Estado expulsa director da Vivo Energy Moçambique por conduta discriminatória e sabotagem institucional

DESTAQUE POLÍTICA
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  • João Oliveira e Sousa é persona non grata e tem 48 horas para deixar o País
  • Negou de abastecer avião russo, humilhou colaboradores e tentou corromper instituições públicas
  • Tentou fazer lobby na CTA e, para abafar o caso, quis subornar a Inspecção Geral do Trabalho
  • Inspecção encontrou irregularidades que custaram à empresa 40 milhões de meticais em multa

 

Em uma medida rara e contundente, o Governo de Moçambique deu ao director-geral da Vivo Energy Moçambique, o cidadão português João Oliveira e Sousa, um prazo de 48 horas para abandonar o território nacional. A decisão, tomada na última sexta-feira, culminou com a sua declaração como persona non grata, numa sequência de acontecimentos que expõem uma crise de gestão, racismo institucional e conflito com entidades do Estado. João Oliveira e Sousa, que pegou o último voo da TAP, esta segunda-feira, tem no seu histórico, traços de arrogância, que chegou a ser desfilado ainda no decurso de realização de inspecção que viria a identificar irregularidades que custaram, em multa, 40 milhões de meticais a Vivo Energy Moçambique, uma multinacional presente em mais de 20 países. Como se não bastasse, colocou o País numa situação embaraçosa, ao recusar o fornecimento de combustível a um avião russo, sem razão aparente.

 Nelson Mucandze

A gota d’água para a controversa expulsão de João Oliveira e Sousa do cargo de diretor-geral terá ocorrido em Fevereiro deste ano, quando protagonizou um episódio que rapidamente se transformaria numa crise diplomática. Na ocasião, um avião russo aguardava reabastecimento no Aeroporto Internacional de Maputo, tratava-se da aeronave de matrícula RA-96019, um Ilyushin Il-96-300 operado pela companhia estatal russa POCCNR Airlines.

Apesar de todos os trâmites habituais terem sido cumpridos pela tripulação e pela representação diplomática russa, Oliveira e Sousa recusou terminantemente a autorização para abastecimento, alegando que, como a Rússia está sob sanções da União Europeia, a empresa não poderia fornecer combustível.

A suposta decisão, tomada de forma unilateral e sem respaldo legal, ignorou o facto de Moçambique não ter aderido formalmente às sanções impostas pela UE contra a Federação Russa, mantendo, até então, uma posição de não-alinhamento no conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

A atitude do diretor-geral foi recebida com espanto e causou constrangimentos operacionais de grande escala, uma vez que a aeronave ficou retida por várias horas no Hangar do aeroporto, gerando atrasos logísticos e repercussões diplomáticas imediatas.

Como se não bastasse, o embaraço internacional, Oliveira e Sousa agravou ainda mais a situação ao demitir sumariamente a directora de aviação da empresa, Célia Paua que, segundo apurámos, deu seguimento a instruções do seu chefe directo, no caso, o director comercial, que havia tentado intermediar uma solução técnica para o impasse. A demissão foi interpretada como um acto de retaliação interna e gerou tensão entre os quadros superiores da empresa, minando o clima de confiança e governança. O episódio acelerou a perda de apoio político de Oliveira e Sousa, que até então vinha acumulando críticas por uma gestão considerada tecnocrática e pouco sensível às complexidades geopolíticas que envolvem o sector da aviação civil no país.

Um histórico de conflito e discriminação

Mas o caso do avião russo foi apenas o estopim. O histórico recente de João Oliveira e Sousa revela uma gestão marcada por autoritarismo, racismo e tentativas de subversão das normas fiscais e laborais.

Segundo fontes internas e documentos oficiais, o gestor recusou-se repetidamente a colaborar com inspecções do Ministério do Trabalho e da Migração, tendo inclusive fugido fisicamente de agentes em visitas ao local e noutros casos, recusando a sua entrada nos escritórios. A empresa foi multada em 40 milhões de meticais por operar com duas empresas no mesmo edifício e cumprir obrigações legais apenas de uma, no caso a Vivo Energy Moçambique.

É preciso voltar no tempo para uma melhor compressão. É que a Vivo Energy está presente em Moçambique desde 2012 como distribuidora exclusiva de lubrificantes da marca Shell, operando sob o nome Vivo Energy Mozambique. A mudança ocorreu em 2019, quando a empresa adquiriu a Engen Petroleum Mozambique, subsidiária do grupo malaio Petronas que actuava no país desde 1996. Esta aquisição marcou a entrada da Vivo no mercado de distribuição de combustíveis, levando à criação da “Vivo Energy Moçambique” (grafia em português) a partir da antiga Engeny.

