Discurso promissor de Daniel Chapo: Entre reformas e desafios antecipados

OPINIÃO

Por: Arão Valoi

O discurso inaugural de Daniel Chapo, após a confirmação da sua vitória nas eleições gerais de 9 de Outubro, trouxe à tona uma onda de optimismo, particularmente entre aqueles estratos da sociedade moçambicana que clamam por um novo rumo para o País. Foi, sem dúvidas, um discurso de esperança, carregado de promessas que, se cumpridas, poderiam representar uma verdadeira ruptura ou transformação para o modelo de governação do Partido Frelimo. A expectativa de muitos é que estas promessas não morram no papel como, aliás, foram as do Presidente Nyusi, em 2015. No centro das palavras de Daniel Chapo estão, entre outros temas relevantes, as reformas estruturais e, acima de tudo, o combate à corrupção e a redução da despesa pública– males que, por décadas, tem minado a confiança dos cidadãos e perpetuado um sistema político e administrativo disfuncional.

As medidas anunciadas pelo Presidente Chapo (algumas já implementadas) como a redução do número de ministérios de 24 para 20, a eliminação de secretarias do estado, da figura de vice-ministros, a redefinição das atribuições da figura do secretário permanente dos ministérios, a revisão das regalias dos dirigentes, o congelamento da aquisição de viaturas protocolares, entre outras, fizeram soar o alarme da chegada de uma nova era, que pretende simplificar a máquina pública e combater práticas enraizadas de clientelismo e ineficiência.

Esta proposta de uma administração mais enxuta e focada, visa combater uma burocracia excessiva, que ao longo dos anos tornou-se um campo fértil para o favorecimento político. O número crescente de ministérios ao longo dos governos anteriores tinha mais a ver com acomodação de aliados políticos do que com uma gestão estratégica dos assuntos públicos. Ao cortar essa gordura administrativa, Daniel Chapo deseja, não só melhorar a eficiência, mas também afirmar o seu compromisso com uma gestão pública baseada na competência e não no compadrio, clientelismo e favorecimento.

As secretarias de estado, por exemplo, foram sempre vistas como entidades que, muitas vezes, serviam para distribuir favores políticos. O seu fim representa um movimento simbólico e pragmático de Daniel Chapo. De facto, elas funcionavam como uma moeda de troca no jogo de poder do que como uma necessidade administrativa real. Ao eliminá-las, o presidente não apenas reduz os custos da máquina pública, mas também envia uma mensagem clara: a gestão pública não se pode dar ao luxo de tolerar espaços para barganhas políticas, mas deve, sim, funcionar como um instrumento para o desenvolvimento do País. A redefinição do papel do secretário permanente também se destacou. Ao dar mais clareza às suas funções, Chapo lança também um aviso ao Partido Frelimo. É preciso afastar a política partidária da administração pública, promovendo uma gestão mais técnica e menos suscetível à interferência de interesses partidários. Esse movimento fortalece os processos de gestão e ajuda na recuperação da confiança nas instituições públicas, que ao longo dos anos se tornaram ilegítimas aos olhos da população.

Um gesto particularmente simbólico foi a decisão de eliminar os carros protocolares para alguns cargos e/ou funções. Um País onde a desigualdade social é gritante, o luxo ostentado por agentes governamentais é, sem dúvidas, uma afronta à realidade da maioria da população que vive na pobreza e vê seus impostos a serem usados de forma inadequada. Ao cortar esses símbolos de ostentação, o Presidente Chapo pretende aproximar a administração pública à realidade do País, das pessoas, sinalizando que o seu governo será, igualmente, mais humilde. Esta é, de resto, uma tentativa de romper com a tradição de elitismo que tem caracterizado a política moçambicana, promovendo uma maior empatia entre governantes e governados.

No entanto, entre as propostas de Chapo, uma das mais controversas foi a privatização ou concessão de empresas públicas deficitárias. Moçambique possui uma série de empresas estatais ineficientes que drenam recursos públicos sem proporcionar um retorno adequado à sociedade. A proposta de privatização, embora lógica do ponto de vista econômico, carrega consigo o risco de perpetuar práticas corruptas. Num país onde a privatização tem sido marcada por falta de transparência e favorecimento de elites políticas, Daniel Chapo precisará de garantir que essas mudanças não resultem numa nova onda de desvio de recursos. Aqui, a sua frontalidade e intolerância a actos de corrupção serão testadas. Ele precisará de um sistema de fiscalização robusto e instituições independentes que assegurem que as privatizações atendam ao interesse público.

A implementação efectiva destas reformas vai exigir de Daniel Chapo e a sua equipa, um compromisso inabalável com as suas convicções. As reformas propostas, especialmente num sistema onde o Partido Frelimo tem dominado a política desde a independência, irão encontrar resistência dentro do próprio partido. O sistema de patronato político, que distribui cargos e recursos de acordo com a lealdade partidária, é profundamente enraizado. Qualquer movimento de reforma será visto como uma ameaça aos interesses das elites que, durante décadas, se beneficiam desse sistema. Para superar essa resistência interna, o Presidente precisará de demonstrar habilidades políticas, contando com o apoio da sociedade civil e de outros sectores para fortalecer as suas reformas e assegurar que elas não sejam apenas uma mudança de fachada. Num contexto em que Chapo ainda não assumiu o controle do Partido, a probabilidade de ver os seus esforços esfumarem-se é maior, visto que a máquina partidária fala sempre mais alto que qualquer um. Por isso, é urgente que Filipe Nyusi faça as devidas cedências na gestão do Partido.

Em última análise, a verdadeira prova de fogo para Daniel Chapo será conseguir transformar as suas promessas em acções concretas. As reformas, embora bem-intencionadas, precisam de ser acompanhadas de uma gestão rigorosa e de mecanismos de controle que garantam que o poder não seja novamente capturado pelas velhas práticas de corrupção e clientelismo. O Presidente tem, diante de si, a tarefa titânica de reformar um sistema político profundamente viciado e, ao mesmo tempo, conquistar a confiança de uma população desconfiada, que por anos viu as suas esperanças serem traídas. Para que a sua retórica de mudança se torne realidade, será essencial que ele fortaleça as instituições do País, garantindo que a corrupção não seja apenas combatida, mas erradicada, e que o Governo se torne verdadeiramente um instrumento a serviço do povo. A paz e a reconciliação nacional são pilares fundamentais para o sucesso da governação de Daniel Chapo. O apelo de todas as forças vivas da sociedade é que o Presidente Chapo encontre, urgentemente, um mecanismo ou plataforma de diálogo com o interlocutor Venâncio Mondlane. Todos os esforços feitos pelo Presidente Nyusi antes da sua saída redundaram em fracasso pela sua intransigência em envolver Venâncio Mondlane nos debates e nas conversações. A intolerância política, muitas vezes manifestada através da diabolização do outro, tem caracterizado os discursos de muitos analistas ligados ao Partido e isso tem enfraquecido os esforços de pacificação necessários para o avanço do País rumo ao progresso.

O desafio está posto. Resta saber se Daniel Chapo será capaz de navegar pelas águas violentas e nas complexidades políticas do seu próprio partido e do sistema que ele prometeu reformar.

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