- O outro lado das manifestações
- Não usaram nenhuma protecção e deixaram a mulher traumatizada até hoje
Aquando das manifestações, no quadro da famigerada fase Turbo V8, uma agente da Polícia da República de Moçambique (PRM), cuja identidade decidimos proteger, foi mantida em cárcere e violada sexualmente por 15 manifestantes, sem nenhum tipo de protecção, durante o assalto à 3ª Esquadra de Namicopo, na Cidade de Nampula, província com o mesmo nome. Ainda a tentar se recompor das marcas físicas e visivelmente traumatizada, a vítima não conseguiu se recuperar das sequelas psicológicas causadas pelo evento arrepiante em que permaneceu cerca de duas horas como uma escrava sexual, enquanto 15 homens trocavam-se entre si. Para o psicólogo Bóia Efraime Júnior, passar por aquele episódio pode causar danos enormes que podem afectar social e profissionalmente a vida da agente, causando dificuldades de relacionamento com colegas e parceiros. Mas, mais do que isso, alerta para o perigo que esta pode representar durante o trabalho, sobretudo tendo arma em punho. Já a sociedade civil, através do Centro para a Democracia e Direitos Humanos, culpa o Estado por não ter sido capaz de proteger esta agente e muitas outras mulheres que sofreram violência de vários tipos durante as manifestações
Elísio Nuvunga
Era manhã do dia 24 de Dezembro quando um grupo de manifestantes irrompeu pelos becos e em pouco tempo tomou de assalto a 3ª Esquadra localizada no populoso Bairro de Namicopo, na cidade de Nampula. Para além de vandalizar tudo e abrir as celas para libertar detentos, os manifestantes incendiaram aquela esquadra.
Mas antes de reduzir às cinzas aquele posto policial, arranjaram tempo para saciar o seu apetite sexual. A vítima foi uma agente da polícia de protecção que não teve tempo para escapar com os demais colegas que saíram em debandada logo que se aperceberam de que os manifestantes estavam em superioridade numérica.
Foram 15 homens de várias idades que durante cerca de duas horas trocaram-se entre si, esfregando os seus suores e odores sobre o corpo da jovem agente que não teve opção alguma, senão aguentar firme e rezar para que no fim ainda tivesse pelo menos vida.
Passa hoje cerca de um mês desde o incidente, mas a agente estuprada colectivamente ainda não se recuperou do trauma físico e psicológico. Encontra-se actualmente internada em uma clínica recebendo cuidados médicos e psicológicos. A gravidade das lesões físico-emocionais ainda não foi revelada oficialmente, mas fontes próximas garantem que está com melhorias positivas.
“Até hoje ela não trabalha, mas está a recuperar. Foi violada por 15 homens e ficou traumatizada. Pessoas daquele bairro (Namicopo) são muitos boçais, todos”, disse revoltada a amiga da agente para depois acrescentar que “uma outra agente da polícia escapou do mesmo destino quando invadiram o posto policial. Para escapar daquelas pessoas (manifestantes) teve que tirar suas roupas e pôr-se em fuga seminua. O pior não aconteceu porque ela teve sorte. Quando saiu a correr entrou em uma casa onde foi protegida. Teve muita sorte porque lá (em Namicopo) a população iria humilhá-la”.
A amiga da agente revelou ainda que comportamento de género é muito comum naquele bairro, principalmente para quem é polícia ou para quem não é de lá.
“Todos de Namicopo se conhecem. Lá não vai qualquer pessoa. Até polícia sabe que pessoas de Namicopo não prestam. Mesmo quando estavam a manifestar, destruíram todas coisas. Destruíram lojas, escolas, hospitais, esquadras de que eles próprios já estão a precisar”.
“É perigoso dar uma arma a uma pessoa como está”
O psicoterapeuta e psicanalista, Bóia Júnior, defende que a corporação deve ter mais atenção com a vítima e tudo fazer para garantir a saúde mental, porque o trauma que passou pode ter criado distúrbios severos, que podem levá-la a usar o seu instrumento de trabalho, a arma, como um meio de vingança.
“É perigoso dar uma arma a uma pessoa como esta porque não sabemos qual é o nível de traumatização e isto é altamente traumático. Há pessoas que podem pegar na arma e querer se vingar das pessoas”, explicou Bóia Júnior,
Fora o quotidiano laboral, o agente vai ter séries de dificuldades primeiro consigo mesma e com os demais, sobretudo com os parceiros, isto porque está inserida em meio de medos e receios e precisará de mais tempo para reconquistar a sua autoconfiança com os demais.
“Vai ter dificuldades em ter uma vida sexual normal e ter boa relação com o parceiro que ela escolhe, até, inclusive, não querer ter mais relações sexuais, porque é provável que o homem a toque e ela se assuste”, referiu.
“O estado tem sido o principal violador destes direitos”
A coordenadora do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), em Nampula, Palmira Revula considera que a violação da referida agente da polícia e demais mulheres que durante os três meses sofreram vários tipos de sevícias resulta da falha do Estado em garantir a sua protecção.
“Olhamos para estes casos com muita preocupação porque estamos aqui perante um estado democrático e estas mulheres têm saído às ruas para trabalhar ou fazer o uso dos seus direitos, direitos esses que tinham que ser garantidos, assegurados e protegidos pelo Estado, no entanto o Estado tem sido o principal violador destes direitos o que mais uma vez nos leva a crer que estamos perante uma afronta directa dos direitos humanos”, explicou Palmira Revula.
Ela afirma, de forma categórica, que várias acções perpetradas pelos manifestantes têm uma mão do Governo ou agentes a si próximos, considerando que, muitas das vezes, foram reportado alguns infiltrados para inviabilizar as manifestações.
“No final do dia, a nossa crença é a que estes manifestantes não estão a agir de forma isolada, o que significa que estão por detrás algumas entidades que são responsáveis por coagir, agitar e dar ordens superiores a civis para perpetrar actos macabros contra os manifestantes e contra as mulheres”, rematou.

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