O eterno ensaio do diálogo para (ainda) “manutenção da Frelimo?”

EDITORIAL
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Moçambique prepara-se, mais uma vez, para vestir a pele de país do diálogo. Na próxima quarta-feira (10), com pompa de anúncio presidencial, será lançado o chamado Diálogo Nacional Inclusivo. Um nome grandioso, que soa a promessa de ruptura com o passado. Mas, à medida que se percorrem as entrelinhas da realidade política, a sensação que fica é a de que o país continua refém de uma tradição de conversas ensaiadas, com protagonistas de sempre, para resultados de sempre: a manutenção do poder da Frelimo, em detrimento do interesse colectivo.

O discurso oficial insiste na imagem do “povo pacífico, povo de amor e diálogo”. É uma retórica que conforta, mas não convence. Desde o Acordo de Roma, em 1992, não houve, de facto, um único exercício de diálogo que tenha alterado de modo estrutural a forma como o Estado se relaciona com os cidadãos. O que houve foram negociações restritas, quase sempre entre Frelimo e Renamo, feitas à sombra da sociedade civil, cujo papel foi relegado a espectador. No fim, quem saiu fortalecido foi o duopólio político, mas quem saiu fragilizada foi a própria democracia.

Agora, sob o rótulo de “inclusivo”, anuncia-se uma nova tentativa. Mas quais são os sinais de que este diálogo não será apenas mais um ensaio de fachada? Quando se olha para a prática recente do partido no poder, pouco há que sustente a ideia de abertura. O governo que poderia ter sido de inclusão manteve-se fechado em torno de militantes da Frelimo, como se governar fosse um direito hereditário e não uma responsabilidade de Estado. A partidarização continua a corroer instituições públicas, e o resultado é um país em que cidadania plena parece sinónimo de filiação partidária.

O que está em causa não é apenas o formato do diálogo, mas a sua sinceridade. Um diálogo nacional digno desse nome não pode limitar-se a um encontro de partidos políticos; precisa de trazer para a mesa organizações da sociedade civil, académicos, igrejas, sindicatos, associações juvenis, vozes que representem o país real, aquele que sofre com o desemprego, com escolas degradadas, com hospitais sem medicamentos e com transportes indignos. Não basta ouvi-los, mas é precisos integrá-los. Se o diálogo não for capaz de colocar a vida colectiva acima dos cálculos partidários, será apenas mais uma cerimónia para a fotografia.

A juventude, maioritária no eleitorado, já não se deixa seduzir por narrativas de “partido libertador”. Carrega no corpo as marcas de uma governação que falhou em oferecer perspectivas. Ignorar esta geração, mantendo o círculo vicioso de promessas sem mudança, é alimentar a descrença e o descrédito nas instituições.

O país precisa de diálogo, sim. Mas precisa, sobretudo, de diálogo verdadeiro, que reconheça que o poder já não pode ser monopólio de um partido, que aceite que governar é servir e não se apropriar do Estado. Até lá, o risco é claro: a tradição de “acordos de manutenção do poder” continuará a asfixiar a esperança de que Moçambique venha a ser, um dia, um país em que o diálogo signifique transformação e não apenas sobrevivência.

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