Após o veredicto final e irrecorrível do Conselho Constitucional, que declarou Daniel Chapo como o próximo presidente da República de Moçambique, e a suposta tomada de “posse” de Venâncio Mondlane, o País se vê diante de uma crise política de proporções alarmantes. Nos próximos dias, a possibilidade de Moçambique mergulhar num cenário de “ingovernabilidade” se torna cada vez maior à medida que o prometido diálogo entre Chapo e Mondlane ainda não tem datas.que as divergências entre VM e DC aumentam.
De um lado, temos Venâncio Mondlane (VM7), com uma liderança consolidada e um apoio popular inquestionável. Ele é, para muitos, o “Presidente do povo”, alguém capaz de unir e representar as massas de maneira extraordinária. De outro lado, Daniel Chapo, recém-declarado vencedor das eleições gerais de 09 de Outubro e o quinto Presidente da República, cuja legitimidade é questionada pelo povo, mas que se vê em uma posição de confronto com o outro lado. O problema, porém, é que, ao que tudo indica, nenhum dos dois está disposto a ceder. A grande dúvida agora é: o governo optará por uma co-presidência com divisão de poder ou o impasse será resolvido de uma maneira conflituosa?
A realidade, no entanto, é que o País caminha rapidamente para um abismo (Social, político e económico). O país vive um momento em que as leis e a própria ordem do Estado são desrespeitadas e ignoradas, tudo em benefício dos “camaradas” que parece atropelar qualquer noção de justiça social. As eleições de 09 de Outubro, contestadas, foram, aos olhos de muitos, as mais fraudulentas de toda a história. Parece até que os resultados foram fabricados em escritórios, visto que há relatos de manipulação de números, e, como consequência directa disso, a repressão brutal contra a população que se manifesta nas ruas. Mais de duzentas pessoas perderam a vida nas manifestações pacíficas e mais de 500 já foram baleadas. E me pergunto quanto custa uma vida? E até quando continuaremos a assistir ao massacre de cidadãos que, em tese, são os verdadeiros donos do país?
Venderam-nos a narrativa de que o povo é o patrão, de que o poder emana da vontade popular, mas o que estamos vendo agora? O povo que luta por seus direitos é tratado como inimigo, baleado nas ruas, massacrado pela própria polícia que jurou proteger, isto é uma tragédia social. Na quinta-feira, no retorno de Venâncio Mondlane ao país, um jovem foi morto com um tiro no rosto pela Polícia da República de Moçambique (PRM). Como podemos continuar chamando esse país de democrático, se nossas vidas são descartáveis?
Estamos, portanto, vivendo uma crise profunda, onde as instituições — aquelas que deveriam ser pilares de estabilidade — se mostram cada vez mais frágeis e impotentes. A falta de respeito às normas e à Constituição se espalha por todos os cantos da sociedade. Esse cenário de desordem e impunidade não é algo novo na história das nações e me faz lembrar de Thomas Hobbes que, no seu clássico Leviatã (1651), descreve o conceito de “estado da natureza”, um estado hipotético em que os seres humanos, sem a mediação de um Estado forte e justo, vivem em um caos total. Nesse estado, as leis não existem, e a convivência pacífica é impossível. A insegurança e o medo dominam, e a única saída seria a criação de um poder soberano capaz de impor a ordem e garantir a sobrevivência colectiva.
Ao olhar para Moçambique hoje, é difícil não traçar um paralelo ou comparação com o conceito hobbesiano. O país parece imerso em uma espécie de “estado natural”, onde o Governo e as instituições são desconsiderados e o povo, desprovido de confiança no governo, se vê forçado a buscar soluções próprias, muitas vezes fora da lei. Esta situação nos leva a uma reflexão complexa: estamos, de facto, diante de uma crise política e institucional irreversível? Ou ainda há uma possibilidade de recuperação, onde a ordem democrática e a integridade do Estado sejam preservadas?
O país se encontra à beira de um colapso institucional e social. A falta de um Governo forte, coeso e capaz de unir o país nos vários segmentos sociais pode ser o factor decisivo para o futuro desta pérola do Índico. O Executivo terá, nos próximos dias, que escolher entre restaurar a ordem, recuperar a confiança da população e preservar a integridade das suas instituições, ou permitir que o país afunde ainda mais na ingovernabilidade, com consequências irreversíveis para a sua coesão social e estabilidade política.
O que está em jogo, neste momento, não é apenas a sobrevivência política de um Governo ou a permanência de uma liderança. Está em jogo a própria essência do Estado moçambicano e a sobrevivência da sua democracia. O país precisa, urgentemente, adotar um novo pacto social, capaz de restaurar a confiança nas instituições e, acima de tudo, de garantir que a lei, a ordem e o respeito à Constituição voltem a ser os alicerces sobre os quais o futuro será construído. Caso contrário, o “estado da natureza” poderá se tornar a norma, e a ingovernabilidade será uma sentença que ninguém poderá evitar.