Egas Daniel defende intervenção do Governo para minimizar o inevitável aumento da fome e desemprego

ECONOMIA SOCIEDADE
  • Consequências dos estragos, saques e vandalizações do Turbo V8 ainda estão por vir
  • Destruição de empresas vai aumentar pressão fiscal para o Governo de Chapo
  • Alerta para escassez de produtos nos próximos dias em Maputo e Matola

Durante a escalada das manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, o país conheceu um pico de acções de saques, vandalização e destruição de bens públicos e privados, o que deixou prateleiras dos maiores armazéns, lojas, supermercados e os vulgos “contentores” completamente vazios durante os três dias da chamada fase Turbo V8. A acção, que, aparentemente, saiu do controlo até do próprio Venâncio Mondlane, está a ter um impacto nefasto para a economia do país, que poderá continuar a se repercutir a curto, médio e longo prazo. De acordo com o economista Egas Daniel, muitas regiões do país, em particular a cidade e província de Maputo, poderão continuar a registar escassez de bens e produtos devido a diminuição da capacidade de produção e armazenamento, aliados ao receio dos lojistas e produtores devido a insegurança causada pelas manifestações, sendo que dada a maior procura, os preços vão continuar altos. Para além do cenário de fome, a destruição de bens públicos e privados, incluindo lojas, fábricas e empresas, atirou milhares de pessoas para o desemprego. Para minimizar o cenário, o economista defende uma intervenção do Governo para recuperar o sector produtivo e evitar que a fome e desemprego tomem proporções dramáticas.

Elísio Nuvunga

Na chamada fase Turbo V8 das manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, o país assistiu a uma escalada jamais vista da violência, com três dias de saque e vandalização de bens públicos e privados.

Esquadras, sedes do partido Frelimo e edifícios de administração do Estado, desde sedes do Governo, Municípios e descendo até as representações de base, foram vandalizados. Nem mesmo as penitenciárias escaparam.

Na periferia das cidades de Maputo e Matola, onde estão concentradas algumas empresas e o maior parque industrial do país, os estragos foram enormes. Na cidade da Matola, concretamente no Posto Administrativo da Machava, conta-se, hoje, com os dedos das mãos, o número de empresas, lojas e estabelecimentos comerciais, supermercados e unidades industriais que não foram invadidos, saqueados e incendiados, como são os casos da Fábrica de Farinha “Bom Milho”, que acabou encerrando portas para sempre na Machava, segundo deu a conhecer a proprietária, após vandalização seguida de incêndio por fogo posto. O mesmo cenário verificou-se em outros pontos.

A cadeia de supermercados Recheio, que emprega milhares de moçambicanos, em todos os bairros viu as suas lojas saqueadas e incendiadas, incluindo um dos seus principais armazéns localizado no Benfica, que vendia a grosso e abastecia quase todos os “contentores” espalhados pelos bairros.

Alguns especialistas dizem que a acção dos manifestantes durante os dias 23, 24 e 25 de Dezembro fez o Estado, que já era um dos 10 mais pobres do mundo, regredir cerca de 10 anos.

Egas Daniel aponta que a destruição de infra-estruturas implica, de igual modo, a destruição da capacidade produtiva e de abastecimento nos mercados, abrindo espaço para a especulação de preços.

“Quando se paralisa as actividades, paralisa-se a produção; quando se destroem os activos de produção, destrói-se também capacidade de colocar produtos no mercado para satisfazer a demanda. O que significa que Moçambique, certamente pelo menos na região de Maputo e Matola, nos próximos meses, não será capaz de gerar uma oferta de bens e serviços de satisfazer a demanda que é mais rígida, que aumenta na medida que o tempo passa, e como consequência os preços poderão disparar”, alertou o economista.

Taxas de pobreza poderão continuar a crescer

Para o economista, esta situação vai influenciar mais uma vez as taxas de pobreza, aumento de desemprego e o crescimento de empregos precários, sendo que nestas condições, para a satisfação das necessidades básicas, o salário mínimo não poderá ser mais suficiente para suprir as mínimas despesas, passando a ser necessário no mínimo 30 mil meticais em cada família média.

“Aquelas famílias que têm emprego precário, cujo rendimento é compatível com o salário mínimo, que é o quinto daquilo que precisa para comprar a cesta básica, para ter o salário digno para comprar bens básicos precisa de 30 mil, ou seja, precisa de multiplicar o salário mínimo cinco vezes para poder gerar a capacidade mínima de adquirir bens e serviços para a satisfação de uma família média de cinco pessoas”, alertou.

Esta realidade não só abrange aqueles que ficaram desempregados como também para aqueles que conseguiram manter seu emprego que indubitavelmente também serão arrastados para a linha da pobreza por conta das manifestações e outros factores pré-existentes.

Como é de domínio público, as manifestações afectaram todos os sectores de produção, mas a parte mais crítica no Estado, segundo o economista, “é a redução de toda capacidade produtiva que afecta proporcionalmente a arrecadação fiscal do governo, o que significa que, quando o governo tomar posse, imediatamente vai se fazer sentir a pressão fiscal, não somente aquela que vinha sendo arrastada ao longo dos anos, mas esta que foi gerada no último trimestre por causa da queda das actividades económicas que afecta directamente a arrecadação de receitas”.

Medidas a serem tomadas para a mitigação

Para mitigar o impacto das manifestações a curto e longo prazo na economia nacional, Egas Daniel aponta a estabilização do país, que consequentemente vai criar um ambiente propício para investimentos e aplicação de políticas económicas sem receios.

“No curto prazo deve-se criar bases para que as actividades retomem à normalidade com mínimo de risco possível. Qualquer decisão de investimento de qualquer empresário, agora, depende de alguma luz sobre a retoma da estabilidade política. Esta é a base fundamental sobre a qual se pode implementar com eficácia qualquer política económica”, sublinhou.

Outra medida, no entender de Daniel, seria o apoio económico do sector empresarial, através da criação de políticas e condições que garantam o bom funcionamento das actividades económicas independentemente das eventuais tensões políticas no país.

“Estimular, convencer, persuadir e por vezes conquistar novamente o sector privado, sobretudo as empresas que foram afectadas não somente com apoio directo sob ponto de vista de facilidade ao acesso ao crédito, suspensão de algumas obrigações financeiras, de dívidas (…) em função do nível que cada empresa foi afectada tem que se dar uma garantia de que o país nos próximos anos não irá voltar a assistir tensões que resvalem em violência e destruição aos níveis que assistimos”, defende.

Nas entrelinhas, Egas Daniel referiu que o sector do turismo foi o mais afectado pela onda das manifestações e, por outro lado, o sector extractivo, que contribui para a economia do país, apesar de não contribuir significativamente para as receitas do Estado, mas “garante 70% exportações”, através dos megas-projectos”.

Facebook Comments