Nyusi e Roque Silva acusados de manipular eleições internas e impor candidatos únicos

DESTAQUE POLÍTICA
  • A operação Congresso já começou e a Frelimo está a morrer por dentro
  •  Candidatos obrigados a renunciar após ouvirem a frase “ainda não é a sua vez”
  • Está a se forjar consensos para legitimar estratégia de continuação no poder
  • Grupo actualmente no poder quer manter a base de apoio para o Congresso

 

Decorrem, a partir de hoje, um pouco por todo o país, as conferências das zonas ao nível dos distritos, que precedem as conferências distritais a realizarem-se dentro de dias, mas o que devia ser uma festa da democracia interna no partido Frelimo está a causar alaridos devido a uma alegada ordem por parte da estrutura máxima do partido para limitar as candidaturas e forjar consensos para eleições com candidaturas únicas. Como tal, vários foram os candidatos a vários níveis (célula, círculo, localidade, zona, distrito e província) que em estranhas reuniões de concertação foram obrigados a renunciar as suas candidaturas sob alegação de que “ainda não é a sua vez” e neste momento decorre um lobby para garantir que os actuais primeiros secretários distritais e provinciais, salvo raras excepções, renovem os seus mandatos para assegurar a sobrevivência política do actual secretário-geral, Roque Silva, e da ala de Filipe Nyusi no Congresso de Setembro próximo.

Reginaldo Tchambule

A Frelimo segue afinando a sua máquina rumo ao XII Congresso que se avizinha, numa sequência de conferências que à medida que se aproxima da fase provincial vão gerando algum barulho entre os camaradas, devido a uma suposta limitação da democracia interna no partido.

Em causa está o facto de, supostamente em cumprimento de orientações superiores emanadas ao nível central, estar-se a limitar a candidatura livre dos membros aos cargos de primeiros secretários do partido a vários níveis, fazendo vincar candidaturas únicas.

Alguns dos candidatos que foram obrigados a renunciar as suas intenções contavam com apoio das bases e das organizações sociais, mas nas reuniões de concertações orientadas pelos chefes das brigadas são instruídos a retirar as suas candidaturas, sob alegação de que “ainda não é a sua vez…”, “… é preciso respeitar o processo” ou “… tens que deixar o mais velho avançar…”.

De resto, esta tendência de candidatos únicos, que concorre para a aniquilação da democracia interna, tem estado a se consolidar, sobretudo desde que Roque Silva (pai da célebre frase “não basta você se querer, o partido tem que te querer) assumiu o cargo de secretário-geral e nas últimas eleições dos órgãos sociais do partido assistiu-se à ditadura das “candidaturas únicas” e de renovação.

Aliás, consta que terá sido Roque Silva a desenhar a estratégia para a sua própria sobrevivência e deu orientações e garantias aos primeiros secretários distritais e provinciais para matarem qualquer chance de qualquer membro poder se aventurar aos cargos do partido.

A estratégia visa manter os secretários leais a si a todos níveis para chegar ao Congresso com garantias de reeleição e manutenção do poder na ala Nyusi.

A primeira organização social, cuja renovação da secretaria-geral foi a moda coreana, foi a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), onde Mariazinha Niquice concorreu sozinha à sua própria sucessão e obteve 100 por cento dos votos. Depois seguiu-se a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN), onde embora não tenha sido o mais votado nas eleições do Comité Central, Fernando Faustino acabou sendo imposto como candidato único à sua própria sucessão. Quem não teve a mesma sorte foi Anchia Talapa, que por causa da idade não podia concorrer à própria sucessão na OJM.

“Ainda não chegou a sua vez

Esta é a frase que está neste momento a atormentar muitos dos candidatos que, com algum apoio das bases e das organizações sociais a nível local, sonhavam em ocupar cargos de primeiros secretários a nível das células, distritos e províncias.

Evidências recebeu relatos preocupantes das províncias de Maputo, Gaza e Sofala, onde alguns membros foram coagidos pelos chefes das brigadas e até pelos actuais primeiros secretários para desistirem de concorrer ou retirarem as suas candidaturas.

Na localidade de Chidenguele, distrito de Manjacaze, província de Gaza, durante a eleição do primeiro secretário e dos delegados à conferência da zona, houve um momento de concertação orientado pelo primeiro secretário do distrito e alguns membros da assembleia provincial que chefiavam a brigada de assistência a aquele ponto.

Na ocasião, o primeiro secretário recebeu informação de que concorriam ao cargo de primeiro secretário da localidade três candidatos, dos quais um acabou renunciando a sua candidatura.

“Não podia, Tomás, disputar uma vaga com o seu pai, não é isso? Houve alinhamento e entendimento para ele desistir para dar lugar ao camarada Nhambiu para ganhar. Isso mostra entendimento na Frelimo. É isso que queremos quando chegarem à zona. Não podemos querer todos ao mesmo tempo. Cada um tem que esperar a sua vez. O outro senhor estava a acompanhar (o vencedor), sabia que iria renunciar. Está de parabéns camarada, ainda não chegou a sua vez”, disse Macuacua.

Na ocasião, revelou que no dia 27 de Agosto vão ser eleitos os primeiros secretários das zonas e deixou claro que não precisam se preocupar em concorrer porque o candidato já existe e que a escolha deste era tarefa exclusiva do partido.

