Afonso Almeida Brandão
Mais uma eleição que chega e aparecem os “tudólogos” que acham que sabem tudo sobre tudo, mas depois deixam quem sabe à beira de um momento de vergonha alheia. Como Jornalista e como Analista Político, nesta Eleição tenho visto muitos erros de análise, alguns deles básicos, mas se as pessoas também o são…
Macron, que sonha em ser o Napoleão Bonaparte do século XXI, apresenta-se às eleições com uma fraca agenda de campanha, encontros cirúrgicos, entrevistas escolhidas a dedo, porque tem de assumir outro papel: líder europeu, com esperança de que se vencesse Putin, venceria as eleições. Vencer Churchill também, já agora…?
Chegamos a estas eleições com candidatos polarizados e, fruto disso, Macron e Le Pen aparecem como opções “óbvias” ou de escolha mais fácil. Se queremos lucidez escolhemos Macron, se queremos uma viragem radical (mais moderada do que há cinco anos) então a escolha é Le Pen. Quando as eleições são polarizadas, as caras familiares ou as que nos parecem mais confiáveis são as escolhas maioritárias. Dá-se aqui um paradoxo, em que Macron e Le Pen parecem ser mais moderados, ao passo que os restantes mais extremados. A chave para perceber as eleições presidenciais em França está na Revolução Francesa, que está presente no dia-a-dia francês e se torna metáfora para os dias de hoje.
Perguntavam-me alguns colegas por que razão a Esquerda francesa não tem poder ou muito impacto. Não tem nas Presidenciais, mas tem na Sociedade, ou nas regiões, onde o PSF elegeu e ganhou regiões; os sindicatos em França são altamente organizados e participam activamente na vida das empresas, com soluções e não como forças de bloqueio ou braços armados dos partidos.
Existe outro sentido de responsabilidade, que os nossos sindicatos e Governantes não têm, infelizmente. A Esquerda não é de boa memória para os franceses, que estudam a sua História e Passado. Se nós estudássemos o 25 de Abril e o 25 de Novembro a sério, possivelmente o PCP e o BE não teriam votos, isto falando de Portugal. Os franceses não esquecem a Frente Popular e a sua ingovernabilidade, ou os excessos do Maio de 68 e a agenda marxista.
Mas há outra coisa que é importante perceber nos franceses: eles votam nas pessoas, não pelos Partidos como acontece entre nós (em Moçambique), e assim se percebe o porquê das refundações dos Partidos de Centro-Direita, que são gaulistas; e o próprio PSF não recusou muitas vezes o gaullismo.
Assim, feita esta súmula, é muito fácil dizermos que a Esquerda está morta em França quando o PSF com Anne Hidalgo tem 2 a 3% das intenções de voto. Mas esquecemos que Jean-Luc Mélenchon, de 70 anos, está em 3º lugar nas intenções de voto, com 15% a 17%, liderando desde 2017 a França Insubmissa, partido eco-Socialista de Extrema-Esquerda. É um candidato que, apesar da idade, é muito virado para o público jovem, parece viver o Maio 68 em ‘loop’. Quer fundar uma VI República com mais poder ao Parlamento do que ao Presidente, reforma aos 60 anos (actualmente 62 anos para os nascidos a partir de 1955, 65-67 anos os restantes), voto aos 16 anos e obrigatório, aumento do salário mínimo para 1.400€ (actualmente 1.269€), nacionalizar empresas estratégicas, fixar preços de bens de primeira necessidade, gás e electricidade, legalizar “a canábis” e a “eutanásia”, e a “regra verde” a inscrever na Constituição, onde não se poderá retirar à Natureza mais do que ela pode devolver, bem como abandonar a Energia Nuclear.
Este candidato mobiliza maioritariamente a esquerda, pois Anne Hidalgo, Presidente da Câmara de Paris, candidata do PSF, comprou muitos anticorpos. Fez um bom trabalho em Paris, mas a capital não é o país. A Esquerda toda vale 29,5% das intenções de votos.