A operação gerou uma situação peculiar: passaram a coexistir duas entidades legais, a Vivo Energy Mozambique original (de lubrificantes) e a nova Vivo Energy Moçambique (ex-Engen, de combustíveis). Esta dualidade criou confusão no mercado, já que os nomes eram quase idênticos. Para resolver o problema, a administração optou por manter a ex-Engen como operação principal e renomear a empresa original de lubrificantes para “V.I. Mozambique Trading”, reduzindo progressivamente a sua relevância no negócio.

Esta reestruturação, porém, não se limitou a uma simples mudança de nome. A inspecção de Trabalho, após denunciadas irregularidades, apurou que a manutenção de duas entidades legais separadas teria facilitado esquemas de evasão fiscal e irregularidades laborais, um dos factores que mais tarde resultariam em multas milionárias (40 milhões de meticais) e concederia na polémica expulsão do então diretor-geral da empresa, João Oliveira e Sousa, antes mesmo de completar pelo menos um ano de trabalho, no cargo onde subsistiu Moussa Komaté, que de 18 postos de abastecimentos em 2019, deixou a empresa com 64 postos em Julho de 2024.

Internamente, o comportamento do executivo foi descrito como “terror psicológico”. Diversos quadros nacionais foram despedidos de forma humilhante, incluindo a directora de marketing Jusceline Machevo, única mulher e negra no conselho de administração. Com avaliações positivas e reconhecida competência, foi sumariamente afastada após partilhar comportamentos discriminatórios no seio dos colegas.

Outros nomes como o director financeiro Fabião – funcionário desde 1998 – também foram removidos sem aviso em uma demissão que, segundo o director-geral, visava reduzir os custos da empresa. Para a sua surpresa, o financeiro foi substituído por um gestor branco proveniente da Puma, que aufere mais do triplo do seu salário anterior, ou seja, 1,2 milhões contra 350 mil meticais. Fabião entrou em depressão após conhecer o salário que o seu sucessor viria a receber.

“Essa foi a demissão mais humilhante. O nosso financeiro foi demitido em reunião e entregue a pasta na mesma sala de reunião, sem direito de ter mais acesso ao seu gabinete”, descreve uma das fontes.

Lobby, arrogância e tentativa de corrupção

João Oliveira e Sousa também tentou fazer lobby junto à Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) e, segundo informações apuradas, tentou subornar inspectores do Ministério do Trabalho para evitar sanções à empresa.

Aliás, no decurso das audições da inspecção do Ministério do Trabalho, há relatos de que a postura arrogante denunciada no seio laboral foi ali exposta às autoridades moçambicanas.

Mas não era aquela a primeira vez. Uma fonte da empresa, ouvida pelo Evidências sobre a expulsão do seu director-geral, afirma que desde a chegada de Oliveira e Sousa, vindo de Cabo Verde com um histórico controverso, que inclui expulsão em Zimbabwe, iniciou-se o que os trabalhadores chamam de “destruição de uma cultura empresarial de respeito e meritocracia”. “Ele foi recebido com desconfiança, já sabíamos do que tinha feito lá. Mas não imaginávamos que traria consigo tanto desprezo pela legislação, pelos moçambicanos e pelas instituições”, lamenta um ex-membro da administração.

Do resto, a decisão do Estado moçambicano de expulsar João Oliveira e Sousa é vista por muitos como um gesto de soberania e dignidade institucional. Em um país onde a dependência de investimento estrangeiro frequentemente inibe sanções severas, este caso sinaliza um ponto de viragem, num contexto em que, curiosamente, circulam nas redes sociais denúncias de um racismo institucionalizado no consulado português.

É que, apesar de a Petromoc ter-se desdobrado teve dificuldades de conseguir o combustível suficiente e o cliente da Energy Moçambique que tinha o vínculo com o avião, a AG, conseguiu alguma quantidade com a directora da aviação, que viria a ser expulsa.

A Vivo Energy ainda não se pronunciou oficialmente sobre a expulsão do seu director, mas fontes internas garantem que a empresa procura, discretamente, reorganizar a sua liderança em Moçambique e evitar uma crise de reputação ainda maior. No entanto, o dano já está feito, tanto à imagem da empresa quanto à confiança dos quadros nacionais. Apesar de ter sido contactado para se pronunciar sobre estes factos; até ao fecho desta edição João Oliveira e Sousa não se tinha pronunciado a respeito.

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