- Autorização de armas de guerra para empresas de segurança
- Armas para empresas de segurança não devem exceder 7,65 mm
Ainda continua por explicar a proveniência e o destino de 32 armas de fogo do tipo caçadeiras de calibre 12 mm, apreendidas em Ressano Garcia, maior fronteira terrestre entre Moçambique e África do Sul. As mesmas tinham como destino Cabo Delgado, supostamente importadas por uma empresa de segurança privada, contudo estão envoltas em uma controvérsia entre o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) e o Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM).
Evidências
De acordo com o Artigo 20 (Meios da defesa e segurança), do Decreto 26/90 de 29 de Novembro, ou seja, Regulamento de Empresas de Segurança Privada, os guardas de segurança privada só poderão ser portadores de armas de três especificações claras de armas de fogo, nomeadamente: a) pistolas semi-automáticas de calibre não superior a 7,65 mm, cujo cano não exceda 7,5 cm; b) revólveres de calibre inferior a 9 mm, cujo cano não exceda a 10 cm; e espingardas semi-automáticas de alma lisa e calibre não superior a 7,65 mm.
Equivale isto dizer que as armas apreendidas não podem em hipótese alguma ser operadas em Moçambique por uma empresa de segurança privada, pois possuem um calibre superior ao estabelecido por lei e superam de longe os fuzis de assalto AK-47 utilizadas pela Polícia da República de Moçambique e pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
As armas apreendidas, aparentemente de fabrico ocidental, são do tipo caçadeira de calibre 12 mm, mais sofisticadas que as das Forças de Defesa e Segurança (FDS), que ainda continuam a utilizar fuzis do tipo AK47 de calibre 7,62mm.
O mesmo decreto estabelece que os guardas de segurança privada devem portar armas em sua defesa quando em serviço de guarda-costa, protecção de bancos ou escolta de veículos de transporte de fundos e valores, mas as armas apreendidas em Ressano Garcia são metralhadoras de guerra e curiosamente destinadas à província de Cabo Delgado, onde desde 2017 um grupo armado protagoniza ataques terroristas.
A importação e circulação de armas de fogo de qualquer tipo carece de autorização do Ministério do Interior, a que se subordina o Comando Geral da PRM e o SERNIC, mas esta última instituição declarou após a apreensão que a suposta empresa de segurança importadora não apresentou documentos que mostrem a conformidade daquele equipamento militar e muito menos as autorizações, tendo também pesado para a retenção o facto de serem de calibre superior ao estabelecido por lei.
No entanto, ignorando por completo a lei, dias depois da apreensão, o comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, saiu em defesa da empresa de segurança privada que esteve envolvida na importação daquele tipo de armas, alegando que a importação foi legal e que as mesmas foram submetidas a uma triagem que consiste na comparação da licença com as armas importadas.
E porque está ciente de que a divergência entre a PRM e o SERNIC está a gerar alguma desconfiança no seio dos moçambicanos, o comandante-geral da PRM pediu para que a população continue a confiar na polícia, enfatizando que esta é “séria e responsável”. Aliás, chega a dizer que o assunto devia ter sido “gerido” de forma sigilosa, internamente ao nível do Ministério, e não vindo ao público.
Mas na sua precipitada justificação, Bernardino Rafael não fez nenhuma referência ao facto do Ministério do Interior, através do Comando Geral da PRM, ter autorizado a importação de armas com calibre superior às especificações previstas no decreto 26/90, de 29 de Novembro, o que para alguns círculos em Maputo pode significar alguma protecção de actividades ilegais por parte da corporação.
Pressionado por generais?
Não raras vezes, militares e agentes da polícia, empenhados na linha da frente, relataram fraca moral, aliada à desconfiança de traição por parte de altas patentes do exército e da polícia que estariam a fornecer informações estratégicas ao inimigo e facilitação da logística dos terroristas. Foi, aliás, por essa razão que os mercenários do Grupo Wagner terão abandonado o Teatro Operacional Norte (TON), após notarem alguma conivência da alta cadeia de comando das FDS.
O negócio de segurança privada em Moçambique é dominado por generais da polícia e do exército, com ligações ao partido no poder, pelo que se aventa também a possibilidade do comandante-geral da PRM ter sido pressionado a desdramatizar na imprensa o escândalo sobre as 32 armas apreendidas.
Facto curioso é que o motorista sul-africano que fez o carregamento para Moçambique diz que não era a primeira vez a atravessar a fronteira transportando armas de fogo com destino a Cabo Delgado, onde desde 2017 as Forças de Defesa e Segurança travam um duro combate contra um grupo armado que usa armas bastante sofisticadas, que chegam a reduzir a nada a capacidade das FDS.
A título de exemplo, entre 2020 e 2021, os terroristas chegaram a atacar e ocupar a cidade de Mocímboa da Praia e as vilas sedes dos distritos de Palma e Quissanga, onde estabeleceram espécies de zonas libertadas. Os referidos distritos só foram recuperados em meados de 2021, logo após a chegada das tropas ruandesas e da SAMIM.
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