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- Resposta ao inservível Bula-Bula do Jornal Domingo
Por Reginaldo Tchambule
Lemos, com algum esforço e bastante perplexidade, o ataque encomendado do enferrujado e ultrapassado Jornal Domingo à reportagem do Jornal Evidências sobre o escândalo do “desvio” de 33 milhões de dólares das receitas do gás natural, documentado com toda a clareza no despacho do Tribunal Administrativo. O texto assinado pela rubrica “Bula-Bula” não é uma crítica jornalística, é um vomitado de ignorância e frustração, típico de quem já não faz jornalismo, mas sim presta-se como serviçal de recados e elogios encomendados.
Chamar de “preguiçoso” o nosso trabalho, que se baseia num documento oficial, público e transparente, revela o desespero de quem não sabe mais distinguir jornalismo de vassalagem. É curioso que se peça ao Evidências para – depois de ler o despacho/parecer que consta da Conta Geral de Estado (CGE) de 2024, cruzar com dados da CGE de 2023 e legislação atinente – ligar ao Executivo para “confirmar” o conteúdo de um processo onde o próprio Executivo é parte ré. É como sugerir que, depois de uma sentença judicial, se deva telefonar ao condenado para saber se a culpa procede.
Talvez o Jornal Domingo preferisse que ignorássemos o despacho. Que ficássemos calados, como fazem os seus redactores, habituados a escrever loas ao Governo com a mesma facilidade com que se distribuem panfletos em campanha eleitoral. Que fizéssemos um jornalismo de joelhos, de agenda ditada ao telefone por ordens superiores, com manchetes redigidas no gabinete do porta-voz do Governo.
Este é o resultado inevitável da atrofia cerebral, quando a massa cinzenta de quem devia ser o cão de caça se desloca para a ponta da língua, e o cérebro, outrora ferramenta de análise, se converte em simples eco de bajulação e culambismo. Sim, estamos diante de um caso clínico evidente de culambismo.
Não haja dúvidas, o redactor do Bula-Bula e os dirigentes editoriais do Jornal Domingo vivem uma fase avançada de menopausa cognitiva, uma condição marcada por falta de lucidez, bloqueio intelectual e produção crónica de textos vazios de substância e cujo foco central é agradar aos dirigentes até que a língua fique gasta.
Nessa menopausa, já não se ovulam ideias próprias. Só se menstruam ataques mal elaborados contra quem se atreve a fazer jornalismo a sério. Perderam o controlo de si mesmo. Já não sabem distinguir entre crítica jornalística e “apocrisia” opinativa; entre rigor investigativo e a vassalagem institucional.
O pior de tudo não é sequer a incapacidade dos redactores do Bula-Bula de compreenderem o penoso diagnóstico que, com alguma generosidade, aqui lhes apresentamos. O verdadeiro problema reside na maneira como carregam a sua língua sarnenta, endurecida e calejada por anos de bajulação e subserviência, em direcção a quem ainda respira um pouco de dignidade e que ainda pode sair à rua de cabeça erguida. Aproximam-se de nós prontos para transmitir a sua própria doença moral e intelectual, orgulhosos da podridão que cultivaram em anos de silêncio e cumplicidade, bafejada por palmadinhas do mesmo executivo que de forma dogmática nunca deve ser questionado e nunca pode ser contornado como fonte.
Ao ler o delírio publicado no Domingo, percebe-se que ali já não há redacção: há relação directa com o poder. O jornal que outrora foi referência, hoje é boletim oficioso que serve como vitamínico de quem quer insuflar o ego de elogios, enquanto mal serve a quem lhe colocou no poder.
Acontece que aqui não fazemos jornalismo de “sim, senhor”. Não pedimos autorização para publicar a verdade. Não ligamos para ministros à meia-noite a perguntar qual manchete publicar.
O Domingo, a saldo dos seus Bula-Bula e quejandos, pode continuar a aplaudir esta tragicomédia governamental, mas não nos chame para ser parte desta ridícula plateia. Escolhemos ser parte activa do jornalismo e não uma cartilha de recados do Executivo que, num gesto de inversão moral e institucional, transformou um caso de fiscalização pública num auto-julgamento político, em que o acusado escreve o veredicto e arquiva o processo, deixando o País diante de mais uma prova da fragilidade da transparência na gestão das receitas do gás.
A reportagem do Evidências não distorceu nada. Fez mais do que reproduzir um parecer autêntico do TA, uma entidade competente, que é o superior fiscal das contas públicas e que não deixa espaço para dúvidas: o dinheiro foi desviado da sua rota legal. Cruzou dados recentes e do passado, ouviu especialistas e compulsou legislação de tal sorte que foi a primeira entidade a desmascarar a mentira socorrendo-se do Princípio de Tranferência Retroactiva que consta da própria Lei.
Aliás, demonstrámos no texto que no parecer do TA está presente a confissão do Governo, que assume ter usado o dinheiro para despesas do Orçamento do Estado e prometeu regularizar. Mesmo na sua comunicação em que tenta dar o dito pelo não dito, o executivo compromete-se a regularizar a situação ao referir que “o Governo, através do PESOE 2025 (Lei orçamental) compensou os USD 33,6 milhões já executados no Orçamento na repartição dos montantes acumulados como saldos transitados, assegurando que o FSM receba a sua quota-parte como se a lei estivesse em vigor desde o princípio da exploração. Dito de outra forma, a parte do FSM não sofreu perdas, tendo ‘sido ajustada’ à custa do sacrifício da parcela orçamental”.
Ora deviam saber os atrapalhados redactores do Bula Bula e os directores do Domingo que só se “compensa” o que está em falta, ou seja, é mais um reconhecimento implícito de que os 33 milhões foram desviados e que precisam de ser repostos.
O papel do jornalismo independente é noticiar, questionar e exigir clareza, não agradar. Ignorar um despacho do TA, no qual vem vertida a resposta do Governo, seria, sim, um atentado contra o dever de informar.
Aos que, em vez de argumentar, preferem recorrer a adjectivos como “vagabundo”, “preguiçoso” ou “desbocado”, respondemos com rigor, fontes públicas e transparência. Nunca nos julgámos Woodward nem Bernstein. Somos jornalistas moçambicanos comprometidos com o direito do cidadão à verdade, e não calaremos diante de abusos de poder, má gestão de recursos públicos ou tentativas de silenciamento pela via de encomendas.
O Evidências continuará a fazer jornalismo de investigação com base documental, ouvindo as partes sempre que possível, e mantendo-se fiel ao princípio de que o interesse público está acima da vaidade institucional.
No Evidências, optamos por incomodar. Sabemos que há um custo para fazer jornalismo fora da fila dos “yes men”. Mas não trocamos a verdade por palmadas nas costas, nem o nosso dever por migalhas oferecidas quando sobra da mesa farta do poder.
O Domingo precisa lembrar-se do seu passado: já teve jornalistas com coluna vertebral. Hoje, tem colunistas com coluna dobrada. Um jornal que ataca quem denuncia o roubo e defende quem rouba não é jornal: é cúmplice. É figurante de uma tragédia nacional que nos empobrece e nos envergonha.



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