Crise de financiamento que ameaça a luta contra o HIV

SAÚDE
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  • Quase toda a resposta nacional depende de fundos externos
  • Cortes internacionais colocam em risco tratamentos, metas de 2030 e milhões de vida
  • Moçambique tem 2,48 milhões de pessoas com HIV, com uma prevalência nacional de 12,5%

Moçambique enfrenta um dos momentos mais críticos desde o início da sua resposta ao HIV/SIDA. Com 95% do financiamento do programa nacional a depender de doadores estrangeiros, os recentes cortes no apoio internacional ameaçam paralisar serviços, reverter progressos alcançados nas últimas décadas e colocar milhões de vidas em risco. A urgência de repensar o modelo de resposta, historicamente baseado na ajuda externa marcou o “Simpósio de HIV-SIDA – Um Novo Cenário para a Resposta ao HIV em Moçambique”, realizado em Maputo nesta sexta-feira, 19 de Junho de 2025, onde especialistas, governo, sociedade civil e parceiros internacionais alertaram que sem financiamento doméstico, integração de serviços e inovação, o país não alcançará as metas de controlo da epidemia até 2030.

Luisa Muhambe

O evento, organizado pelo IAS Educational Fund em parceria com o Comité para a Saúde de Moçambique (CSM), serviu não apenas para assinalar a 50ª reunião do fundo educacional da IAS, mas como uma convocatória nacional frente a uma realidade preocupante. A era da dependência externa chegou ao limite, e a transição para um modelo soberano, resiliente e sustentável tornou-se inadiável.

Durante o encontro, o secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate ao SIDA (CNCS), Francisco Mbofana, apresentou um panorama que mescla vitórias e fragilidades. O País conseguiu reduzir em 38% as novas infecções desde 2019 e colocou cerca de 2,4 milhões de pessoas em tratamento anti-retroviral, mas tais avanços assentam sobre uma estrutura altamente vulnerável.

“Em Moçambique, a resposta é caracterizada por uma forte dependência do financiamento externo. Dados relativos a 2022 indicam que 95% dos recursos vieram de fora. Essa situação torna os nossos programas extremamente frágeis diante das mudanças do panorama global”, afirmou o dirigente.

Mbofana alertou que qualquer oscilação no apoio financeiro internacional pode significar falhas graves na cadeia de distribuição de medicamentos, encerramento de programas comunitários e colapso de serviços essenciais em zonas rurais. “Com cada corte, o risco de retroceder é real. E esse retrocesso custa vidas”, sublinhou.

Apesar das conquistas, os indicadores epidemiológicos apresentados por Irénio Gaspar, do Ministério da Saúde, revelam que o combate à epidemia ainda está longe de ser vencido. Moçambique tem 2,48 milhões de pessoas vivendo com HIV, com uma prevalência nacional de 12,5%, e continua a registar cerca de 252 novas infecções por dia, sendo as mulheres e raparigas adolescentes as mais afectadas.

“O país ainda contabiliza mais de 92 mil novas infecções por ano. Isso mostra que, embora haja avanços, não podemos baixar a guarda. E muito menos perder os serviços que já estão a funcionar”, afirmou MISAU.

Vozes da sociedade civil exigem priorização das comunidades

A crise de financiamento tem impacto directo sobre as populações mais vulneráveis. Representando as organizações comunitárias, Gilda Jossias, presidente do Conselho de Direcção da PLASOC, destacou que é preciso reforçar o protagonismo das comunidades e adoptar estratégias integradas que respondam à realidade das mulheres jovens e de outros grupos marginalizados.

“Nas discussões devemos dar uma atenção especial à realidade das raparigas adolescentes e das mulheres jovens que continuam a ser desproporcionalmente afectadas pela epidemia. O seu acesso aos serviços de prevenção, tratamento e apoio deve ser reforçado com urgência e sensibilidade”, defendeu.

O representante do IAS Educational Fund reforçou que Moçambique está entre os países mais afectados pelos recentes grandes desafios no cenário global da resposta ao HIV, e que a continuidade da luta contra a epidemia exige novas estratégias de financiamento, maior coordenação interinstitucional e uso inteligente da ciência.

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