Terá interesse a Europa e os EUA em ajudar a acabar com o terrorismo em Cabo Delgado?

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  • Moçambique precisa de armas, mas recebe só aprumos e botas

Desde 2017, Cabo Delgado tornou-se o epicentro de uma insurgência violenta, que ceifou milhares de vidas, deslocou centenas de milhares de pessoas e lançou uma incerteza sobre os dois maiores megaprojectos de gás natural do País, juntos avaliados em mais de 40 mil milhões de dólares. Para enfrentar o inimigo, Moçambique recebeu apoio internacional, sobretudo da União Europeia e dos EUA, com programas de formação das Forças de Defesa e Segurança Moçambicanas (FDSM) e fornecimento de equipamento não letal. Em Março de 2025, por exemplo, a UE entregou 85 milhões de euros em viaturas, capacetes e material médico, mas manteve a linha vermelha: nenhuma arma ou munição ofensiva. Enquanto Moçambique recebe apenas formação e equipamento limitado, Ruanda beneficiou de apoio incondicional com dinheiro e armamento letal para proteger os activos europeus e americanos como os megaprojectos da TotalEnergies e ExxonMobil, o que levanta preocupações sobre as reais intenções desta ajuda.

Evidências

Esta semana, a TotalEnergies anunciou o levantamento da Força Maior, abrindo espaço para a retoma do seu projecto, situação que está pendente da aprovação do seu Plano de Desenvolvimento, com novos encargos para o Estado e vantagens para a multinacional.

A justificação para o levantamento da Força Maior é a melhoria da situação de segurança, sobretudo no seu sítio, que está a ser garantida pelas forças ruandesas, que actuam por procuração num negócio lucrativo e nebuloso com a França. Enquanto isso, as tropas moçambicanas, com uma logística mais deficitária, têm a sua acção confinada às redondezas do projecto e não se beneficiam do lucrativo negócio de segurança.

A União Europeia e os Estados Unidos têm, há vários anos, prestado apoio a Moçambique na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado. Este apoio materializa-se através de programas de capacitação, formação e assistência técnica às Forças de Defesa e Segurança (FDS), além de financiamento de projectos destinados ao reforço da segurança e estabilização das zonas afectadas.

Contudo, apesar dos inúmeros fundos, missões e estratégias desenhadas, o impacto dessas iniciativas continua a ser de eficácia duvidosa. No terreno, a situação de insegurança mantém-se volátil e as populações continuam vulneráveis, sem que os avanços registados tenham alterado significativamente a dinâmica do conflito.

A constatação de que a ajuda internacional não tem produzido os resultados esperados levanta questões sobre o modelo de cooperação adoptado e sobre a própria estratégia de combate ao extremismo.

A experiência moçambicana começa, assim, a assemelhar-se a de outros países africanos — como Mali, Burkina Faso e Níger, que, após anos de presença militar ocidental não lograram nenhum sucesso sobre o terrorismo, senão o alargamento dos interesses ocidentais, sobretudo franceses, o que levou a revoltas em que populares e militares tomaram de poder à força.

Todos esses países, hoje liderados por juntas militares, optaram por reconfigurar as suas alianças, romperam relações com a França, patrocinadora do Ruanda, e convidaram novas potências, como a Rússia e a China, para apoiar as suas forças armadas e estratégias de desenvolvimento.

Nestes países, a permanência prolongada de tropas francesas e de missões internacionais não se traduziu em estabilidade. Pelo contrário, os índices de violência e instabilidade aumentaram, alimentando o descontentamento popular e abrindo espaço para alternativas estratégicas fora do eixo europeu-americano.

Em Moçambique, embora não se questione a importância da cooperação com a União Europeia e os Estados Unidos, o debate recai cada vez mais sobre a eficácia dessa ajuda. A persistência dos ataques, o deslocamento de milhares de famílias e a incapacidade do Estado de assegurar o controlo pleno das zonas libertadas sugerem que é preciso repensar o modelo de intervenção e adaptar as políticas às realidades locais.

Mais do que multiplicar missões de formação, o país precisa de resultados concretos: paz duradoura, presença efectiva do Estado e uma estratégia que responda às causas profundas do conflito — pobreza, exclusão e falta de oportunidades.

Especialistas questionam relutância em oferecer armamento letal

Especialistas questionam a disparidade. Calton Cadeado, académico em Relações Internacionais, numa entrevista recente ao Evidências, explicou que a relutância europeia em fornecer armamento ofensivo a Moçambique está ligada a alinhamentos geopolíticos e históricos, incluindo laços do país com Rússia e China.

“O fornecimento letal depende de interesses estratégicos e afinidade política. Moçambique não se enquadra no molde clássico de aliado estratégico da UE/NATO”, afirma.

Rufino Sitoé, especialista em Diplomacia, reforça que a soberania implica estratégia, disciplina e inteligência militar, e que o equipamento por si só não garante vitórias. Ele alerta que, sem meios adequados e uma estratégia nacional coerente, o país permanece vulnerável, mesmo com tropas formadas por programas internacionais.

Por outro lado lado, a escolha europeia de canalizar recursos para Ruanda levanta questões sobre prioridades: estaria o bloco europeu mais preocupado com a protecção de interesses económicos do que com o fortalecimento da capacidade defensiva moçambicana?

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