Com um balde e um “sonho”: jovens lavam vidros para sobreviver nas avenidas de Maputo

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  • Jovens reinventam-se para fintar o desemprego

Às seis da manhã, quando o sol nasce no centro da capital do país, Maputo, Moisés Zeferino Chissano, de 21 anos, já está sentado junto à estátua de Eduardo Mondlane, na avenida com o mesmo nome. À espera do primeiro engarrafamento, o jovem prepara o seu balde, um pequeno recipiente de plástico com sabão líquido e o limpador de vidros. É o início de mais um dia de trabalho nas ruas de Maputo.

Elísio Nuvunga

Quando o sol nasce sobre o asfalto quente de Maputo, a cidade desperta ao som das buzinas, dos chapas apressados e do murmúrio constante de quem tenta chegar ao trabalho. Entre os carros parados nos semáforos, dezenas de jovens empunham baldes, panos e limpadores de vidro. Transformaram os engarrafamentos em fonte de sobrevivência, os cruzamentos em local de trabalho e o improviso em modo de vida.

Entre eles está Moisés Zeferino Chissano, de 21 anos, que todos os dias chega à Avenida Eduardo Mondlane antes das seis da manhã. Traz consigo um balde gasto e um frasco de sabão líquido.

“Chego aqui às seis e só saio por volta das 17 ou 18 horas, quando o movimento termina”, conta Moisés, enquanto observa os carros que param nos semáforos. Natural de Xai-Xai, na província de Gaza, veio para Maputo em 2019, a convite de um amigo que já se dedicava à mesma actividade.

“Lá em casa eu vendia capulanas, mas o negócio não andava porque são muitos que fazem esse negócio e, lá não tem muito movimento como aqui. Aqui em Maputo não ganho muito, mas dá para sobreviver. Aqui, por exemplo, consigo fazer alguma coisa com esse trabalho mesmo não sendo muito”, acrescenta.

Por dia, Moisés faz entre 200 e 300 meticais, “dependendo do movimento”.  Com ou sem movimento, consegue custear as suas necessidades básicas, com destaque para 1.200 meticais de renda no bairro de Luís Cabral, bairro onde vive, a alimentação e a sua vestimenta. Mas nem todos dias são iguais. As condições climáticas são determinantes para o seu ganha-pão.

“Nos dias de chuva é pior, quase ninguém quer que se lave os vidros. Nesses dias vendo pipocas, chocolates e bolachas, só para não ficar parado”, explica o jovem, que sonha um dia abrir um “car wash ou uma pequena barraca”.

Mas a actividade, embora pareça simples, tem os seus dramas. “Nem todos dão dinheiro. Às vezes limpamos o vidro, o carro arranca e nem olham para nós. Já estou habituado”, diz Moisés, sem esconder um leve sorriso resignado.

“Aqui não cobramos nada. Os condutores dão o que eles querem pode ser cinco, 10 e outros podem dar 20 ou 50 meticais por sentir pena”, remata.

Uma actividade que ganha vida nas esquinas da capital

A poucos quilómetros dali, na avenida Vladimir Lenine, Efraime Cossa, de 25 anos, também depende do mesmo ofício. Casado e pai de uma menina de dois anos, vive com a esposa e a mãe, a quem ajuda a sustentar com o pouco que ganha nas ruas.

“Não escolhi fazer isto. O desemprego é que me empurrou para aqui”, confessa, enquanto aperta o seu limpador improvisado e uma garrafa de um litro e meio com sabão diluído. Efraime diz que não tem um rendimento fixo.

“Há dias bons e dias maus. O importante é assustar a pobreza e não morrer de fome”, disse sem delongas, com o olhar perdido entre os carros.

O jovem reconhece que o trabalho é duro e incerto, mas garante que só uma proposta ou oportunidade de emprego o faria abandonar as ruas.

“Na estrada não há garantias. Se aparecer uma oportunidade melhor, saio daqui sem olhar para trás”, afirma, limpando o suor da testa.

Na movimentada Avenida 24 de Julho, perto do bairro Fajardo, o cenário repete-se. Entre adolescentes e jovens, cerca de dez rapazes correm de carro em carro com limpadores e baldes nas mãos. O objectivo é o mesmo: garantir o pão de cada dia.

“Aqui somos uns dez. Trabalhamos mais quando há engarrafamentos, de manhã, à hora do almoço e no fim do dia (hora da ponta)”, explica Américo, residente no bairro da Malanga.

Para ele, há os bons e os maus quando se trata de ajudar com algum valor monetário: “Os chapas são os que mais ajudam. Às vezes dão dez meticais. Já os particulares, depende da vontade de cada um”, acrescenta.

Adolfo Rafael, outro jovem da mesma zona, diz que o segredo é estar atento e ser rápido. “Temos de correr atrás das viaturas antes que o semáforo mude. Se o carro arranca, perdemos a chance”, conta, ofegante.

Um grito “silencioso de inclusão económica”  

Em 2023, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou que 36% dos jovens da cidade de Maputo estavam desempregados, a taxa mais elevada do país, quando comparada com a média de 18% registada nas restantes províncias.

De forma geral, dados do Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF) 2022, publicados em Agosto de 2023, indicavam que cerca de 18,4% da população moçambicana em idade activa encontrava-se desempregada. No mesmo inquérito, a cidade e a província de Maputo apresentavam as maiores taxas de desemprego, com 36,5% e 33,1%, respectivamente, enquanto a província de Tete registava a menor taxa, cerca de 13%.

Enquanto isso, o Governo anunciou recentemente que pretende reduzir a taxa de desemprego de 18,4% para 17% até 2029, apostando na dinamização do sector privado como motor da criação de postos de trabalho. Contudo, o Executivo reconhece a existência de “desafios estruturais significativos” no mercado de trabalho, incluindo a persistência de uma taxa de desemprego juvenil elevada, actualmente estimada em 33,4%, segundo um relatório governamental sobre as perspectivas para o período 2025–2029, a que a agência Lusa teve acesso.

O sociólogo Carlos Manhiça, ouvido pelo Evidências, explica que este fenómeno é uma “expressão urbana do desemprego estrutural no país, pois “estes jovens não estão nas ruas porque querem. Estão lá porque o trabalho formal não os absorve”, explicou o sociólogo, concluindo que “o que fazem é, no fundo, um grito por inclusão económica e dignidade”.

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