António Carlos de Rosário, Gregório Leão, Ndambi Guebuza e outros estão na fila e podem sair em 2026

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  • Tribunal Supremo não vê impedimento para conceder liberdade condicional a Ângela Leão
  • Esposa do ex-director do SISE deverá cumprir segunda metade da pena fora das grades
  • Tribunal Supremo mandou Tribunal Superior de Recurso reavaliar liberdade condicional
  • Não pode ser aplicada aos arguidos uma lei que entrou em vigor depois do julgamento

Tal como o Evidências escreveu em 2023, os condenados do famoso caso das dívidas ocultas, julgados na Tenda da BO, num mediático espectáculo, para muitos interpretado como teatral, poderão sair em liberdade, uma vez cumprida metade da pena, a partir deste ano. No passado dia 15 de abril, o Tribunal Supremo (TS), em acórdão do seu colectivo de juízes, decidiu instruir ao Tribunal Superior de Recurso (TSR) para reapreciar o pedido de liberdade condicional da ré Ângela Leão, esposa do Gregório Leão, antigo director-geral do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), uma das condenadas no processo das dívidas ocultas. A decisão do TS surge após a ré ver, em setembro do ano passado, o seu requerimento indeferido pelo Tribunal Superior de Recurso. António Carlos de Rosário, Gregório Leão e Ndambi Guebuza, réus que no mesmo processo foram condenados a 12 anos de prisão, poderão recorrer para cumprir a segunda metade da pena em liberdade condicional, uma vez que completam em Fevereiro de 2026 seis anos a ver o sol aos quadradinhos, metade da sua pena, num contexto em que os relatos da cadeia sugerem bom comportamento. No entanto, tal como no caso de Ângela Leão, a decisão final sobre a liberdade condicional de António Carlos de Rosário, Gregório Leão, Ndambi Guebuza e companhia depende da apreciação dos juízes do Tribunal Superior de Recurso e em última instância do Tribunal Supremo.

Duarte Sitoe

Em 2024, Ângela Leão, ora reclusa no Estabelecimento Prisional Preventivo da Cidade de Maputo, através dos seus mandatários judiciais, requereu a concessão da Liberdade Condicional nos termos do artigo 232 e seguintes do Código de Execução das Penas.

Por observar que o processo em recurso está sob alçada do Tribunal Superior de Recurso de Maputo (TSR-Maputo), a Juíza do Tribunal de Execução das Penas remeteu a matéria para consideração do egrégio Tribunal Superior de Recurso que, por sua vez, indeferiu o requerimento.

Por despacho datado de 06 de setembro de 2024, o desembargador relator daquela secção rejeitou a aludida pretensão da requerente, com o fundamento de que não se mostrava preenchido o requisito temporal de cumprimento da pena imposta pela prática de um crime de branqueamento de capitais, ao abrigo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 69, conjugado com o n° 2 do artigo 153; ambos do Código Penal.

O entendimento do TSR era de que a ré precisa de cumprir três quartos da pena, ou seja, oito e dois meses de prisão. Esta leitura foi feita à luz do novo Código do Processo Penal.

Inconformada com a decisão, por entender que foi condenada no seu envolvimento no escândalo das dívidas ocultas antes da entrada em vigor da Legislação de 2029, a defesa de Ângela Leão não se deu por vencida e decidiu recorrer da decisão no Tribunal Supremo.

Não pode ser aplicada aos arguidos uma lei que entrou em vigor depois do julgamento

A instituição liderada por Adelino Muchanga, por sua vez, cumprindo a sua missão pedagógica, apontou as razões que pesam para que não seja aplicada aos arguidos das dívidas ocultas uma lei que lhes seja prejudicial.

“Não é razoável, por afronta ao princípio da legalidade, aliado aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança que o arguido seja surpreendido com o agravamento das normas incriminadoras e da execução das sanções criminais, numa fase em que foi já acusado, pronunciado, julgado e condenado, com aplicação da legislação penal anterior”, sublinhou.

Depois de analisar o requerimento da esposa do antigo directo- geral do SISE, o colégio de Juízes do Tribunal Supremo observou que “o processo de que resultou a condenação da requerente Ângela Dinis Buque Leão correu termos sob a vigência do Código Penal de 2014, aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro e o Código de Processo Penal de 1929, aprovado pelo Decreto N° 16 489, de 15 de Fevereiro de 1929 e mandado aplicar às então províncias ultramarinas, incluindo, neste caso, Moçambique, pelo Decreto N° 19271, de 24 de Janeiro de 1931”.

Aliás, o Juízes do TS apontam, por outro lado, que  o Código Penal então vigente regulava o instituto da liberdade condicional no seu artigo 146 que impunha como requisito para a concessão desta graça que o peticionante tivesse cumprido metade da pena de prisão imposta, com as obrigações enumeradas no artigo subsequente, daí que tenham decidido deferir o requerimento da ré.

