Município da Matola vai gastar quase um bilião de meticais para asfaltar 24 km e mais 100 milhões só para fiscalização

POLÍTICA SOCIEDADE
  • Calisto Cossa novamente em contratos nebulosos
  •   Valor é mais do dobro do custo da estrada Naguema-Chocas Mar, com 36 km
  •   Cálculos apontam para 450 milhões de meticais, a razão de 18 milhões por quilómetro
  •   Município diz que “não se pode apenas olhar para o valor em si”

Mais uma vez o Município da Matola, dirigido por Calisto Cossa, volta a estar no meio de uma polémica por indícios de subfacturação de obras públicas. Através de um anúncio datado de Novembro de 2021, o Município da Matola adjudicou a construção de 24 quilómetros de estrada à empresa Construções JJR e Filhos Moçambique, SA. Até aí tudo bem, mas o que salta à vista de todos são os números envolvidos. A construtora vai embolsar cerca de um bilião de meticais por aquele troço de 24 quilómetros, valor considerado por especialistas ouvidos pelo Evidências como sendo extremamente alto. A título de exemplo, a estrada Naguema-Chocas Mar, na província de Nampula, com 36 quilómetros, construída de raiz num troço que inclui aquedutos, custou aos cofres do Estado apenas 416 milhões de meticais. Entretanto, o Município da Matola considera que o valor está dentro dos padrões.

Texto: Reginaldo Tchambule e Duarte Sitoe

Não é de hoje que o município dirigido por Calisto Cossa surge associado a contratos de obras públicas nebulosas. Várias denúncias públicas apontam desde o seu primeiro mandato para uma relação promíscua entre a edilidade e algumas empresas, sobretudo ligadas às áreas da construção e salubridade.

No mais recente concurso público, o júri da UGEA do Conselho Municipal da Matola não surpreendeu. Entregou um lote de construção de 24.5 quilómetros de estradas municipais a uma empresa que conhece bem os cantos da casa. Trata-se das Construções JJR e Filhos Moçambique, SA, que tem sido assídua na adjudicação de empreitadas por parte da edilidade. Além do histórico de entregar para aquele Município estradas de péssima qualidade, como é o caso da estrada que liga o bairro Patrice, passando por S. Damásio, para Nkobe, que apesar de recente já tem buracos.

Desta vez, aquela empresa de origem portuguesa, com alguma ligação com a elite política nacional, vai embolsar quase um milhão de meticais (935.425.534,67 meticais – novecentos e trinta e cinco milhões, quatrocentos e vinte e cinco mil, quinhentos e trinta e quatro meticais e sessenta e sete centavos).

O valor é considerado extremamente alto por especialistas ouvidos pelo Evidências, que adiantam que o custo médio do mercado por quilómetro quadrado é de 18 milhões de meticais para uma estrada de revestimento duplo com asfalto, que tem sido construídas na edilidade desde que Calisto Cossa assumiu o poder.

Tendo em conta o custo médio aplicado no mercado, de 18 milhões de meticais por quilómetro quadrado, o especialista entende que os 24.5 quilómetros de estrada, sem nenhuma subfacturação, custariam menos de 450 milhões de meticais, ou seja, muito menos de metade dos 935 milhões que o Município da Matola vai pagar à Construções JJR.

Como se tal não bastasse, o fiscal da referida obra, a IDTO, foi seleccionado a dedo por ajuste directo e vai embolsar quase 100 milhões de meticais (92.336.400,00 meticais), um valor também tido como bastante elevado e que levanta indícios de alguma indisciplina financeira nos cofres daquele município.

Mais do dobro do custo da estrada Naguema-Chocas Mar, com 36 km

Só para se ter uma ideia, o orçamento de quase um bilião que o Município da Matola vai gastar para construir 24 quilómetros de estrada é mais do que o dobro do que o Governo central necessitou para construir praticamente de raiz a estrada Naguema-Chocas Mar, no distrito de Mussoril, na província de Nampula, que dá acesso à zona da praia onde o Chefe de Estado, Filipe Nyusi, tem interesses económicos, incluindo uma badalada estância turística e casa de praia.

Para construir o troço Naguema-Chocas Mar, numa extensão de 36 quilómetros, quase o dobro da que vai ser contraída na Matola, o governo, através do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, pagou menos de metade do que Calisto Cossa vai pagar à JJR.

O orçamento da asfaltagem de 35 quilômetros de estrada da localidade de Naguema à Chocas-Mar foi de 416.6 milhões de meticais e o município liderado por Calisto Cossa vai pagar mais do que o dobro em apenas 24 quilómetros, ou seja, mais de 935 milhões.

Um dado importante é que a estrada Naguema-Chocas Mar (ER 699) inclui viadutos e foi construída com uma base reforçada, pelo facto de o solo da região ser propenso ao alagamento e inundações.

“Não se pode apenas olhar para o valor em si” – Município justifica-se

Reagindo à polémica sobre a adjudicação de 24 quilómetros de estrada a um valor a rondar os um bilhão de meticais, Firmino Guambe, porta-voz do Município da Matola, limitou-se apenas a referir que não se trata de reabilitação de estrada, mas de uma construção de raiz, sem, no entanto, entrar em detalhes sobre a disparidade com o preço do mercado e o facto de outras obras do género terem custado muito menos.

“Primeiro convém explicar que não se trata de reabilitação de estrada. Trata-se da asfaltagem de novas estradas dentro do Município da Matola. Não se pode apenas olhar para o valor em si, trata-se de obras que vão levar cerca de dois anos para serem executadas. Há diferença entre reabilitar e construir novas estradas”, disse Guambe.

Desde a tomada de posse de Calisto Cossa, a JJR e Filhos, com ligações à elite moçambicana, é a empresa responsável pela reabilitação e construção de novas estradas no Município da Matola. Este facto deixa os outros empreiteiros agastados, uma vez que consideram que há uma relação de promiscuidade entre a edilidade e JJR.

Entretanto, Guambe explicou que a escolha do empreiteiro é feita através do Concurso Público do qual se escolhe o empreiteiro que reúne os requisitos exigidos, neste caso a JJR e Filhos.

“Quando há obras de reabilitação ou de asfaltagem de estradas, lança-se o Concurso Público onde todos os empreiteiros são chamados a concorrer. As empresas concorrem e se escolhe a que reúne os requisitos necessários. Importa afiançar que não é o município quem decide a empresa a executar as obras. Aliás, depois de se apurar o vencedor todo o expediente é analisado pelo Tribunal Administrativo para se constatar se houve ou não irregularidades”, declarou a fonte, para depois acrescentar que a edilidade nunca recebeu queixas de outros empreiteiros sobre os concursos públicos naquela autarquia.

“Felizmente, nunca recebemos uma denúncia ou reclamação sobre os concursos públicos. Depois da publicação dos resultados, as empresas têm espaço para reclamar, mas ninguém veio reclamar”, sublinhou.

Sobre o fiscal da obra que vai receber cerca de 100 milhões de meticais, a fonte declarou que o valor está dentro dos padrões cobrados nos mercados.

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