Implementação da Lei do Conteúdo Local divide cada vez mais opiniões

ECONOMIA

Depois de o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, ter defendido ser insustentável a criação de uma Lei de Conteúdo Local, por esta distorcer os preços e provocar corrosão de competitividade no mercado internacional, há cada vez mais vozes que defendem não ser um imperativo ter uma Lei do Conteúdo Local, que, de resto, está estagnada há muito tempo. No entanto, o Centro de Integridade Pública defende a urgência daquele dispositivo legal para que as empresas nacionais tenham mais oportunidades de prestar serviços nos megaprojectos.

Duarte Sitoe

A Lei de Conteúdo Local impõe que 5 a 20% do capital social da empresa concessionária deve ser reservado para a participação de pessoas públicas e privadas nacionais, incluindo uma componente freecarry e outra de alienação, através da Bolsa de Valores de Moçambique para pessoas singulares.

No entanto, as aspirações do empresariado nacional, sobretudo Pequenas e Médias Empresas Nacionais, de verem a lei de conteúdo local aprovada parecem cada vez mais longe de se tornarem realidade, sobretudo neste contexto em que o governo e alguns sectores relevantes começam a questionar a sua viabilidade.

Numa altura em que havia muitas expectativas de que a Lei do Conteúdo Local, cujo anteprojecto está em hibernação há vários, havia de sair finalmente do forno, o Presidente da República, Filipe Nyusi, acaba de deixar clara a visão do governo sobre o assunto, considerando aquele instrumento insustentável.

Dias depois, o posicionamento do Presidente da República parece estar a ganhar eco. Falando numa mesa redonda sobre o Conteúdo Local nos Projectos de Gás em Moçambique, o presidente-executivo da Câmara de Petróleo e Gás de Moçambique, Florival Mucave, junta-se a essa corrente e defende que é necessário que se crie uma visão ou estratégia sobre o conteúdo local

“Não é imperativo ter uma lei do conteúdo local, é imperativo ter uma visão estratégica sobre o Conteúdo Local. Infelizmente, corremos para a lei e percebemos no meio do caminho que não temos uma estratégia clara daquilo que pretendemos”, sublinha.

No seu entender, a falta de uma estratégia clara fez com que a lei não avançasse, pois haviam muitas lacunas, não obstante o facto de o país ser basicamente importador.

“Temos que desconstruir alguns conceitos e ter estratégias claras sobre o conteúdo local. É importante uma visão e uma política de conteúdo local antes de uma lei. A lei vai criar balizas na implementação de uma estratégia, se não temos esta estratégia que balizas vamos ter?”, questionou.

Mucave entende que Moçambique deve olhar para os países do mar do norte quando se fala em conteúdo local, defendendo que a Noruega tornou-se uma grande potência mundial no mercado de oil & gas através da transferência de conhecimento e capital para as empresas nacionais.

“Quando se fala de conteúdo local temos que olhar para os exemplos dos países do mar do norte. Nós chamamos de rein-sinking a parceria entre as empresas moçambicanas e estrangeiras, mas a Noruega tornou-se potência que é hoje através das joint-ventures. A Noruega olhou para aquilo que é a transferência do conhecimento para as empresas nacionais e focalizou-se nisso. A questão das joint-ventures, para mim, é primordial, temos que fazer parcerias para adquirir conhecimento e capital”, sustenta.

CIP diz que sem Lei de Conteúdo Local pode se repetir experiência da Sasol

Por sua vez, o pesquisador do Centro de Integridade Pública, Rui Mate, defende que a Lei de Conteúdo Local deve ser urgentemente aprovada para que as empresas moçambicanas tenham mais oportunidades de prestar serviços nos megaprojectos.

Rui Mate entende que as expectativas em volta dos benefícios indirectos das operações do Projecto Coral Sul para os moçambicanos só poderão ser materializados se a partir de agora bens e serviços forem adquiridos localmente e mão-de-obra moçambicana for contratada.

“Estas acções podem contribuir para a diversificação económica e desenvolvimento social, evitando o caso da Sasol que mostra poucas ligações com a economia local, conforme mostrado pelos indicadores do PIB e PIB per capita da província de Inhambane onde está instalado o projecto. Para que este projecto se ligue à economia e promova a sua diversificação, existem desafios que devem ser superados. Para além do financiamento do projecto ser externo e orientado para as exportações, a economia formal do país é muito pequena, de base rural e dominada por empreendedores que operam no nível mais baixo do espectro de médias e pequenas empresas”, defendeu Mate.

Prosseguindo, a fonte acrescentou que com a aprovação da Lei do Conteúdo Local as empresas nacionais teriam mais oportunidades de participarem nos megaprojectos.

“A existência de uma lei específica que regule a incorporação do conteúdo local neste projecto pode ajudar a evitar, por exemplo, a situação actual de uso de um hotel flutuante, que não se terá muito controlo sobre a sua cadeia de fornecimento de bens e serviços e nem informações sobre as contribuições fiscais do mesmo e nem o envolvimento de mão de obra moçambicana. Esta situação acontece enquanto que condições logísticas locais existem para o efeito”.

ACIS defende capacitação para incremento da qualidade

Para o director-executivo da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS), Edson Chichongue, antes da Lei do Conteúdo Local é importante capacitar as empresas moçambicanas para tirarem benefícios dos megaprojectos na Bacia do Rovuma.

“É necessária uma Lei do Conteúdo Local, mas as empresas moçambicanas só vão tirar benefícios dos megaprojectos se tiverem capacidade técnica e financeira. Temos problemas estruturais na nossa economia, o Estado deve fazer reformas. Nos últimos anos, este país regrediu muito no que diz respeito a reformas económicas. Hoje, estamos numa situação em que o Governo e o sector privado parecem inimigos, quando deviam ser parceiros e juntos discutir o caminho que este país deve trilhar para desenvolver”, declarou Chichongue.

Numa outra abordagem, o director-executivo da ACIS observou que a existência de uma Lei de Conteúdo Local não é dado adquirido e nem a certeza de que as empresas moçambicanas terão espaço nos megaprojectos, destacando que o grosso das propostas constantes desta lei já está prevista na Lei de Minas e na Lei que estabelece as Normas orientadoras do Processo de contratação, implementação e monitoria de empreendimentos de parcerias público-privadas, de projectos de grande dimensão e de concessões empresariais.

INP promete auditoria para aferir o nível do conteúdo local

Dando a entender que passados estes anos todos ainda existem muitas zonas de penumbra, Simon Santi, representante da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), observou que a propalada Lei de Conteúdo Local deve clarificar o seu campo de actuação, uma vez que, na sua opinião, não se pode misturar operações em terra (onshore) e no mar (offshore)

“Não podemos pensar que o sector extractivo pode avançar só com fundos que o país detém, mas sim de financiamento estrangeiro, e devemos valorizar muito o que é produzido por empresas nacionais. Há necessidade de alcançarmos os níveis ideais de participação nos grandes investimentos”, defendeu Simoni Santi, do pelouro dos Recursos Naturais e Energia da CTA

Já Natália Camba, representante do Instituto Nacional do Petróleo (INP), tornou público que o Governo orientou as multinacionais para retirar o pedido de certificação que limitava a participação das empresas nacionais nos megaprojectos.

Ainda na mesa redonda organizada pelo CIP, Camba adiantou que o Governo vai fazer uma auditoria às empresas concessionárias para apurar o nível de conteúdo local, sendo que os resultados serão tornados públicos na primeira quinzena de Maio.

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