Ainda na mesma reunião, a membro da brigada central e deputada da Assembleia Provincial de Gaza, Rabeca da Graça, tomou a palavra para, primeiro, louvar o facto de os candidatos terem colocado o lugar à disposição e deixou um recado.

“Quando chegar a vez da escolha do primeiro secretário do comité distrital não pode haver equívocos. Temos que votar no camarada Gonçalves Felisberto Macuacua, que assumiu o cargo em substituição do senhor Godide Nuvunga, que é deputado da Assembleia da República. O partido concordou e decidiu que temos que dar um voto de confiança para que possa cumprir o seu próprio mandato. Iremos ouvir algumas formigas a zumbir nos ouvidos, mas não devemos aceitar. O nosso candidato é Gonçalves Felisberto Macuacua”, disse da Graça, anunciando o pacto de candidatos únicos e falsos consensos que está a consumir o partido por dentro.

“Não foi indicado pelo partido para concorrer”

Na província de Sofala, concretamente no distrito de Gorongosa, onde decorre o processo de submissão de candidaturas para o cargo de primeiros secretários dos Comités Distritais e Provinciais, há também quem ouviu a célebre frase “ainda não chegou a sua vez”.

É o caso de Joel Nacho, residente no posto administrativo de Nhamadzi, que viu a sua vontade de concorrer ao cargo de primeiro secretário da zona gorada, uma vez que foi informado que o partido já tinha candidato.

Membro do partido a vários anos e com boa base de apoio, Joel organizou todos documentos recomendados para concorrer, tendo depois se dirigido à secretaria local para deixar a sua candidatura, mas foi debalde. Foi informado que não pode porque “ainda não chegou a sua vez”.

Inconformado com a situação, foi submeter a sua candidatura ao nível distrital, contudo aqui foi informado que as candidaturas são entregues no posto administrativo e após este ter dito que foi interdito pelo actual primeiro-secretário da zona, que responde por Chano Raposo, foi orientado a voltar e submeter ao nível local, mas antes foi advertido: “a possibilidade de passar é escassa porque ainda não chegou a sua vez”.

No dia seguinte, seguiu a orientação e foi submeter a sua candidatura, mas viu o processo ser devolvido com alegações de que não foi indicado pelo partido para concorrer. Assim, Joel terá de se contentar em assistir o “escolhido” a ser confirmado como primeiro secretário da zona no próximo sábado, 27.

Na província de Maputo, onde é dada como certa a reeleição do actual primeiro-secretário, Avelino Muchine, a estratégia também é a mesma. Há orientações para manter-se os primeiros secretários dos comités distritais e de zona, exceptuando alguns casos considerados extremamente conflituosos.

Há relatos de alguns camaradas que foram ameaçados após terem mostrado vontade de concorrer, abrindo assim espaço para candidatos únicos, na maior parte dos oito distritos. Segundo as nossas fontes, o controlo e intimidação começa desde a base ao topo e o trabalho é feito de tal forma que dificilmente quem não está alinhado se sinta confortável para avançar.

O que está em jogo?

Ao limitar o espaço democrático interno, o grupo actualmente no poder pretende forjar um falso consenso, manter os primeiros secretários leais, controlar a eleição dos delegados a vários níveis até chegar ao Congresso, para que uma vez no conclave Roque Silva e a ala de Filipe Nyusi e Celso Correia renove o poder e garanta um terceiro mandato ou a eleição de um fantoche facilmente manipulável remotamente.

Embora o Congresso não agendou a discussão da sucessão, é neste onde tudo ficará definido, pois o que está em jogo é a eleição do novo Comité Central que terá a missão de escolher o próximo candidato do partido sob-proposta da nova Comissão Política que também será definida dentro do Congresso de Setembro próximo.

Quer isso dizer que quem conseguir manipular as conferências desde a célula até chegar ao Congresso tem largas chances de controlar o próximo Comité Central e por via disso ter o partido à ponta dos seus dedos, para facilmente se eleger ou fazer eleger alguém que lhe seja leal.

Mas, há também uma ideia de que ao controlar o próximo Comité Central, a ala Nyusi esteja a preparar o terreno para efectivar-se a ideia que é defendida pela OJM de continuidade de Filipe Nyusi como Presidente do Partido, fazendo sombra para o próximo Presidente da República, sem poder a nível do partido, num contexto em que todas as actividades do Governo e da Assembleia da República são orientadas e coordenadas pela Comissão política.

É este plano maquiavélico que tem estado a ser denunciado por alguns camaradas que não vêem com bons olhos o afunilamento do espaço de debate e da democracia interna.

“Parece que estamos num ano de candidaturas únicas. A OMM foi candidatura única, a ACLIN é candidatura única, a OJM até tentaram alargar a idade para continuarem. Nas províncias também temos assistido a febre de candidaturas únicas, e cuidado também chegarmos ao Congresso com candidaturas únicas e de renovação. É complicado. Temos de dar espaço aos outros para se expressarem. Tem havido uma concertação estranha que coloca em causa a própria democracia interna. Assim, daremos razão a quem diz que o nosso líder pisca para um lado e vira para o outro”, denunciou um dos membros do partido, desconfiando que a ala Nyusi esteja a arquitectar um plano para continuar a controlar o partido.

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