Transportadores institucionalizam encurtamento de rotas sob o olhar impávido das autoridades

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Utentes chegam a pagar 35 meticais por uma viagem que devia custar 18 meticais
  • Polícia Municipal e fiscalizadores já não se fazem às terminais por medo
  • Transportadores cumprem ordens de VM e não aceitam pagar taxas
  • Edilidade da Matola reconhece que “chapeiros” estão a castigar o povo e promete medidas

Longas filas de passageiros nas paragens, transportes parqueados e transportadores com os respectivos cobradores a proibirem os seus pares de trabalhar. É o cenário que se viveu quase todo o dia no município da Matola, quando motoristas de transporte público semicolectivo e colectivo e os seus auxiliares decidiram paralisar as actividades em protesto contra a retoma da fiscalização por parte da Polícia Municipal. Habituados à anarquia que se instalou desde o arranque das manifestações a esta parte, os transportadores institucionalizaram o encurtamento de rotas, obrigando os passageiros a terem que fazerem ligações para chegarem ao destino, tudo sob o olhar impávido e impotente das autoridades. A título de exemplo, de T3 para a Baixa da cidade, uma viagem que normalmente devia ser 18 meticais, o passageiro é agora obrigado a pagar 35 meticais ou mais. O Conselho Municipal da Matola, através do vereador dos transportes, reconheceu o clima de tensão e referiu que os transportes não aceitam pagar taxas. Para repor a ordem, a edilidade liderada por Júlio Parruque diz que tem feito palestras com as cooperativas dos transportes, garantido, ainda, que depois de Março as cobranças das taxas serão coercivas

Duarte Sitoe

A onda das manifestações em algum momento tinha como principal objectivo melhorar a vida dos moçambicanos. No entanto, há sectores que em vez de melhorar tendem a piorar. O sector dos transportes faz parte dos que continuam a tirar o sono dos moçambicanos.

A título de exemplo, no Município da Matola, província de Maputo, os transportadores aproveitaram a instabilidade que se instalou no país para formalizar o encurtamento de rotas e institucionalizar as famosas ligações.

O comportamento dos transportadores afecta, sobremaneira, os utentes que, sem nenhuma alternativa, são obrigados a pagar duas vezes mais a tarifa que foi aprovada pelo Governo e pela Federação Moçambicana dos Transportadores (FEMATRO).

Hermenegilda Macamo, residente do bairro Ndlavela, gastava mensalmente perto de 1500 meticais para custear sa despesas de transporte para se fazer o seu posto do trabalho, mas nos dias que correm gasta o dobro do valor, uma vez que os transportadores encurtam as rotas ao seu belo prazer.

“As manifestações visavam melhorar as nossas vidas, mas não foi o que aconteceu. Estamos a sofrer. Antes, quem conseguia madrugar apanhava o transporte sem sobressaltos. Agora tudo mudou. Independentemente da hora, agora uma viagem para Baixa ou Museu custa 35 meticais. Até Outubro do ano passado gastava mensalmente 1500 meticais, mas agora gasto o dobro desse valor. Assim, as contas não batem para fazer rancho e ainda pagar escola dos meus filhos”, declarou Hermenegilda Macamo, para depois contar que nos dias de chuva o cenário piora.

“Quando chove, os chapeiros mudam a tarifa. No lugar dos 35 meticais cobram 50 meticais. Não temos onde reclamar e, por isso, aceitamos este tipo de situações porque dependemos do transporte público de passageiro para nos fazermos aos nossos postos de trabalho. Pedimos a quem é de Direito para colocar ordem no sector dos transportes ao nível do município da Matola porque estamos a sofrer”, desabafou.

Polícias e fiscalizadores já não se fazem às terminais e o povo já clama por eles

Por seu turno, Raul Muianga lamentou a anarquia que se instalou no sector dos transportes ao nível do município da Matola e aponta o dedo às cooperativas dos transportes e a edilidade pelo deixa-andar que actualmente caracteriza o sector.

