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Por Ajekai Adjei*
Porque é que a China está a construir centrais elétricas em toda a África Subsariana? O que motiva realmente o seu envolvimento neste sector? O que espera ganhar e o que isso significa para os países que recebem o seu apoio em infraestruturas? Será apenas um gesto de solidariedade Sul-Sul ou existem motivações económicas e estratégicas mais profundas?
Estas perguntas estão longe de ser meramente académicas. Elas tocam o cerne da forma como as infraestruturas energéticas são hoje financiadas, negociadas e executadas no continente. Para governos, parceiros e empresas de serviços públicos que procuram reduzir o défice de acesso à eletricidade, compreender os incentivos da China não é apenas útil, é fundamental.
Para lançar esta série, começamos pelo “porquê”. Explorar as motivações do envolvimento chinês no sector energético africano é essencial para compreender o “como”, que será abordado nas próximas edições. Estas motivações não são especulativas: estão refletidas em décadas de políticas, inscritas na estrutura dos contratos de investimento e moldadas pela evolução da economia doméstica chinesa.
Segurança de recursos e expansão de mercados
De forma geral, os investimentos chineses em energia na África Subsariana podem ser vistos sob duas grandes perspetivas. A primeira é a segurança de recursos. A base de recursos da China não é suficiente para satisfazer as necessidades de uma população superior a 1,4 mil milhões de pessoas (em 2022), especialmente no que toca a matérias-primas energéticas. O país dispõe de reservas limitadas de petróleo de alta qualidade, gás natural e minerais críticos, como o cobalto, o lítio e as terras raras, fundamentais tanto para a produção de energia convencional como renovável. Em contrapartida, muitos países africanos possuem vastas reservas destes mesmos recursos, muitas vezes por explorar.
Desta diferença nasceu uma dinâmica comercial na qual o desenvolvimento de infraestruturas é trocado por acesso a recursos naturais, muitas vezes através de mecanismos de financiamento garantido por recursos (resource-backed finance). Nestes projetos, instituições chinesas financiam e constroem infraestruturas energéticas em troca de acesso a longo prazo a petróleo, minerais ou outras matérias-primas, que podem ser vendidos diretamente à China ou usados como colateral para reembolsar os empréstimos de infraestrutura.
Este modelo ganhou força no início dos anos 2000, quando a rápida industrialização chinesa ultrapassou a sua capacidade energética interna. Em poucas décadas, a China passou de exportador líquido de petróleo a um dos três maiores importadores mundiais. O país consome cerca de 10 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais mais de 60% são importados. Mais de um milhão desses barris provém de países africanos, com Angola e o Sudão entre os principais fornecedores. O modelo oferece benefícios mútuos: os governos africanos obtêm infraestruturas vitais para o desenvolvimento, enquanto a China assegura o fornecimento contínuo de recursos estratégicos.
Apesar disso, os empréstimos garantidos por recursos representam apenas 8% do total do financiamento chinês à região, embora tenham recebido uma atenção desproporcionada em debates académicos e políticos. E, embora muitos associem o investimento chinês a uma lógica puramente extrativista, a China não inventou este modelo de troca entre recursos e infraestruturas, antes o adaptou da sua própria experiência de desenvolvimento.
Nas décadas de 1970 e 1980, a China obteve financiamento do Japão, dos Estados Unidos e do Reino Unido para construir infraestruturas, oferecendo como garantia o pagamento em recursos. Essas experiências moldaram a abordagem actual do país à cooperação para o desenvolvimento.
O segundo motor: procurar mercados externos
Nem todos os investimentos chineses se dirigem a países ricos em recursos. Em alguns casos, como o das Maurícias, a China investe em economias com potencial extrativo limitado. Isso revela uma segunda motivação: a expansão de mercados estrangeiros para os seus bens, serviços e competências técnicas.
Com o amadurecimento da sua economia, a procura interna por novas infraestruturas energéticas abrandou. No final dos anos 2000, a China já instalava cerca de 100 gigawatts por ano, criando um sector elétrico altamente desenvolvido, mas também saturado.
