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- Provas confirmam violência discricionária contra civis antes da independência
- Comissão da verdade encontrou provas, mas encerrou subitamente as investigações
Em 1974, Portugal quis saber… e depois calou-se. O Governo português criou uma Comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos pela temida PIDE/DGS em Moçambique desde 1964. Em apenas três meses, segundo o Jornal Público, instrutores militares recolheram milhares de queixas de tortura, desaparecimentos e execuções sumárias, relatos de vítimas e familiares, exames forenses e arquivos resgatados das chamas, já que a polícia política, em pânico após o 25 de Abril, tentou apagar os rastros do seu terror. As provas reunidas confirmavam: a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado, entre 1945 e 1969, e depois DGS, Direcção-Geral de Segurança entre 1969 e 1974), praticou violência sistemática e discriminatória contra a população moçambicana. Mas, num silêncio abrupto, as investigações foram encerradas. Os documentos seguiram para Lisboa. E a verdade ficou por contar.
Duarte Sitoe
Depois da Revolução dos Cravos, no dia 25 de Abril de 1974, liderada pelo movimento militar e popular em Portugal que derrubou o regime ditatorial do Estado Novo, liderado por Marcelo Caetano, sucessor de António de Oliveira Salazar, que abriu espaço para independência de Moçambique que viria a ser proclamada em Junho do ano seguinte, ou seja, em 1975, o Governo português criou uma Comissão da Verdade cuja missão era investigar os crimes cometidos pela PIDE desde 1964.
Os militares que faziam parte da dita Comissão da Verdade, segundo o Jornal Público, começaram, em Maio de 1974, a trabalhar exclusivamente na “Comissão de apuramento de responsabilidades criminais de elementos da extinta PIDE/DGS”, existindo documentos em que surge também como “Comissão para a investigação das queixas contra elementos da ex-DGS” ou “Comissão de Saneamento e Investigação”.
Os primeiros autos de queixas foram feitas no dia 28 de Maio em Nampula, sendo que um dia antes, um telegrama do comando-chefe na colónia informava Lisboa de que todos os sectores militares tinham sido incumbidos de verificar os “possíveis crimes e abusos graves”.
Os militares, segundo apontam os documentos consultados pelo Público, ficavam responsáveis pela instrução preparatória dos processos, actuando como investigadores criminais.
No entanto, “não podiam punir judicialmente, mas tinham poder para arquivar autos, manter sob prisão ou libertar pides, ordenar diligências, fazer interrogatórios e recorrer aos arquivos policiais e prisionais”, ou seja, “redigiam sumários de culpa pelos crimes de homicídio ou ofensas corporais (praticamente os únicos considerados) e recomendaram a entrega da matéria probatória aos tribunais militares”
Em Moçambique, as decisões sobre o destino a dar ao pessoal da PIDE após a Revolução foram titubeantes e pautadas por retrocessos e dúvidas, visto que em Abril de 1974, os serviços desta polícia paralisaram, a delegação em Maputo e as subdelegações e postos em todo o país foram tomadas e ocupadas pelo Exército, confiscou-se armamento e munições e tomou-se o controlo das centrais de comunicações e do centro de instrução dos Flechas.
A Comissão da Verdade exortou publicamente a população a apresentar queixas formais contra a PIDE, tendo para o efeito se disponibilizado para recolher denúncias manuscritas e distribuía folhas pré-impressas que poderiam ser preenchidas por vítimas e familiares.
Os documentos que provaram as atrocidades da PIDE foram recolhidos pelos militares. Como o regime ditatorial já tinha sido derrubado em Portugal, os democratas acreditavam que fosse feita a justiça, uma vez que não era a primeira vez em que a PIDE era acusada de violações dos direitos humanos e delitos contra bens públicos e privados, mas, desta vez, com o derrube da ditadura e da ocupação colonial.
Ao perceber que os autos de queixas confirmavam as atrocidades da PIDE, por temer o recrudescimento da ira popular e, sobretudo, justiça pelas próprias mãos nas ruas, o exército deslocou os elementos da PIDE para outras zonas do País. Contudo, um número incontável conseguiu fugir para a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe) e para a África do Sul
Em Junho de 1974, num plano rodeado do maior secretismo e delineado pelas Forças Armadas (FA) em Moçambique em conjunto com o Estado-Maior-General das Forças la Armadas (EMGFA), depois de “ponderados todos os riscos”, foi desencadeada a Operação Zebra, destinada a deter a quase totalidade dos quadros da direcção e investigação da PIDE/DGS-exceptuaram-se as agentes femininas e os elementos que tinham entrado em funções depois de 1 de Março de 1974.
Apesar de ter encontrado indícios dos crimes do PIDE, a Comissão da Verdade, segundo os documentos consultados pelo PIDE, encerrou subitamente os seus trabalhos em Moçambique e enviou toda a documentação para Lisboa, concretamente na Torre do Lombo.

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