“O grosso dos carros que operam na Matola são de pessoas que fazem parte da cooperativa dos transportes. Eles têm conhecimento do que está a acontecer, mas preferem ver o povo a sofrer para encher o seu próprio bolso. O Município também não fica atrás porque está a deixar os chapeiros a marginalzarem o povo todos os dias. É vergonhoso o que está a acontecer. Desde Outubro que dançamos a música dos transportadores”.

Antes das eleições, realizadas em Outubro do ano passado, nas primeiras horas do dia era comum ver agentes da polícia municipal e fiscalizadores das cooperativas dos transportes em algumas terminais. No entanto, actualmente, estas duas figuras que conseguiam colocar os chapeiros “em sentido” sumiram dos radares, muito por conta da insegurança que se tornou para qualquer autoridade circular e trabalhar num contexto em que a Lei foi substituída pelo poder das ruas.

Aida Fabião não tem dúvidas de que se os agentes da Polícia Municipal e fiscais indicados pelas cooperativas estivessem a trabalhar a situação seria diferente. No entanto, reconhece que os polícias já não se fazem à rua para não serem “welados”, uma expressão emprestada do linguajar informal das ruas que traduzido para o português significar “cair sobre eles”.

“O sector dos transportes sempre foi problemático na Matola. No passado, até às 9 horas os transportadores eram obrigados a carregar pessoas que estavam na fila o que, de certa forma, evitava o encurtamento de rotas. No entanto, actualmente o povo está entregue à sua própria sorte. Os policiais já não aparecem porque têm medo da população por culpa do aconteceu durante as manifestações. Estamos a sofrer, não se justifica pagar 35 meticais por uma distância que em norma cobram 15 meticais. Os transportadores só se procupam em acumular lucros”, declarou.

No acto do licenciamento, os transportadores foram obrigados a colocar faixas das respectivas rotas. Contudo, no presente, o grosso deles retirou letreiros ou tapou com uma fita adesiva com o objectivo de operar em qualquer rota.

“Chapeiros” é que ditam as regras

Esta situação, segundo alguns utentes, deriva da falta de fiscalização por parte das autoridades municipais.

“Os letreiros visam facilitar a vida do passageiro, assim como do próprio passageiro. Agora a maioria dos carros não tem indicação da rota na qual operam. É normal hoje um carro operar na rota Patrice – Museu e amanhã Matola – Baixa. O mais alarmante é que o município tem conhecimento disso, uma vez que denunciei este comportamento dos transportadores ao município, mas até aqui nada fez para repor a ordem neste sector-chave para o desenvolvimento do País. No passado, os transportadores que encurtaram rotas eram castigados, mas hoje eles é que ditam as leis porque as autoridades querem se vingar do povo por conta daquilo que fez desde a publicação dos resultados eleitorais”, declarou Simões Machava.

Para repor a ordem no sector dos transportes, Machava defende que o povo deve organizar uma manifestação contra os transportadores, uma vez que estes não estão alinhados com os ideais de Venâncio Mondlane, ex-candidato presidencial que liderou, através das redes sociais, os protestos contra os resultados eleitorais.

“Dizem que todos os manifestantes são filhos de Venâncio Mondlane, mas parece que os transportadores não são, uma vez que estão a castigar os próprios irmãos. O grande problema é que não há união no seio dos utentes que dependem do transporte público de passageiros. Os chapeiros dependem da população para trabalhar e, se um dia todos ficarem em casa, não terão como trabalhar. Foi assim no tempo do ficar em casa, eles não trabalhavam. Podemos organizar protestos contra os transportadores. Temos que ameaçar vandalizar os carros daqueles que encurtam rotas, acredito que com esta ameacado todos iam abandonar o modus operandis do presente.”

Boleia paga como alternativa ao encurtamento de rotas

Moises Cossa, motorista da rota T-3 Xipamanine, reconheceu que os transportadores têm agido à margem da lei, porém explicou que é a unica forma que eles encontraram para rentabilizar a actividade, uma vez que têm recorrentes problemas com o patronato por não conseguirem angariar o valor estipulado para a receita diária.

