Arbitragem da Galp exigirá de Moçambique o equivalente a 1% do Orçamento da Saúde, alerta CIP

ECONOMIA
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  • País determinado a não ceder a chantagem e exige pagamento imediato de USD 176 milhões

A batalha fiscal entre o Estado moçambicano e a petrolífera portuguesa Galp, em torno de 162 milhões de euros em impostos sobre mais-valias na Bacia do Rovuma, chegou à arbitragem internacional. O Centro de Integridade Pública (CIP) alerta que o processo, além de dispendioso, pode transformar-se num golpe à soberania fiscal do país, revelando o peso desigual entre multinacionais e economias em desenvolvimento. Aliás, considera a medida uma forma de pressão económica que visa desgastar financeiramente o Estado e forçar um acordo desfavorável, com graves implicações para a soberania económica.

Luisa Muhambe

A disputa fiscal de 162 milhões de euros entre o Estado moçambicano e a petrolífera portuguesa Galp, relativa às mais-valias da venda de activos de gás na Bacia do Rovuma, atingiu um ponto crítico.

O Centro de Integridade Pública (CIP) alerta que a escalada do caso para arbitragem internacional representa um fardo financeiro desproporcional para Moçambique, podendo comprometer recursos essenciais do Orçamento Geral do Estado (OGE).

A Galp notificou formalmente o Governo sobre o diferendo e ameaçou avançar para arbitragem internacional, previsivelmente no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos sobre Investimentos (ICSID).

Embora legal, este mecanismo é visto pelo CIP como uma “arma económica” que explora a assimetria entre uma multinacional poderosa e um País em desenvolvimento como Moçambique.

Segundo o CIP, os custos da defesa moçambicana no ICSID poderão variar entre 6 e 8 milhões de dólares, apenas em honorários de advogados e peritos internacionais. Um montante que, para a Galp — com receitas anuais de milhares de milhões — é insignificante, mas que para o Estado moçambicano representa um peso orçamental relevante.

O impacto financeiro torna-se ainda mais evidente quando comparado com as necessidades sociais do País. O CIP sublinha que o custo estimado da defesa equivale a 1% do orçamento previsto para o sector da Saúde em 2025, o suficiente para financiar a construção de dois a três hospitais rurais ou a aquisição de medicamentos essenciais.

“Cada dólar gasto nesta disputa é um dólar a menos para escolas, hospitais e serviços públicos essenciais”, observa o CIP, alertando para o risco de “erosão da soberania fiscal” de Moçambique.

Uma guerra de desgaste

O CIP interpreta a decisão da Galp de recorrer à arbitragem como uma estratégia de pressão económica destinada a esgotar financeiramente o Estado. O objectivo seria forçar um acordo extra-judicial desfavorável, obrigando o Governo a abdicar de parte significativa dos 162 milhões de euros em disputa, para evitar o prolongamento de um litígio caro e complexo.

A disputa centra-se na interpretação da mais-valia tributável resultante da venda, em Março de 2025, de 10% da participação da Galp na Área 4 da Bacia do Rovuma à XRG P.J.S.C., veículo da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), dos Emirados Árabes Unidos. A operação rendeu à Galp 1,29 mil milhões de euros, mas a forma como a empresa calculou o lucro tributável desencadeou o conflito.

A Autoridade Tributária (AT) concluiu que a mais-valia sujeita a imposto seria de 834 milhões de euros, aplicando a taxa efectiva de 17,6%, resultando num imposto de 146,7 milhões de euros, acrescido de multas e juros até aos 162 milhões reclamados.

A Galp, porém, defende que a mais-valia real não ultrapassa 26 milhões de euros, 35 vezes menos do que o cálculo da AT — diferença que o CIP classifica como uma “agressão fiscal”.

No centro da disputa: o custo base

A divergência está no Custo Base Reconhecido (CB), isto é, o valor de investimento que pode ser deduzido ao preço de venda para apurar o lucro tributável.