Nestas eleições surgiu uma personagem sombria: Éric Zemmour. Este candidato consegue fazer Marine Le Pen parecer “uma menina do coro”. As suas principais bandeiras são: a baixa de impostos, para que os salários líquidos subam; política de zero emigração e deportação dos emigrantes que estejam 6 meses sem trabalho, ou por chegada clandestina; fim do direito ao solo, que permite que filhos nascidos em França dêem a nacionalidade francesa aos pais; saída do comando integrado da NATO; instaurar o serviço militar voluntário; recusar os alargamentos da UE; impedir a construção de eólicas, por aposta em 14 reactores nucleares até 2050; e a idade da reforma para os 64 anos. Naturalmente que são intenções impensáveis para a generalidade dos franceses…
Zemmour chegou a ameaçar concorrer à segunda volta contra Macron com 20% na primeira volta, viu nomes pesados ex-apoiantes de Le Pen abraçarem a sua causa, entre eles a sobrinha Marion Le Pen. Mas discursos sem fundamento, ou apenas cegueira populista, ou a recente admiração e apoio a Putin, fazem-no cair para 9,5% das intenções de voto. Ainda assim é uma bolsa importante de votos com que Marine Le Pen vai querer contar para a sua segunda volta contra Macron.
Valérie Pécresse é a candidata do Centro-Direita, Les Républicains, partido fundado por Nicolas Sarkozy, que vinha da UMP de Chirac. Apesar de ser mulher com muita experiência na política, ex-ministra e ex-comissária europeia, declarou 9,7 milhões de euros em património, sendo que metade deste valor pertence também ao marido, extremamente rico como ela. Uma vez mais Revolução Francesa: não se gosta de ostentação. Macron, em comparação, na sua declaração tem apenas 500 mil euros de património, Mélenchon tem 2 milhões de euros. Valérie Pécresse não consegue criar empatia, não consegue convencer/tocar o francês médio.
Marine Le Pen, tal como Mélenchon, candidata-se pela 3ª vez ao cargo. Tem ideias muito semelhantes às de Zemmour, mas veio a polir o seu discurso e ideias, já não se apresenta anti-UE, diz que a UE tem é que ser uma Europa das Nações e não ser Bruxelas a impor as políticas nacionais. Se Zemmour expulsa os emigrantes ao fim de 6 meses, Le Pen é ao fim de um ano. Pretende que o francês tenha prioridade a uma vaga de trabalho ou de habitação face a um estrangeiro, tal como faz agressivamente Marrocos.
Aumentar em 30% o orçamento militar até 2027 e sair do comando integrado da NATO, baixar o IVA dos combustíveis de 20 para 5,5%, empréstimos de 10 anos aos casais com menos de 30 anos a 0% juro (se o casal tiver um terceiro filho a dívida fica saldada), uso de uniforme nas Escolas Primárias, guerra às eólicas e aposta na Energia Nuclear.
Por último, Macron. Parte com vantagem, mas é o momento de prestar contas aos franceses. Houve expectativas, algumas conseguidas, outras não, muito devido à pandemia, que ocupou basicamente meio mandato. Macron, como liberal que é, pretende baixar os impostos, colocar a reforma aos 65 anos, criar um banco de horas laboral, onde se pode trabalhar mais numa época e menos noutra, retirar os 138€ de imposto anual à televisão pública, reforma mínima de 1.100€, aumentar salários dos professores, reforço dos profissionais de saúde, reforçar o controlo de fronteiras e apostar na energia nuclear.
Existe um alarme, quase em modo de pânico, face ao facto de Marine Le Pen ter-se aproximado de Macron, mas não vejo que consiga ser eleita. As duas voltas são garantidas. Numa segunda volta, é expectável que o centro-direita vá para Macron e a esquerda responsável também; o resto irá para Le Pen. Por mais que Le Pen tenha moderado o seu discurso, não creio que os franceses esqueçam quem ela é, e o que fez. E foi o que verificamos com os resultados desta 1º Volta.
Para muitos, Macron é liberal apesar de ter saído do ALDE e fundado o seu grupo europeu; mas para muitos é o centrão. E enquanto as pessoas não perceberem que os centros existem vão falhar análises atrás de análises. Macron tem dois hemisférios: no esquerdo está a componente social e ambiental; no direito, o pragmatismo económico.
É assim que suga a concorrência. Macron tem igualmente a vida facilitada, pois à Esquerda estão os mesmos de sempre, na Extrema-Direita estão também os mesmos de sempre. E entre o Centro-Esquerda (PSF) e o Centro-Direita (Les Républicains) reina a falta de comando, a falta de liderança e de capacidade de levantar a voz e trazer novas formas de fazer e comunicar a política.
Macron ganhou à segunda volta às eleições Presidências em França. Foi eleito para segundo Manfaro. Há 15 anos que não acontecia, na França, um presidente da república ser eleito duas vezes. Espero que estejamos todos cá em 2027.
Espero que estejamos todos cá em 2027.
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