Com menos oportunidades domésticas, as empresas estatais chinesas, com vasta experiência em engenharia, construção e fabrico de equipamentos de geração de energia, começaram a olhar para fora. Quanto mais capacidade instalada permanece ociosa dentro da China, maior é a probabilidade de os bancos chineses obter incentivos políticos para financiarem projetos no estrangeiro.
Para apoiar essa viragem, o governo lançou a política Going Out, mais tarde complementada pela “Iniciativa Cinturão e Rota” (Belt and Road Initiative). Estas políticas encorajam empresas chinesas a procurar projetos além-fronteiras, frequentemente com apoio do Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e do Banco de Exportação e Importação da China (CHEXIM). As necessidades de infraestrutura da África Subsariana, aliadas à sua abertura a parcerias internacionais, tornaram-na um parceiro estratégico natural.
Em muitos casos, as empresas chinesas entram em novos mercados através de projetos de margem reduzida ou em fases iniciais, com o objetivo de criar uma base de operação. A expectativa é que esses primeiros contratos abram portas para colaborações mais duradouras e rentáveis, especialmente quando os projetos contam com financiamento estatal do CDB e do CHEXIM.
Fatores de “empurrar” e “atrair”
Os estudiosos descrevem esta dinâmica através do modelo dos factores de empurrar e de atrair. Os factores de empurrar vêm de dentro da China, como o excesso de capacidade industrial, o abrandamento económico e o objetivo estratégico de internacionalizar as empresas estatais. Os factores de atrair provêm dos países anfitriões, a procura de infraestruturas, a abertura de mercados e a convergência diplomática.
Estudos recentes que analisam estes factores com modelos econométricos oferecem resultados reveladores. O excesso de capacidade no sector elétrico chinês surge como o melhor preditor das decisões de financiamento no exterior. Em termos simples: quanto mais centrais elétricas ociosas há na China, maior é a tendência dos bancos políticos chineses para apoiar projetos no estrangeiro.
Curiosamente, a mesma investigação mostra pouca evidência de que as relações diplomáticas, os interesses em recursos naturais ou até o volume do comércio bilateral sejam fatores determinantes no financiamento energético chinês. Isto é significativo, pois desafia a narrativa comum de que os investimentos da China em África são movidos essencialmente por ambições geopolíticas. Em vez disso, o que emerge é uma lógica comercial racional, moldada por forças económicas estruturais de ambos os lados.
A importância de compreender o “porquê”
Deste modo, duas motivações interligadas destacam-se como essenciais para compreender os investimentos chineses no setor energético africano, nomeadamente a necessidade de aceder a mercados externos maiores e mais dinâmicos para bens e serviços chineses e a existência de procura nesses mercados pelo que a China tem para oferecer.
Estas motivações não são exclusivas nem particularmente novas, mas a sua importância tem sido confirmada por investigações e tendências de financiamento recentes. Outros factores, como diplomacia, ideologia ou extração de recursos, podem desempenhar um papel secundário, mas não explicam de forma consistente os fluxos de investimento.
Para os governos da África Subsariana, isto representa oportunidades e desafios. A convergência entre as necessidades africanas de infraestrutura e os objetivos industriais chineses cria espaço para uma cooperação mutuamente benéfica. Mas o sucesso não é automático, afinal as expectativas desalinhadas, a preparação insuficiente de projetos e falta de compreensão sobre o funcionamento das instituições chinesas podem travar o progresso.
A parceria com a China não é um modelo único, requer coordenação cuidadosa, comunicação clara e capacidade de estruturar projetos que conciliem os interesses comerciais chineses com as prioridades de desenvolvimento locais. Projetos com potencial de replicação e escalabilidade tendem a atrair maior atenção de entidades chinesas.
É precisamente por isso que compreender as motivações da China é tão importante. Saber que os seus investimentos são moldados pelo excesso de capacidade interna e pela necessidade de expandir o acesso a mercados externos ajuda governos e promotores a identificar onde os interesses se alinham, e onde podem surgir fricções.
Essa compreensão desloca o debate do plano abstrato da política para o terreno concreto da estratégia. Com uma visão mais clara sobre o que orienta as decisões chinesas, os países africanos estarão melhor preparados para estruturar projetos viáveis, gerir expectativas e construir parcerias mais eficazes e sustentáveis.
**De China-Global South Project, a partir de Nairobi



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