“Nestes termos e, pelo exposto, dando provimento ao recurso, revogam o despacho recorrido e determinam que o Tribunal recorrido conheça do pedido de liberdade condicional formulado pela recorrente Ângela Dinis Buque Leão, já identificada nos autos, com observância do prescrito no artigo 146 do C. Penal de 2014, em ligação ao artigo 232 e seguintes do Código de Execução das Penas”, conclui o colégio de Juízes do Tribunal Supremo.

Outros réus completaram metade de pena em fevereiro deste ano e podem estar na fila

Tal como alertou o Evidências, em dezembro de 2022, num artigo assinado pelo jornalista e editor desta publicação, Reginaldo Tchambule, com o título “Última Hora: Pena máxima das dívidas ocultas são 12 anos e réus podem sair em três anos”, muito provavelmente, todos os réus do caso das dívidas ocultas podem sair em liberdade condicional, pois a pena máxima aplicada ao conhecido como núcleo duro do caso das dívidas ocultas, pelo juiz Efigénio Baptista, é de 12 anos de prisão.

As primeiras detenções dos arguidos das dívidas ocultas ocorreram em Fevereiro de 2019. Quer isto dizer que, em fevereiro do ano em curso, os réus mais penalizados neste caso: António Carlos de Rosário, Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa e Manuel Renato Matusse completaram seis anos, ou seja, metade da pena, estando já elegíveis à liberdade condicional, se se atestar o seu bom comportamento.

Porque o processo de que resultou a condenação destes réus considerados como o núcleo duro das dívidas correu termos sob a vigência do Código Penal de 2014, aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, e o Código de Processo Penal de1929, aprovado pelo Decreto N° 16 489, de 15 de Fevereiro de 1929 e mandado aplicar às então províncias ultramarinas, incluindo, neste caso, Moçambique, pelo Decreto N° 19271, de 24 de Janeiro de 1931, os mesmos têm luz verde para requerer com vista a cumprir a segunda metade da pena em liberdade condicional.

António Carlos do Rosário foi condenado a 12 anos; Gregório Leão a 12 anos; Ângela Leão a 11 anos de prisão; Fabião Mabunda a 11 anos de prisão e multa de 64.800 meticais; Ndambi Guebuza a 12 anos de prisão e 162 mil meticais de multa; enquanto Teófilho Nhangumele “apanhou” 12 anos e 162 mil meticais de multa.

Por seu turno, Bruno Langa foi condenado a 12 de prisão e 252 mil meticais de multa; Cipriano Mutota a 10 anos e 32 400 meticais de multa; Maria Inês Moiane foi condenada a 11 anos de prisão maior e 36 mil meticais de multa; Sérgio Namburete condenado a 11 anos de prisão e multa de 32.400 meticais, enquanto Manuel Renato Matusse apanhou 12 anos de prisão e multa de 35.100  meticais.

Sidónio Sitoe, Elias Moiane, Zulficar Hamad, Mbanda Henning, Crimildo Manjate, Khessaujee Pulchand, Simione Mahumane e Naimo Quimbine foram absolvidos e mandados em paz e em liberdade por não terem praticado qualquer acto ilegal.

Um balde de água fria para as aspirações dos moçambicanos

Segundo juristas ouvidos pelo Evidências, independentemente do crime, qualquer cidadão privado de liberdade pode beneficiar-se de liberdade condicional, desde que tenha bom comportamento, que deve ser atestado por parecer favorável do Director do Estabelecimento Penitenciário, ao Tribunal de Execução de Penas.

A liberdade dos condenados no processo das dívidas ocultas, embora condicional, é balde de água fria para as aspirações da sociedade moçambicana que, durante o julgamento, pediu que os réus tivessem penas exemplares por hipotecarem o futuro de muitas gerações.

No número 2 do artigo 198 do Código de Execução das penas, Lei 26/2019 de 27 de Dezembro, após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção.

Na alínea a) do número 2 do artigo 203 da mesma Lei estabelece-se que é competência do conselho técnico auxiliar do tribunal de execução das penas com funções consultivas, podendo emitir parecer sobre a concessão de liberdade condicional, de liberdade para a prova e de licenças de saída jurisdicionais e sobre as condições a que devem ser sujeitas.

A instrução do processo de Liberdade Condicional começa 90 dias antes da data admissível para a concessão de liberdade condicional, em que o juiz solicita, fixando prazo: a) relatório dos serviços penitenciários contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido; b) relatório dos serviços de reinserção social contendo avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, ponderando, ainda, para este efeito, a necessidade de  protecção da vítima; e a instrução deve estar concluída até 60 dias antes da data admissível para a concessão da liberdade condicional.

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