Estudantes da UEM e UP aliciados e enganados

SOCIEDADE
  • Mais um caso de burla envolvendo a Visão Juvenil
  • Foram prometidos estágios remunerados e não viram a cor do dinheiro
  • Visão Juvenil justifica que não tiveram subsídios porque não apresentaram relatórios
  • MINEDH reconhece que foi enganado pela visão juvenil e rescinde o contrato

 

Não é a primeira vez que a Visão Juvenil, uma organização que se apresenta como tendo objectivo de fortalecer as capacidades dos jovens, é associada a burla. Desta vez, as vítimas da instituição liderada por Abel das Neves são estudantes finalistas da Universidade Eduardo Mondlane e Universidade Pedagógica de Maputo, que denunciaram ao Evidências terem sido aliciados para aderirem a um programa de estágios profissionalizantes com um subsídio mensal de 6.500 meticais, mas debalde terminaram o mesmo sem ver a cor do dinheiro e não receberam nenhum material para executarem as suas actividades, como prometido. Na sua versão dos factos, Abel Neves rebate referindo que os mesmos não cumpriram com o que está estabelecido no contrato. Para a viabilização do programa, a Visão Juvenil havia firmado um memorando de entendimento com o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, que agora assume que foi enganado e que a Visão Juvenil usou o seu nome indevidamente, tendo, por isso, rescindido o contrato que ligava as duas partes.

 Duarte Sitoe

Em Moçambique, terminar o ensino superior não é sinónimo de que o licenciado será bem-sucedido no restrito mercado de emprego que logo à partida aparece a barreira da experiência profissional. Cientes das dificuldades que teriam depois de terminarem os seus cursos, os estudantes finalistas do curso de psicologia das Universidades Eduardo Mondlane e Universidade Pedagógica ficaram maravilhados quando lhes foi apresentada a ideia do estágio profissionalizante nas escolas e com remuneração.

Entretanto, o que parecia um mar de rosas acabou defraudando as expectativas dos universitários que estão arrependidos por terem cruzado o caminho da instituição liderada por Abel das Neves.

Maria Miguel, visivelmente aborrecida, contou como os estudantes foram aliciados a entrar na “boca do leão”. Para conseguir os seus intentos, Das Neves entrou em contacto com as universidades para apresentar o seu ambicioso projecto, sendo que os directores de curso ficaram com a responsabilidade de mobilizar os estudantes para se candidatarem ao estágio profissionalizante com direito a remuneração mensal de 6.500 meticais.

“Quando o nosso director de curso (psicologia) veio nos apresentar o projecto ficamos maravilhados. Olhamos para a iniciativa como uma ferramenta que podia nos ajudar no mercado de emprego. No papel tudo era perfeito e não tivemos dúvidas no acto da assinatura do contrato”, contou a fonte.

Miguel lembra que no início do estágio a falta do material prometido levantou algumas suspeições sobre a seriedade da Visão Juvenil, uma vez que nas reuniões que tiveram Abel das Neves garantiu que o projecto era financiado pela USAID e com o conhecimento do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

“Cada estudante tinha a missão de elaborar uma lista do material que ia usar nas suas actividades. Elaboramos a lista do material, mas o mesmo não chegou a ser disponibilizado”, rematou.

Uma outra estudante, que preferiu se identificar por Luísa, conta que ao se aperceberem que a Visão Juvenil não estava a cumprir com o que estava plasmado no contrato pediram uma reunião para reivindicar os seus direitos, porém as mesmas acabavam com promessas.

Luísa conta que Das Neves sempre justificava que os doadores ainda não tinham disponibilizado os fundos para o projecto.

“As reuniões que tivemos não tinham uma agenda clara, o senhor Abel chegava para falar das coisas que lhe apeteciam e quando confrontado pelos estudantes sobre os salários esboçava um sorriso, mostrando que não se preocupava com a nossa aflição”, denuncia.

“Os relatórios como bode expiatório para não congelar subsídios”

No contrato assinado entre a Visão Juvenil e os estudantes universitários, estes tinham a obrigação de submeter semanalmente a proposta do plano de actividades e o respectivo relatório.

De acordo com Manuel Manjate, outra vítima, mesmo com falta de material, os estudantes elaboravam relatórios semanais e mensais que posteriormente eram entregues à Visão Juvenil, mas o subsídio nunca chegou a cair nas contas.

“Aceitamos a desculpa de que não recebíamos porque os doadores ainda não haviam disponibilizado os valores, mas mais tarde recebemos a informação de que não teríamos subsídios porque não disponibilizávamos relatórios, o que não correspondia à verdade. Provamos que submetemos os relatórios e a Visão Juvenil mostrou disponibilidade para pagar, mas para tal tínhamos que abrir contas num banco escolhido por eles. Abrimos as contas, mas até hoje ainda não vimos a cor do dinheiro. Fomos burlados com a ajuda das nossas faculdades. Em algumas escolas já perceberam a podridão deste projecto e fecharam-nos as portas”, declarou o estudante

 “A Visão Juvenil não tem um saco azul”

Confrontado com as acusações que pesam sobre a instituição na qual é presidente do Conselho de Direcção, Abel das Neves contestou, declarando que os mesmos sabiam que não teriam nenhuma remuneração nos primeiros dois meses, mas que teriam direito a 50% do subsídio no terceiro e quarto mês, sendo que no quinto e no último teriam 75 e 100%, respectivamente.

Nas entrelinhas, Das Neves explicou que os estudantes universitários não se faziam frequentemente nas escolas e que não tiveram subsídio porque não apresentaram nenhum relatório ao longo das suas actividades.

“Sendo um programa que envolve doadores, o mesmo deve ter dados. Este programa dá subsídio aos estagiários até aos quadros do ministério, sendo que todos devem mandar relatórios de atividades até um determinado período, submete o relatório e posteriormente recebe o subsídio porque mostra o que está a fazer no terreno. Nunca submeteram relatórios com regularidade e nunca mostraram evidências do que estavam a fazer no terreno”, contra-atacou.

Ainda no rol das justificações, Abel das Neves, cujo nome vem associado a outras burlas, algumas das quais relacionadas com cobranças para cursos de curta duração que nunca aconteceram naquela organização, diz que não tem nenhum saco azul.

“Nós não temos saco azul, o investidor disse que não vai mandar nenhum dinheiro para a Visão Juvenil e que mandaria o dinheiro para conta de cada colaborador. Explicamos isso desde o início do projecto e chamamos o banco para abrir as contas. Não há nenhuma situação de burla”, negou, sem no entanto apresentar justificações convincentes.

MINEDH distancia-se dos actos da Visão Juvenil

No artigo I do contrato que a Visão Juvenil rubricou com os estudantes explica que mesmo “regula as relações laborais entre o contratante e o contratado/estagiário na prestação de serviços por parte do contratado no âmbito dos programas nacionais aprovadas a luz do Memorando de Entendimento entre a Visão Juvenil e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de acordo com as suas qualificações, habilidades…”.

O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano confirmou que rubricou um memorando de entendimento com a Visão Juvenil, mas afastou-se dos actos praticados pela instituição chefiada por Abel das Neves. Aliás, o MINEDH garantiu ao Evidências que está a par das acusações que giram em torno da Visão Juvenil.

instituição que chancela a educação em Moçambique denunciou que a Visão Juvenil tem usado indevidamente o seu nome nas suas acções, razão pela qual decidiu, recentemente, rescindir o contrato que ligava as duas partes.

Facebook Comments