“Os nossos patrões já vieram ao público referir que este negócio não é lucrativo e que estão a acumular prejuízos. Como transportadores privados, temos uma meta diária e quando não conseguimos, corremos o risco de perder o emprego. Quando cobramos ligações conseguimos o valor que é pedido pelo nosso patrão. Não é fácil trabalhar na cidade de Maputo porque sempre há congestionamento. Infelizmente, estamos a sacrificar os nossos próprios irmãos porque queremos colocar o pão na mesa.  As manifestações, em algum momento, nos ajudaram porque agora não somos extorquidos pela polícia municipal e pela polícia de trânsito”, referiu.

Um outro motorista, que preferiu se identificar pelo nome de Freddy, aponta o dedo ao Governo pela anarquia que se instalou no sector dos transportes. Na opinião deste transportador, a actual tarifa está desajustada, daí que os operadores encurtam rotas para ter lucros no final do dia.

No presente, na cidade de Maputo e Matola, para além dos transportes públicos e semi-colectivos, há um sistema de transporte que está a ganhar terreno. Trata-se das boleias pagas promovidas por automóveis ligeiros.

As boleias pagas têm sido a bóia de salvação para as pessoas que nao conseguem os valores exigidos pelos transportadores semi-colectivos.

“Não sei o que seria de nós se não fossem esses transportadores. Enquanto os chapeiros cobram entre 35 e 50 da Matola para Baixa ou Museu, estes cobram entre 20 e 25 meticais. Agora, os pontos onde operam as boleias pagas ficam mais cheios em relação às paragens. Eu já não vou à terminal de T-3, fico aqui nos TPM porque passam carros que vão à Baixa, Museu e Praça da OMM”, descreveu

 

Município da Matola reconhece anarquia no sector dos transportes

Enquanto a Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários (FEMATRO) eximiu-se de comentar sobre o comportamento dos seus associados desde a eclosão da onda de manifestações, o Município de Matola reconheceu que, actualmente, os “chapeiros” é que estão a ditar as regras de jogo.

O vereador dos Transportes na edilidade presidida por Júlio Parruque, Firmino Guambe, referiu que não é só no Município da Matola que os transportadores decidiram ignorar a legislação vigente.

“O município está a ver o que está a acontecer. Uma das armas que usamos para eliminar este tipo de comportamento, que é abominável para os nossos munícipes, é a linha verde para que o munícipe tenha oportunidade de denunciar qualquer irregularidade que esteja a acontecer num dos serviços. Em setembro do ano passado, lançámos um projecto para a colagem de faixas de identificação que traz consigo a linha verde, mas ainda há resistência por parte dos transportadores para aderir a esta iniciativa. O cenário que está a acontecer agora na Matola é o mesmo a nível nacional”, reconheceu.

Guambe, que ilibou os proprietários das viaturas e acusou os motoristas de comportamento desviante, deu a mão à palmatória relativamente à ausência da polícia municipal nas estradas. No entanto, alertou que não é apenas a polícia municipal que não se faz à rua por medo de ser apedrejada pelo povo, tendo dado exemplo de algumas sub-unidades da Polícia da República de Moçambique.

Guambe revelou que o grosso dos transportadores, apoiando-se nas medidas anunciadas por Venâncio Mondlane, ainda não renovou as licenças, advertindo, por isso, que depois de Março as taxas serão cobradas de forma coerciva.

“Hoje em dia é normal encontrar um carro que não tem nenhum nome na faixa de identificação, Conseguimos ver isso e reunimos com as associações que prometem trabalhar para melhorar. A polícia municipal não tem estado na estrada, mas não é só a polícia municipal que não sai à rua. Com aquela voz que houve (a voz de Venâncio Mondlane), as pessoas acabam se atrelando e não aceitam pagar taxas. Actualmente nenhum transportador está a pagar taxas, mas depois de três meses vamos começar a cobrar com coercividade”, sustentou.

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