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O caso da mina “Seis Carros”, em Manica, expõe não apenas um problema de legalidade, mas também um preocupante défice ético no exercício da função pública. O envolvimento directo dos filhos da Governadora Francisca Tomás na extracção ilegal de ouro, actividade suspensa por ordens explícitas do Presidente da República e formalizadas por decreto do Conselho de Ministros, constitui o segundo episódio, em flagrante, que sugere um padrão de comportamento pouco abonatório de um governante deste consulado. É, portanto, compreensível que a sociedade se interrogue sobre por que razão a reacção do poder político se concentra na protecção, e não na investigação para a devida responsabilização.
A realidade é que, neste caso, não estamos simplesmente perante uma cidadã chamada Francisca. Estamos perante uma governadora com poderes executivos, autoridade administrativa e capacidade de mobilizar o aparelho do Estado. O facto de a única mina ainda activa no distrito ser, precisamente, aquela onde operam os seus filhos não é um dado irrelevante; é um indício que merece escrutínio público e institucional. O silêncio da governadora quando as vítimas, espancadas por membros da cooperativa ligada aos seus filhos, eram encarceradas pela polícia, traduz mais do que uma mãe preocupada. Revela uma governante que utilizou, ou consentiu a utilização de meios do Estado para proteger interesses privados da sua família.
A reacção de figuras políticas próximas, como o veterano Filipe Paúnde, longe de apaziguar as inquietações, só as aprofundou. A sua argumentação, segundo a qual “a governadora não tem filhos” e que a maternidade pertence apenas à cidadã Francisca, pretende reduzir uma questão pública a uma manobra linguística. Paúnde apela a uma separação absoluta entre a pessoa e a função, como se a ética pública pudesse ser guardada numa gaveta sempre que surgem conflitos de interesse. No entanto, a própria contradição do seu discurso revela a fraqueza da tese, afinal admite que o comportamento dos filhos não é correcto, reconhece que existem questões éticas incontornáveis, mas insiste que a função não deve ser vinculada às consequências.
Ora, se a governadora exerce autoridade na província onde os seus filhos cometem alegadas irregularidades, essa separação não só é artificial como é politicamente perigosa. Porque quem ocupa cargos de chefia tem maior obrigação de garantir que a sua esfera privada nunca se sobreponha ao interesse público.
Mais preocupante ainda foi a resposta do Governo, pela voz do porta-voz Inocêncio Impissa, apressando-se a ilibar a governadora antes mesmo de concluída qualquer investigação. Afirmar que “não há, aqui, uma situação de abuso de poder” sem uma averiguação séria, meticulosa e transparente é, no mínimo, uma abdicação da responsabilidade institucional. É também uma mensagem clara para a sociedade, o Estado parece mais empenhado em proteger os seus membros do que em apurar a verdade.
A integridade dos dirigentes não se avalia apenas pelo que fazem no exercício das suas funções, mas também pela forma como gerem interesses privados que colidem com o bem comum. A vida privada dos governantes não pode ser ignorada quando afecta directamente o exercício das suas responsabilidades. O caso exige investigação profunda, responsabilização e transparências, não reacções apressadas, discursos defensivos ou distinções artificiais entre pessoa e função.
A confiança pública constrói-se com actos, não com declarações. E, neste momento, o que se exige não é protecção política, mas clareza, rigor e justiça. Só assim o Estado poderá demonstrar que não há filhos intocáveis, nem cargos que sirvam de escudo para irregularidades.



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