Moçambique de ontem, Moçambique de hoje

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Quando Moçambique alcançou a independência, eu era criança. Apesar da minha inocência, percebia algumas coisas que aconteciam na sociedade ou que se dizia por ai. Por exemplo, nessa época, sabia que o algodão, a madeira, o camarão, a castanha de caju e outros, eram produtos estratégicos de exportação.

Acompanhei que um tal de Gulamo Nabi foi preso, julgado e condenado à morte por contrabandear alguns quilos de camarão. Eu não sabia o que era isso de camarão porque nunca tinha parado em cima da minha mesa, mas dava para imaginar que se tratava de algo precioso para o país.

Houve um apelo internacional ao governo do dia para que o sujeito não fosse executado. Alguns países usaram corredores diplomáticos. Outros exploraram o lado de amizade que tinham com o nosso país, mas todo esse esforço não resultou em nada, pois a sentença, essa, foi executava.

Com a sua coerência e verticalidade no que decidia, o executivo do Presidente Samora Machel queria passar, entre os moçambicanos e no mundo inteiro, uma forte mensagem de que com os recursos do país não se deve brincar.

Dava para perceber que havia um controlo rigoroso por parte das autoridades governamentais sobre as nossas riquezas para permitir que a exploração fosse feita em benefício de todos os moçambicanos, mesmo com poucos quadros, recursos e sem tecnologia como drones para efeitos de fiscalização e outros.

Hoje, as coisas mudaram muito. Há um relaxamento de meter medo no que diz respeito à protecção e exploração sustentável dos recursos. Até porque os produtos ontem considerados estratégicos de exportação, continuam a constituir a principal fonte de receitas em divisas para Moçambique.

A diferença é que o país parece ter ficado maior em comparação com o passado ao ponto de as autoridades não conseguirem hoje exercer o mesmo controlo sobre as riquezas que era feito no passado.

O ponto é que Moçambique é o mesmo de sempre com mais de 800 mil metros quadrados de superfície e 2.700 quilómetros de costa. Com mais população do que antes, sim, mas isso não muda nada.

Há casos bem conhecidos de estrangeiros, em particular congoleses, nigerianos e Cia que exploram ilegalmente o nosso ouro e pedras preciosas na zona norte.

São virais, dentro e fora do território nacional, notícias de corte e exportação de milhares de metros cúbicos de madeira com o envolvimento de alguns chineses, em colaboração com fiscais florestais e agentes de Autoridade Tributária desonestos, preocupados mais em encher os seus bolsos do que propriamente defender os interesses da maioria dos moçambicanos.

O caso que chocou o país foi a exportação ilegal de 76 contentores de madeira preciosa para a República Popular da China, a partir do Porto de Pemba, à revelia de uma decisão judicial.

Neste caso concreto, a Procuradoria da República a nível de Cabo Delgado foi feliz. Conseguiu resgatar 66 contentores. Mas há tantos outros casos que passam ao lado de qualquer tipo de controlo ou fiscalização por parte das autoridades.

A prova disso é que Moçambique perde anualmente, com o contrabando de madeira, 150 milhões de dólares, cerca de 140,7 milhões de euros, naquilo que o próprio governo considera de “roubo à luz do dia”.

Tudo fica transparente quando a quantidade da madeira declarada às autoridades moçambicanas é inferior a que é vendida no mercado internacional. As discrepâncias são muito grandes. Tudo isto acontece à luz do dia e quase nada sucede. Pouco se faz quanto à responsabilização dos implicados na dilapidação dos nossos recursos.

Se há quem é culpado nisto tudo, não são os chineses que roubam a madeira ou qualquer outra pessoa envolvida no negócio ilícito. Os contrabandistas sempre existiram e só actuam quando encontram espaço para o efeito.

Significa que os verdadeiros culpados somos nós próprios, como país, que, de um dia para o outro, perdemos a capacidade, a agressividade e o rigor no controlo do que nos pertence e na responsabilização dos infractores. Permitimos, por isso, que nos tirem os nossos recursos.

O relaxamento que se verifica na fiscalização, com a corrupção à mistura, torna o terreno fértil para o desenvolvimento do contrabando da madeira e de outros recursos naturais em Moçambique.

Enquanto nós adormecemos, há quem tira proveito disso para enriquecer-se, devastando o país. Quando despertarmos será tarde demais. Continuaremos pobres, num país cheio de riquezas, e Moçambique estará, nessa altura, nas mãos de estrangeiros, vendido aos pedaços por gananciosos e corruptos, preocupados com o seu bolso em detrimento dos interesses nacionais.

Não quero, aqui, pedir pena de morte para ninguém porque nem sequer existe no nosso ordenamento jurídico. Quero, isso sim, exigir, como moçambicano, que no mínimo, haja responsabilização dos que roubam os nossos recursos.

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