MINEDH assume erros nos manuais escolares, mas não fala de responsabilização

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Mais uma vez a culpa vai morrer solteira
  • Ministério promete errata e uma Comissão de Inquérito
  • Não falou em nenhum momento em revisitar os contratos

Desde a semana passada, uma onda de indignação tomou conta dos moçambicanos, na sequência da descoberta de vários erros básicos e de palmatória nos manuais do ensino primário e secundário público em Moçambique, numa altura em que a qualidade de educação tende a baixar. A gota de água foram erros imperdoáveis no manual de ciências sociais da 6ª classe, da autora Firoza Bicá, sob chancela da Porto Editora. Regra geral, os manuais são produzidos por consórcios nacionais e internacionais num processo pouco transparente e que abre espaço para corrupção. Como que a confirmar ligações de promiscuidade no negócio dos manuais escolares, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Rural (MINEDH) veio a terreiro, este Domingo, reconhecer os erros, pedir desculpas e prometer elaborar erratas para distribuir por todas as escolas, mas em nenhum momento falou de alguma responsabilização, embora os contratos comerciais estabelecem termos para responsabilização, inclusive suspensão da sua eficiência, em caso de incumprimento ou erros como estes.

Evidências

Erros básicos de geografia, má indicação de páginas, ilustrações erradas, erro na indicação de cores, números por extenso mal escritos, entre outros, tem sido comuns nos manuais do Sistema Nacional de Ensino (SNE).

Na última semana, poucos dias depois de terem chegado ao país os manuais escolares do ensino primário, com atraso de quase seis meses, a sociedade moçambicana ficou chocada com a quantidade de erros nos novos livros, num ano em que entra em vigor um novo currículo para o nível básico.

A situação mais flagrante e que chamou a atenção dos moçambicanos é do livro de Ciências Sociais da 6ª Classe, de distribuição gratuita, editado pela Porto Editora, cuja autora responde pelo nome de Firoza Bicá.

O erro mais grave está na página 48, em que consta que Grande Zimbabwe, um Estado que existiu entre 1250 e 1450, fazia limites com o Mar Vermelho e o Golfo de Aden, a Norte; com o Malawi e a Zâmbia, a Sul; com o Oceano Índico a Este; e República Democrática do Congo e Sudão, a Oeste.

Todas as indicações estão completamente erradas, pois o Mar Vermelho e o Golfo de Aden estão acima do corno de África, na zona limítrofe com a Ásia. O mesmo acontece com o Malawi e a Zâmbia, que se localiza na zona Norte do Zimbabwe e não sul como erradamente vem escrito. A Este não havia como Grande Zimbabwe fazer fronteira com o Oceano Índico, pois estendia-se apenas até os territórios hoje correspondentes a Manica.

Ainda no mesmo livro, apresenta o lago Niassa com o nome Lago Malawi; enquanto o rio Inharime, na província de Inhambane é apresentando como o Rio dos Bons Sinais, um rio, no entanto, localizado na província da Zambézia. Como se tal não bastasse, a autora faz uma salada com os países da África Austral e Oriental.

Do pedido de desculpas

Este é somente um exemplo de vários reportados em outros manuais de várias classes, o que levou o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) a pedir desculpas, no último domingo, reconhecendo os erros, contudo, não fala de nenhuma responsabilização. No entanto, anunciou a abertura de um inquérito para apurar o que realmente aconteceu.

Segundo Gina Guibunda, porta-voz do Ministério dirigido por Carmelita Namashulua, o Ministério vai produzir uma errata que será distribuída por todas as escolas. E mais, dando a entender que houve uma vista grossa, assume que os erros foram constatados llogo à chegada dos livros no país durante a revisão dos conteúdos.

“Nós sabemos que o facto de o livro estar na posse dos alunos, dos professores e/ou encarregados de educação, pode ter criado algum constrangimento e, por este motivo, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano pede desculpas. Quero tranquilizar os pais que este conteúdo ainda não foi leccionado. Quando chegar o momento de ser leccionado, a errata certamente estará na posse dos professores, a partir da qual vão poder conduzir o processo de ensino e aprendizagem”, disse, anunciando um trabalho aturado de verificação dos conteúdos em todos os livros produzidos.

Há uma grande pressão para que o governo possa accionar as cláusulas dos contratos para obrigar a empresa produtora do livro, neste caso a Porto Editora, que foi responsável pela contratação da autora Firoza Bicá, a corrigir o erro e repor o manual em condições de qualidade aceitável, no entanto, o Ministério adianta-se dizendo que “o livro não vai ser deitado fora. Foi feito um investimento enorme em relação ao livro. Este ano, a errata há-de ir à parte porque o livro já está com os alunos e professores. No entanto, quando se fizer a reposição do livro, esta será feita depois de inseridas todas as correcções”.

Refira-se que antes da impressão o livro passa por uma edição, revisão e uma Comissão de Avaliação, composta por 20 especialistas, incluindo docentes universitários, verifica a conformidade do manual e antes de chegar às mãos dos alunos, passa pela validação de cinco especialistas, mas mesmo assim, a qualidade dos manuais deixa muito a desejar. O MINEDH finca pé que todas essas etapas foram cumpridas.

“A produção do livro obedece a várias etapas. Uma delas é o lançamento de um concurso de contratação de consultoria editorial. Esta editora contrata os autores, os revisores dos conteúdos, os ilustradores, maquetizadores, enfim… contrata todos aqueles que são necessários para a produção do livro. Depois, o livro é submetido à avaliação, onde é elaborado um relatório pela respectiva Comissão de Avaliação com recomendações específicas para cada livro e para cada conteúdo. Este relatório e estas recomendações são enviados para consultoria editorial. Depois, as editoras inserem as observações e, de seguida, é enviado para o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação e depois verifica-se se há ou não alguma questão a mais a ser corrigida e, por fim, vai à impressão”, assegura.

Indícios de corrupção no negócio de livros

Três grupos de empresas actuam no mercado da produção do livro escolar em Moçambique. O primeiro é constituído pelas maiores e mais antigas empresas multinacionais do sector em Moçambique, nomeadamente Plural Editores, do grupo Porto Editora, Texto Editora, do grupo Leya e a Pearson/Longman.

No período imediatamente após a liberalização da produção do livro escolar no país houve algumas queixas a nível da Procuradoria-Geral da República contra o MINEDH devido à alegada manipulação do procurement para a aquisição dos manuais escolares em benefício de determinados fornecedores.

De acordo com o Centro de Integridade Pública (CIP), num estudo publicado este ano, tratando-se de manuais adquiridos com fundos internacionais, os concursos do MINEDH para a contratação das editoras são monitorados pelo Banco Mundial, um dos integrantes do FASE, com base em padrões internacionais. Mas, isto não impede, de forma alguma, a ocorrência de esquemas de corrupção.

“Face a extrema exposição do negócio do livro escolar a riscos de corrupção, alguns países da África Subsaariana envolvem a sociedade civil em todas as fases da provisão do livro escolar de forma a garantir maior transparência no processo e, por conseguinte, evitar casos de corrupção. Aliás, especialistas no negócio do livro escolar aconselham aos governos a envolver cada vez mais a sociedade civil na cadeia da provisão do livro escolar como medida para aumentar a monitoria e, por via disso, reduzir os custos anuais com a aquisição dos manuais escolares causados por problemas estruturais”, defende o CIP.

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