O novo número da Revista Científica da UDM, entre análise política, direitos humanos e difusão do saber

OPINIÃO

Luca Bussotti

Para um investigador provoca sempre muito orgulho publicar um texto, seja ele artigo ou livro. Entretanto, por vezes resulta até mais satisfatório fazer parte da equipa editorial que ajuda os outros a publicar. É quanto está a acontecer com os membros da redação da Revista Científica da UDM, ou seja, a Professora Vânia Pedro, o Professor Alberto Mulenga e eu próprio, além do Reitor, Professor Severino Ngoenha, e do técnico informático, dr. Haider. Nosso trabalho em conjunto é finalizado à publicação de textos, em várias áreas do saber, de colegas que têm algo a dizer sobre a realidade moçambicana e não só, mas que têm pouco acesso a revistas científicas, ainda bastante escassas em Moçambique. Assim, o número 5/2023 da revista anual da UDM acaba de sair, e pode ser lido através deste link: https://revistacientifica.udm.ac.mz/index.php?option=com_docman&view=list&layout=table&slug=edicao-14-no-2-2020&own=0&Itemid=288.

Trata-se provavelmente do número mais interessante dos cinco que já foram publicados. Interessante porque diversificado: com efeito, juntamente com os artigos, a partir deste número decidimos introduzir uma rubrica que irá se repetir em todos os dossier seguintes: a da resenha dos mais significativos livros (ensaios) saídos ao longo de 2023. Neste caso, o Prof. Severino Ngoenha e eu selecionamos e comentámos brevemente algumas obras que foram publicadas em Moçambique por parte de editoras locais relativamente novas, mas muito comprometidas com a difusão do saber: desde a Ethale, de que apresentámos Filosofemas africanos de Luís Kandjimbo, importante filósofo e escritor angolano, a re-publicação do Retorno do bom selvagem de Severino Ngoenha, a obra de Elísio Macamo, Análise social para leigos, até a Alcance, com Para uma sociologia da arte em Moçambique de Filimone Meigos, por terminar com a Kulera, que tem publicado a obra do jornalista Felisberto Firmino sobre Moçambique. Dívidas ocultas na voz dos protagonistas e com a Fundza, com o livro do filósofo José Castiano, O inter-Munthu e a republicação do Manifesto por uma terceira via, de Nogenha e Castiano. Mas nesta resenha poderão encontrar livros de outros autores moçambicanos publicados fora do país, tais como O poder das mentiras digitais de Celestino Joanguete, professor na Escola de Comunicação e Artes da UEM ou Renascimento africano do filósofo Ergimino Pedro Mucale. E mais livros sobre assuntos tais como a SADC, os serviços de inteligência em África, o fascismo e o racismo crescentes no Brasil, as literaturas em português, por terminar com um livro organizado por Nuno Vidal e Justino Pinto de Andrade, sobre o iliberalismo em Angola e Moçambique.

Trata-se de apresentações muito curtas, objectivas, diferentes das duas resenhas críticas apresentadas por dois jovens colegas: o professor angolano da Universidade de Luanda, José Katito, que reflecte sobre um livro de Jon Schubert, relativo à política etnográfica em Angola, e o moçambicano Itélio Muchisse, sobre a independência do poder judiciário em Moçambique, que faz a resenha do livro da autoria do Prof. Ucama sobre o assunto em epigrafe.

A viagem na difusão do saber continua com os vários artigos (6 no total) deste número da revista, três dos quais de cunho político. O primeiro é da autoria de Emídio Constantino Guambe, intitulado O Risco Político do Lawfare na Ordem Jurídica Moçambicana. Um texto muito profundo, que procura perceber como é que a ordem jurídica nacional resulta por vezes influenciada, nas suas decisões, por parte do poder político, provocando a perda daquela independência necessária para garantir uma democracia plena e o estado de direito. O segundo tem a ver com um fenómeno muito recente, o movimento social “Trufafá-Trufafá”, analisado por Gonçalves Cumbana. E finalmente um texto que aborda uma dimensão mais local do político, da autoria de Rogério Augusto Mole, sobre a sustentabilidade financeira da gestão dos resíduos sólidos no Município de Maputo.

O link entre parte política e artigos que vertem mais sobre os direitos humanos é representada pelo artigo de Adérito Alfeu sobre Democracia ambiental e gestão do meio ambiente em Moçambique, que adopta uma perspectiva filosófica, embasada na ética da responsabilidade de Hans Jonas. Direitos humanos que são aprofundados por Apolónia Seifana, no seu estudo sobre Segurança alimentar e direito à alimentação adequada aos reclusos, graças a uma pesquisa de terreno realizada no estabelecimento penitenciário provincial de Maputo. O número termina com o artigo de Vidal Come sobre direitos económicos das mulheres, com uma pesquisa de terreno realizada na cidade de Inhambane junto a um grupo de vendedoras do mercado local. O resultado foi de que o acrescido poderio económico delas permitiu-lhes de ganhar espaço, dignidade e direitos efectivos dentro e fora da família, tornando-as cidadãs mais completas e maduras.

Uma última notação tem a ver com a identidade (e a qualidade) dos que participaram a este número da revista: trata-se, na maioria dos casos, de jovens, alguns com mestrado feito ou em via de conclusão, outros doutorandos finalistas, mas no geral com pouca experiência na escrita científica. Graças também ao precioso trabalho dos revisores externos, estes textos melhoraram a sua qualidade, até chegar a um nível de qualidade digno de publicação. É este, provavelmente, o maior resultado da revista da UDM: dar a possibilidade a estes novos pesquisadores (e pesquisadoras, embora sempre em número demasiado reduzido) de se fazer conhecer aos leitores, de serem lidos e criticados, na óptica de uma cada vez mais apurada e rigorosa produção de saber que abra o espaço do debate público. Um saber que, esperemos, não deverá ficar confinado nos limites da academia, mas que poderá servir de auxílio para todos os que irão querer compreender melhor as dinâmicas internas a Moçambique, assim como externas, inerentes ao resto do mundo de que Moçambique também faz parte.

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