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- Somente a Frelimo e os seus órgãos sociais têm aval para se manifestar
No reinado de Filipe Nyusi, Moçambique tornou-se um país alérgico a manifestações, por mais que fossem pacíficas, reprimindo qualquer iniciativa de rua, facto que levou a que sentimentos reprimidos fossem acumulados até rebentarem em outubro passado, descambando naquelas que foram as mais violentas manifestações desde que Moçambique é independente, manifestações essas que duraram mais de três meses. Quando se esperava que o Governo tivesse aprendido com os erros do passado, a realidade tratou de mostrar o contrário. No passado sábado, 19 de abril, a Polícia da República de Moçambique (PRM) impediu a realização de uma marcha pacífica de repúdio contra os assassinatos e a perseguição política que vêm ocorrendo no país. Os manifestantes, em número de cerca de 30 elementos, pretendiam sair da estátua de Eduardo Mondlane em direcção à ProcuradoriaGeral da República, mas foram bloqueados pelas forças de segurança, antes mesmo de começarem a caminhada, com um forte contingente de várias unidades da Polícia da República de Moçambique (PRM) armado até aos dentes. O número era tão desproporcional a ponto de existir um Mahindra para cada manifestante.
Elisio Nuvunga
Na semana finda, depois de meses actuando à calada da noite sequestrando e executando líderes das manifestações numa verdadeira limpeza, os esquadrões da morte ressurgiram e actuaram à luz do dia. Com os mesmos requintes de quando silenciaram Elvino Dias e Paulo Guambe, tentaram, recentemente, mas sem sucesso, assassinar Joel Amaral, sobejamente conhecido por MC Trufafa.
O jovem animador cultural foi alvejado com três tiros, incluindo um na zona da cabeça, mas escapou com vida, estando fora de perigo e a recuperar-se. O acto reacendeu a onda de indignação. Em Maputo, um grupo de cidadãos liderados pelos jovens activistas sociais Clemente Carlos e Ivandro Sigaval convocou uma marcha pacífica para o passado sábado para repudiar o atentado contra Joel Amaral e exigir esclarecimentos sobre os recentes casos de violência política e intimidação de opositores.
No entanto, tal como vinha acontecendo no reinado de Filipe Nyusi, a marcha foi inviabilizada pela Polícia da República de Moçambique que se fez na sua máxima força, com mais de 150 homens e unidades caninas. Os agentes faziam-se transportar em viaturas de vários tipos desde os famosos Mahindras, a blindados e camiões de jactos de água. Eram cerca de 30 viaturas para cerca de 30 manifestantes, ou seja, havia quase um mahindra para cada manifestante.
A rota prevista – da estátua de Eduardo Mondlane até à sede da ProcuradoriaGeral – foi comunicada às autoridades com antecedência, segundo os organizadores. Apesar dos jovens manifestantes portarem um parecer favorável do Município e cumprirem a formalidade de ser realizada num sábado, com liderança devidamente identificada, a PRM não permitiu que a marcha prosseguisse. Agentes da PRM ergueram barreiras móveis e posicionaram viaturas policiais em vários pontos estratégicos, impedindo a concentração nas imediações do ponto de partida.
Para Clemente Carlos, um dos principais rostos da organização, a acção da polícia deixa claro que o país é de alguns, e que somente os do partido no poder é que podem marchar. Apesar do bloqueio e do clima de tensão, os organizadores prometeram não recuar.
“Voltaremos às ruas para repudiar as perseguições e assassinatos de opositores políticos e de todos aqueles que pensam diferente deste regime”, disse.
Revoltados com a acção, vários participantes preferiram falar em anonimato, temendo represálias.
“Eu não estou a entender o que se está a passar, queremos marchar pacificamente e somos impedidos porquê? No nosso país, qual é o problema?”, indagou um dos manifestantes.
Refira-se que não é a primeira vez que a polícia inviabiliza marchas. Durante os 10 anos do consulado de Filipe Nyusi, apenas eram permitidas manifestações dos órgãos sociais do partido Frelimo com o intuito de, na altura, saudarem o então Presidente da República à moda dos cultos de personalidade na Coreia do Norte. Isso fez com que a frustração fosse acumulada até ao dia em que eclodiram as manifestações em outubro do ano passado, momento em que a situação praticamente saiu do controlo.

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