto levou à formação de três empresas fraudulentas ligadas à segurança, a Proindicus, a Ematum (Empresa de Atum de Moçambique) e a MAM (Gestão de Activos de Moçambique). A assistência de Ndambi à Privinvest não foi barata. Ele e os seus cúmplices, Teófilo Nhangumele (que reivindicou a paternidade do projecto de protecção costeira) e Bruno Langa, foram acusados de exigir subornos de 50 milhões de dólares – 8,5 milhões de dólares cada para Nhangumele e Langa e 33 milhões para Ndambi, considerado o contacto crucial com o Presidente.

O tribunal condenou ainda Nhangumele e Langa a 12 anos de prisão. Baptista salientou que esta era a pena máxima que poderia aplicar pela conjugação de crimes cometidos pelos arguidos (nomeadamente conspiração criminosa, peculato e branqueamento de capitais).

O antigo chefe do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, e o antigo chefe da Inteligência Económica do SISE, António Carlos do Rosário, também haviam apanhado 12 anos. Leão e Rosário, disse o juiz, chefiavam o órgão que deveria proteger a segurança moçambicana.

 

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