A Galp declara um custo base de 1,264 mil milhões de euros, reduzindo a mais-valia para apenas 26 milhões. Já a AT sustenta que o valor real é de 456 milhões de euros, o que resulta nos 834 milhões de euros de mais-valia tributável.

Para o CIP, a metodologia usada pela Galp é “fiscalmente agressiva e eticamente questionável”, levantando dúvidas sobre a justificação de custos tão elevados. A organização sugere que a empresa poderá estar a inflacionar despesas dedutíveis para minimizar lucros em Moçambique e transferir rendimentos para outras jurisdições.

Uma prática recorrente das multinacionais

O caso insere-se numa prática recorrente entre multinacionais do sector extractivo: a venda indirecta de activos. A Galp não vendeu a licença de exploração directamente em Moçambique, mas sim as acções da sua subsidiária Galp Energia Rovuma B.V., sediada na Holanda, que detinha a participação na Área 4.

Esta estrutura, conhecida como planeamento fiscal agressivo, permite deslocar a origem do lucro para fora do país onde o recurso é explorado — e, consequentemente, evitar a tributação local.

O CIP adverte que, se a Galp for bem-sucedida, poderá abrir-se um precedente perigoso que incentive outras multinacionais a recorrer à arbitragem para contestar impostos, enfraquecendo a soberania fiscal de Moçambique e comprometendo receitas essenciais ao desenvolvimento nacional.

Moçambique não cede a chantagem e exige pagamento imediato de USD 176 milhões

A Autoridade Tributária de Moçambique (AT) emitiu um comunicado na passada terça-feira para esclarecer a sua posição sobre o diferendo fiscal com a Galp, resultante da venda da participação da empresa na Área 4 do Rovuma à ADNOC. A AT classifica o pagamento do imposto devido como um “imperativo legal” e afirma que o valor em dívida neste momento é de  176 milhões de dólares. A Autoridade Tributária apurou este montante no âmbito de um Parecer Vinculativo, que comunicava a obrigação das empresas vendedoras em pagar o imposto sobre o ganho auferido na transferência das participações.

Adicionalmente, a AT prevê que será gerada uma obrigação tributária equivalente a USD 160.000.000,00 (160 milhões de dólares), referente aos pagamentos diferidos sujeitos à Decisão Final de Investimentos (FID) dos projectos Rovuma e Coral Norte FLNG.

Perante a falta de pagamento do imposto liquidado no prazo concedido, a AT virtualizou a dívida para cobrança coerciva, que corre seus termos legais. A Galp, embora tenha solicitado a revisão do Parecer Vinculativo e recorrido a vias legais nacionais, como a dedução de embargos de executado e a interposição de recurso contencioso junto do Tribunal Fiscal da Cidade de Maputo, não suspendeu o processo.

A Autoridade Tributária justifica a continuação da execução pelo facto de as garantias apresentadas pelas vendedoras terem sido consideradas “não idóneas”. As empresas foram notificadas para substituírem a garantia, mas a segunda submissão também foi considerada não idónea, tendo sido instadas, mais uma vez, a prestar uma garantia idónea no prazo de cinco dias. A AT reitera que o recurso contencioso e os embargos não suspendem a execução fiscal sem a prestação de uma garantia idónea em território moçambicano.

O braço-de-ferro fiscal atinge agora o plano internacional, uma vez que a Galp anunciou, na mesma data, ter notificado formalmente o Estado de Moçambique sobre a existência do diferendo. Esta notificação constitui o primeiro passo para o início de uma arbitragem internacional, ao abrigo de acordos de promoção e protecção recíproca de investimentos. A Galp, que alega que não lhe pode ser exigido o pagamento de impostos sem fundamento na legislação aplicável, abre assim um período de discussão com o Estado Moçambicano, prévio ao eventual processo de arbitragem internacional.

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