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- Nem na cerimónia faltaram sinais de desconfiança ou “populismo”
O Presidente da República desafiou, nesta segunda-feira, os novos membros do Conselho de Estado a serem agentes promotores da paz, da reconciliação e da unidade nacional, no quinquénio 2025–2029. Na cerimónia de investidura, Daniel Chapo destacou o carácter histórico da composição do órgão, por reunir, pela primeira vez, todos os presidentes de partidos políticos com assento no Parlamento, juntamente com figuras de diferentes gerações e trajectórias da vida pública moçambicana.
Evidências
Tomaram posse, por inerência de funções, Margarida Talapa, presidente da Assembleia da República, Benvinda Levi, primeira-ministra, Filipe Nyusi, antigo Chefe de Estado, e Esperança Bias, antiga presidente da Assembleia da República. Foram igualmente empossados, por designação presidencial, Alberto Chipande e Eduardo Nihia, combatentes da Luta de Libertação Nacional, Graça Machel, antiga ministra da Educação, e Felizarda Paulino, deputada da bancada da Frelimo pelo círculo eleitoral de Nampula.
Eleitos pela Assembleia da República, juraram servir à pátria Jamisse Taímo, académico, sheik Aminudim Muhamad, presidente do Conselho Islâmico, Albino Forquilha, presidente do Podemos, Ossufo Momade, presidente da Renamo, e Lutero Simango, presidente do MDM.
E, finalmente, pela qualidade de segundo candidato mais votado nas últimas presidenciais, tomou posse Venâncio Mondlane, presidente interino do recém-criado partido Anamola. A sua entrada no Conselho de Estado marca um momento simbólico de ascensão definitiva de uma figura que, em pouco mais de uma década, se tornou um dos políticos mais mediáticos, controversos e populares do país. Por outro lado, encerra a dúvidas sobre a sua integração num órgão concebido à medida de Daniel Chapo.
Mondlane, conhecido pela sua oratória inflamada e pelo contacto directo com as bases descontentes da Renamo, construiu uma imagem de político que recusa protocolos rígidos e prefere aproximar-se da população através de gestos simples, por vezes interpretados como populistas. Ex-membro da Renamo, ex-deputado pelo MDM, depois PODEMOS, e agora líder de um partido emergente, o seu percurso é marcado por rupturas sucessivas, sempre em nome do que afirma ser a coerência com os princípios democráticos e com a voz dos cidadãos que representa.
O episódio que marcou a sua tomada de posse foi revelador desse estilo peculiar: no momento do brinde com champanhe, Mondlane não bebeu nem um gole, pousou o copo e, em seguida, retirou discretamente um frasco de desinfectante para limpar as mãos. O gesto, aparentemente banal, não passou despercebido. Em direcção às câmaras da empresa, cruzou os braços, num sinal de saudação. Para uns, foi sinal de excesso de zelo, uma preocupação quase obsessiva com a higiene, herança dos tempos da pandemia que ainda marcam o imaginário colectivo. Para outros, foi mais uma encenação calculada para afirmar a diferença e cultivar a imagem de político atento aos detalhes e ao simbolismo dos actos públicos.
Esse episódio espelha bem a dualidade que acompanha a carreira de Mondlane. Entre o carisma popular e a crítica que o acusa de excesso de protagonismo, entre o tribuno apaixonado e o estratega que calcula cada movimento. O seu discurso político é frequentemente pontuado por apelos directos às massas, críticas contundentes ao poder estabelecido e uma defesa aguerrida de transparência e justiça social. Ainda assim, não escapa ao rótulo de populista, um rótulo que ele próprio parece assumir e transformar em capital político.
Ao sublinhar que a presença de todos os líderes parlamentares no Conselho é um marco democrático, o Presidente da República frisou que o órgão simboliza o aprofundamento da reconciliação nacional e a necessidade de coabitação pacífica de diferentes ideologias. “Esta realidade deve ser entendida sob diversos prismas. Primeiro, revela a importância que os partidos políticos dão a este órgão como plataforma viável para o aconselhamento do Chefe do Estado. Segundo, o facto de o órgão congregar personalidades com ideologias políticas diferentes torna as suas decisões mais representativas em relação ao pensamento de todo o povo moçambicano”, afirmou Daniel Chapo, antes de desafiar os conselheiros a rejeitar mensagens de ódio e a valorizar o diálogo como instrumento central da vida política.
Logo após a cerimónia, o Conselho de Estado reuniu-se, longe das câmaras, na sua primeira sessão ordinária. Doravante, os conselheiros serão convocados sempre que o Presidente da República necessitar de aconselhamento sobre matérias relevantes, incluindo aquelas que, por lei, exigem a sua consulta, como são os casos de dissolução da Assembleia da República, declaração de guerra, estado de emergência, referendo ou convocação de eleições gerais.
No seio desse órgão plural, Venâncio Mondlane passa a ocupar um espaço de influência e visibilidade institucional que pode redefinir o seu papel no xadrez político nacional. Entre o populismo e o rigor, entre o gesto teatral e a convicção política, o líder interino do Anamola carrega agora a responsabilidade de provar que, para além da retórica, também sabe ser conselheiro da Nação.



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