Um novo argumento para armar o Estado até aos dentes

EDITORIAL

O Evidências, não sua edição número 98, com capa “Moçambique à beira de Golpe do Estado”, alertou sobre artimanhas do Executivo que podem configurar num golpe de Estado. A ciência tipifica dois tipos de golpe, sendo um Militar, movido por militares como o próprio nome sugere e o outro Constitucional, que resulta da manipulação da legislação para pessoas ou grupos se manterem no poder. É a este último que a abordagem do Evidências de forma interpretativa e explicativa centrou a sua abordagem, mostrando as implicações do jogo de cintura em curso visando usar o debate sobre o adiamento das eleições distritais como trampolim para uma revisão mais profunda da Constituição para acomodar um provável terceiro mandato, através da eleição indirecta do Presidente da República.

O debate foi levantado bem antes da morte do músico Azagaia e da eclosão dos movimentos de homenagem ao rapper conhecido pela sua intervenção, tendo ganho força a máxima do Povo no Poder, título de uma música que lançou há uns 15 anos, mas que devido a contínua degradação socioeconómica da vida dos moçambicanos a música mostra-se intemporal e actual.

O texto que fez a capa do Evidências foi bem fundamentado, aprofundado e compreendido pela opinião pública e por quem de boa-fé procurou lê-lo. Essa constatação de que foi compreendido surgiu pelo facto de o mesmo ter sido legitimado pelos debates públicos que se seguiram.

Sucede, no entanto, que passadas três semanas, o mesmo alerta está sendo distorcido por autoridades com interesses inconfessos e vendido aos incautos para fazer vincar uma narrativa alarmista muito longe do noticiado pelo jornal. Fica evidente a intenção de procurar vender uma imagem de grande perigo para justificar o uso excessivo da força no dia das manifestações.

Na semana passada, vimos e somos capazes de afirmar que a manipulação da notícia visa criar um aproveitamento político que se resume na consolidação de um Estado Policial, com fortalecimento do sector castrense, o que acaba por minar o Estado democrático, por criar um ambiente de tensão e medo num momento de incertezas a todos níveis.

É curioso que só depois da morte da Azagaia tenha se resgatado este conteúdo, que denunciava tentativas de mexidas constitucionais na senda das eleições distritais. Ao Comando Geral da PRM só faltou acusar este jornal de ter morto Azagaia para poder desencadear as homenagens e colocar-se assim em marcha o golpe de Estado.

O vice-comandante da Polícia, que deu a cara para assumir o papel de palhaço ao propagar factos que só existem no relatório da corporação, desconhecidos pelos demais moçambicanos que queriam marchar pacificamente, veio, na sua mentira, denunciar que afinal a estrutura do Estado Unitário, longamente construído pelos heróis deste glorioso país é hoje um projeto em crise. Hoje recuamos para o tempo de tensão, medo e propagação de um discurso de ódio, perseguição e instituição de mais moçambicanos que outros.

Neste momento, para quem circula pela Julius Nharere vê a proliferação de militares, dando azo a uma percepção de um país em alerta. Vislumbra-se logo uma tentativa de alarmar o Estado, colocando tensão que pode afinal, havendo vontade, se acabar com essa tensão através de discurso de concórdia, unidade e compromissos renovados de respeitar a Constituição de República. A quem interessa esse retrato de medo e alerta?

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