Namashulua dispensou os inspectores e vestiu a capa de porta-voz da Comissão de Inquérito

POLÍTICA
  • No dia em que a ré vestiu a batina e leu a sentença
  • Inquérito recomenda responsabilização da Porto Editora e demissão de I. Nheze e G. Guibunda
  • Nada diz sobre responsabilização da ministra, que é quem autoriza os livros

Nos termos do número 1, do artigo 6 do Diploma Ministerial n.º 84/2016 de 23 de Novembro, que fixa o Regulamento de Avaliação do Livro Escolar, cabe o ministro da Educação e Desenvolvimento Humano, sob proposta da Comissão de Avaliação do Livro Escolar, aprovar um livro para ser adoptado e usado no Sistema Nacional de Ensino, ou seja, é a esta entidade que recai a responsabilidade última. No entanto, apesar de ser parte da massa que está a ser investigada no âmbito do escândalo do livro escolar, a ministra da Educação e Desenvolvimento Rural, Carmelita Namashulua, num flagrante conflito de interesses, decidiu dispensar os inspectores e relatores da Comissão de Inquérito e chamar para si o dever de divulgar os resultados da investigação, o que aumenta as suspeitas sobre a independência da investigação.

Reginaldo Tchambule

Depois de 15 dias de investigação, foram tornados públicos, na terça-feira da semana passada, os resultados da Comissão de Inquérito constituída no âmbito da investigação do escândalo dos erros básicos e de palmatória nos manuais do Sistema Nacional de Ensino, com destaque para o livro de ciências sociais da 6ª classe.

O relatório aponta para negligência por parte dos intervenientes no processo de produção, revisão e avaliação do livro, por isso a Comissão de Inquérito recomenda a responsabilização da Porto Editora, nos termos estabelecidos nas cláusulas contratuais, e o afastamento dos cargos directivos, do director do INDE, Ismael Nheze, e do pelouro do Ensino Primário, Gina Guibunda, que era cumulativamente porta-voz do ministério.

Com conclusões bastante superficiais, segundo algumas críticas, o relatório de inquérito relatou terem sido detectados procedimentos essenciais que foram ignorados, tendo resultado nos problemas publicamente detectados.

No entanto, o que chamou atenção e adensou o coro de dúvidas sobre a transparência da investigação foi a porta-voz da comissão de inquérito. O relatório foi divulgado pela ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, em clara crise de imagem e numa busca indisfarçável de limpar a sua imagem.

Embora fosse parte da massa sob quem devia recair a investigação, Namashulua dispensou os inspectores e vestiu a capa de porta-voz da Comissão de Inquérito como que a alhear-se de qualquer responsabilidade. Para o leitor ter mais ou menos ideia, imagina um caso em que um réu, veste a batina do juiz e lê a sua própria sentença.

Como tal veio da boca da ministra Namashulua, citando o inquérito, a recomendação de responsabilização da Editora e o afastamento dos cargos directivos, do director do INDE e do pelouro do Ensino Primário, os quais arriscam-se a responder a processos disciplinares e criminais. Na ocasião, revelou que o inquérito cuja contestação não foi apresentada vai ser submetido à Procuradoria-Geral da República para aferição de responsabilidade criminal.

“Os livros foram aprovados pelo INDE (Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação) sem ter obedecido todas as fases de avaliação previstas nas cláusulas contratuais”, referiu a ministra, para depois revelar alguma conduta dolosa por parte da editora, pois há erros detectados antes da impressão dos manuais, mas esta supostamente ignorou a recomendação para a correcção.

Pela primeira vez desde que o escândalo foi despoletado, o ministério admitiu recorrer às cláusulas contratuais para responsabilizar a editora portuguesa pelos erros básicos contidos não só no manual da 6ª classe.

“As correcções apresentadas, constantes dos relatórios de avaliação dos consultores, não foram integralmente acatadas pela Porto Editora (editora dos manuais), o que revela negligência, por parte desta, no cumprimento das suas obrigações contratuais,” explicou a ministra.

Namashulua é quem tem a última palavra antes da adopção de um livro em Moçambique

Para se ter uma ideia do grau de envolvimento da actual ministra da Educação e Desenvolvimento Rural no escândalo dos erros em quase todos os livros escolares do ensino primário e secundário, basta consultar o Diploma Ministerial n.º 84/2016 de 23 de Novembro, que fixa as normas para a edição, publicação, aprovação e distribuição do livro escolar.

O referido decreto, no número 2 do artigo 6, deixa claro a quem cabe a responsabilidade última para que um livro entre em circulação no território nacional, ou seja, a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano.

“A adopção dos livros é da competência do ministro da Educação e Desenvolvimento Humano sob proposta do CALE”, lê-se no artigo 6, que escancara de forma clara o conflito de interesse de Carmelita Namashulua, que num país em que a ética governa as instituições devia ter se abstido de apresentar os resultados da Comissão de Inquérito, cuja investigação devia, em condições normais, incluir a própria titular da pasta.

Mas o escândalo da falta de ética da ministra ao vestir a capa da Comissão de Inquérito não para por aí. No número 2 do artigo 5 do mesmo diploma ministerial, consta como responsabilidade da ministro da Educação e Desenvolvimento Humano a aprovação oficial dos critérios de avaliação do livro escolar, ou seja, Carmelita Namashulua é quem homologou a Ficha de Avaliação que foi usada para avaliar os livros que foram parar nas mãos das crianças com erros de palmatória.

O Diploma Ministerial n.º 84/2016 de 23 de Novembro foi aprovado em 2020, ou seja, quatro anos antes de Namashulua assumir a pasta da educação, mas foi sob seu auspício em que foi revisto o programa curricular escolar, que inclui a entrada em vigor de novos manuais, em substituição dos anteriores que vigoravam há 14 anos.

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