Alexandre Chiure
O país está a caminhar para a ingovernabilidade. Estou assustado com isso, mas há quem encara isso com normalidade. Há, entre nós, muitas coisas estranhas. A desordem à solta. Polícia sem autoridade. Promove-se, no nosso quotidiano, a desobediência civil.
Populares libertam criminosos das celas. Destroem bens públicos como hospitais, escolas, esquadras, ambulâncias, autocarros e lojas. O anormal tornou-se normal. O criminoso é protegido em detrimento do povo moçambicano. O bandido é exaltado e o cidadão, morto.
O governo está a braços com a falta de legitimidade. Há reclamações sobre o custo de vida. O assunto não consta do plano dos 100 dias de governação, mas a população o destaca como sua prioridade. O presidente do dia toma medidas para aliviar o sofrimento dos cidadãos que se assemelham aos do decreto do VM7.
As vozes, nas ruas, não querem calar. Quase todos os automobilistas não querem pagar a portagem alegando que o preço não é justo e porque Venâncio Mondlane, considerado presidente do povo, disse para não se pagar.
O governo está a negociar uma taxa acessível para as portagens. Quer, também, deixar cair o IVA nos produtos da primeira necessidade, uma das exigências do VM7.
Os combustíveis podem baixar o preço. Acredita-se que há taxas a mais na formação do preço. Pretende-se aliviar o custo de vida através de medidas administrativas.
A instabilidade política semeia a incerteza. Os investidores estão receosos. Alguns já abandonaram o país. Outros adiaram a decisão de investimento à espera de melhores oportunidades. Outros ainda estão à procura de melhores oportunidades noutros país. Levará tempo para os homens de negócio recuperarem a confiança no país.
O regresso da TotalEnergie em Afungi, Cabo Delgado, está cada vez mais distante. A crise política pós-eleitoral tem o seu peso na decisão dos franceses, que têm a investir mais de 20 mil milhões de dólares americanos. Ninguém investe num país instável.
O diálogo político está em curso. Vem desde os tempos do Presidente Filipe Nyusi, com a Frelimo, o Podemos, a Renamo, o MDM e a Nova Democracia, mas sem a sociedade civil, enquanto os assuntos interessam a todos nós.
Na prática, os partidos políticos com assento na plataforma de diálogo estão a discutir o futuro: O aparelho de Estado que deve ser objecto de reformas profundas; os órgãos eleitorais que devem ser despartidarizados, incluindo o Conselho Constitucional; a Constituição da República e o pacote eleitoral que devem ser revistos.
O presente, caracterizado por violência, saque e destruição, que preocupa aos moçambicanos e à comunidade internacional, infelizmente não está em discussão.
A situação está a degradar-se a cada dia que passa e o país, a cair aos pedaços. Todos somos testemunhas disso. O Presidente da República diz-se disponível para o diálogo com todas as forças políticas e evita mencionar o nome de Venâncio Mondlane, a cara das manifestações.
VM7 que regressou, há dias, da parte incerta, mas é como se continuasse lá. Não é contactado para nada. Parece que a estratégia é de o isolar. Para ganhar o quê com isso, só Deus é que sabe. Mas o país, esse, está a cair aos pedaços.
Além de Presidente da República, Daniel Chapo é já presidente da Frelimo, que se confunde com o Estado. Se é o que faltava para tomar as rédeas como deve ser e fazer acontecer coisas como convidar o VM7 ao diálogo, para o desagrado de algumas vozes internas do seu partido que defendem que não há nada para negociar, as condições estão todas criadas para o efeito. Tem carta branca nas mãos. Avance.
É que Chapo tem poderes mais do que suficientes para decidir: Fazer as coisas do seu jeito sem ter que ser autorizado por ninguém, mesmo para liderar o processo de mudanças que o povo quer. Mudanças dentro do partido. Mudanças no país. Mudanças no comportamento da polícia para com o cidadão. Mudanças na vida dos moçambicanos.
Venâncio Mondlane não desarma. Faz passeatas pelo país e incomoda os seus adversários políticos com o mar de gente que arrasta. Tem o povo nas mãos que o trata como se fosse um deus. A obediência a ele é total e completa. É um polo de poder no país. O outro é Chapo.
A intolerância política é cada vez pior. Usar camiseta da Frelimo ou do Podemos representa, hoje em dia, um risco de vida. Isso acontece até em Gaza, província antes tida como bastião do partido no poder, e hoje o epicentro das manifestações. O Podemos perdeu a sua base de apoio com o fim do casamento entre este partido e o VM7.
Alguns defendem que estamos perante uma revolução. Eu prefiro acreditar que há mudanças profundas na forma de ser e estar do país, mergulhado numa crise política pós-eleitoral. Moçambique já não é o mesmo. A população, quando entende, manda e desmanda nas ruas. Expulsa ou humilha a polícia. Manda baixar os preços e fechar lojas e diz que é ela que está no poder. O governo remete-se ao silêncio como num passado recente.

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