Share this
Por Njenga Hakeenah*
O domínio manufatureiro da China continua intrinsecamente ligado à luta africana por acesso à energia. O continente possui as matérias-primas essenciais à produção de tecnologias de energia renovável, mas as suas indústrias carecem da escala e da eficiência necessárias para competir com a imensa base industrial chinesa.
Como resultado, os países africanos continuam dependentes de equipamentos fabricados na China, mesmo quando tentam ascender na cadeia de valor da produção industrial.
A WiSolar, empresa de energia solar com operações na África do Sul e na Nigéria, ilustra bem esta dinâmica. Fundada em 2016 como fabricante original de inversores, acabou por transferir a produção para a China, justificando a decisão com os custos proibitivos da produção local e as vantagens competitivas do ecossistema industrial chinês.
Riqueza mineral e ambições energéticas
O fundador e diretor executivo da WiSolar, Tonye Irims, sublinha que o potencial solar de África é imenso, sustentado por vastas reservas de estanho, cobre e silício, matérias-primas essenciais para a produção de painéis solares. Contudo, apesar destas vantagens naturais, os elevados custos de produção, a escassez de financiamento acessível, o fraco apoio governamental e as políticas industriais inconsistentes continuam a travar as ambições manufatureiras do continente.
Projetos emergentes, como a fábrica Seraphim, de 300 megawatts, na África do Sul, mostram que os países africanos podem ainda conquistar um espaço na cadeia de valor solar. A Jiangsu Seraphim Solar System Co., Ltd., como é oficialmente conhecida, produz tanto módulos solares para telhados como as células fotovoltaicas que os alimentam e algumas das unidades fabricadas na África do Sul já chegam a mercados distantes, como os Estados Unidos.
Cooperação em vez de competição direta
Ainda assim, o objetivo não tem de ser competir diretamente com a China.
“Quem conhece os fabricantes chineses sabe que é muito mais económico produzir na China”, explica Yixian Sun, professora associada de Desenvolvimento Internacional na Universidade de Bath. “Mas, se virem vantagens em investir localmente, se os governos oferecerem incentivos e políticas estáveis, há um forte interesse em explorar novos mercados de manufatura.”
Produzir painéis solares do zero é um processo complexo, que vai desde a extração das matérias-primas até à montagem final. Por isso, acrescenta Sun, é irrealista esperar que países com bases industriais limitadas comecem do nada. Em alternativa, as economias africanas podem concentrar-se na montagem ou em produtos especializados que complementem a produção chinesa.
“Talvez possamos fazer parte da montagem que ajude os fabricantes chineses a reduzir custos de exportação, ao mesmo tempo que criamos empregos locais e incentivamos os governos a oferecer benefícios fiscais”, defende a investigadora.
Oportunidades de inovação local
Essas parcerias também podem abrir espaço à inovação africana. No Paquistão, por exemplo, pequenos painéis solares destinados ao uso doméstico são produzidos localmente, por serem de baixo lucro e pouco atrativos para as grandes empresas chinesas. “De forma semelhante, diferentes países africanos podem encontrar nichos específicos onde se especializar, enquanto as empresas chinesas oferecem tecnologia e conhecimento técnico”, acrescenta Sun, que é também bolseira UKRI Future Leaders e investigadora principal do projeto SGAIN.
Recursos, incentivos e políticas consistentes
Para Muyi Yang, analista sénior de energia da global Ember, o futuro passará pela criação de alguns polos regionais de produção capazes de abastecer todo o continente. “Não existe um único país que tenha uma cadeia de fornecimento de energia limpa totalmente integrada”, observa. “É provável que África venha a ter alguns centros industriais que forneçam equipamentos e infraestruturas a nível regional, esse é o cenário mais realista.”
Mesmo nos casos em que a manufatura total não seja viável, Yang sublinha que os países ainda podem ganhar conhecimento técnico valioso. “Haverá sempre transferência de tecnologia, porque é preciso pessoal local para instalação, operação e manutenção”, afirma. Em alguns casos, como o de grandes painéis solares flutuantes, pode até ser mais barato produzi-los localmente devido aos elevados custos de transporte. “Isso cria procura para o crescimento de indústrias complementares”, acrescenta.
Em última análise, a grande questão para os decisores políticos africanos é saber se dispõem dos recursos, incentivos e políticas coerentes para sustentar o desenvolvimento industrial.
A resposta determinará de que forma, e em que medida, o continente poderá beneficiar da cadeia de valor da manufatura solar nos próximos anos.
*De China-Global South Project, a partir de Nairobi



Facebook Comments