“Não seria bom nem para o Camarada Presidente e sua família, nem para a Frelimo”- Castigo Langa

DESTAQUE POLÍTICA
  • Ex-ministro de Chissano aconselha Nyusi a não aceitar a proposta de terceiro mandato
  • “Se da tragédia resultar sangue, será o Camarada Presidente a sujar as mãos”, exortou
  • … mas Nyusi assobia para o lado e não responde se quer ou não se manter no poder
  • “Por vezes perguntam-me se não tenho medo de abordar assuntos delicados no C. Central”

À semelhança de qualquer debate fraturante, a discussão sobre um provável terceiro mandato sempre esteve fora da agenda dos conclaves da Frelimo, até dos órgãos sociais do partido. No entanto, desta vez, sem louvores, o assunto foi levantado no decurso da sessão extraordinária do Comité Central, havida na semana passada, na cidade de Maputo, por Castigo Langa, antigo ministro da administração de Joaquim Chissano e ex-chefe do Sector de Estudos e Análise do Partido, que tomou da palavra para “apelar” ao “camarada Presidente (Filipe Nyusi)” para “caso apareça uma proposta no sentido de ser o próximo candidato da Frelimo nas eleições presidenciais, por favor, faça como fez com a oferta de tractor: não aceite”. Langa, com um histórico de exortar o partido a pautar pelas boas práticas, alertou que “seria um precedente com consequências imprevisíveis para o nosso país”. Mas como que a colocar mais lenha à fogueira, Nyusi preferiu assobiar para o lado, afirmando que aquele assunto não devia fazer parte da sessão porque não constava da agenda, ou seja, o mais novo Doutor Honoris Causa do país não assumiu nem desmentiu.

Nelson Mucandze

O Comité Central da Frelimo esteve semana passada reunida em sessão extraordinário para discutir propostas de agenda e da preparação do XII Congresso, o relatório do Comité Central, as propostas de revisão dos estatutos do partido, o programa do partido, o regimento do XII Congresso e a directiva sobre a proclamação dos membros de honra da Frelimo.

Apesar de bem clarificados os pontos da agenda, Castigo Landa trouxe à ribalta o fracturante debate sobre um provável terceiro mandato, que vinha ganhando forma nos discursos de saudação aos supostos feitos do Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, sem o devido escrutínio.

A primeira vez que se ouviu foi em plena IV Sessão do Comité Central da Frelimo, em Maio de 2021, quando Nyusi foi sugerido, por Felizarda Paulino, um apoio secundado pelo actual e antigo secretário-geral da OJM e depois pelos mensageiros de costume, não se conhecendo publicamente qualquer reação que indicasse declínio ou aceitação, abrindo espaço para que a especulação alimentasse o debate.

Na sua comunicação de pouco mais de 15 min na sessão extraordinária do CC da semana passada, Langa, que tem sido frequentemente uma voz incómoda nos Comités Centrais, começou por agradecer a oportunidade de tomar a palavra na derradeira fase de preparação do 12º Congresso do Partido.

“Por vezes perguntam-me se não tenho medo de abordar assuntos tão delicados no Comité Central. Eu respondo que não, porque os membros do Comité Central são meus Camaradas. Se eu estiver errado, hão-de corrigir-me. Tenho medo, por exemplo, de ir a Nelspruit porque ouço dizer que em Nkomati Port há bandidos”, começou.

Ao prosseguir, explicou-se que “entendo que o objectivo desta sessão é assegurar que o Congresso decorra de acordo com o estatuído e seja um momento de festa e de reafirmação do compromisso da Frelimo em desenvolver o nosso país e construir a prosperidade do povo”.

“Durante alguns anos chefiei o Sector de Estudos e Análise do Partido, e nessa condição tive o privilégio de reunir-me regularmente com diferentes quadros e estudiosos para debatermos os mais diversos assuntos e produzirmos recomendações para a direcção do Partido. Tal como se diz na gíria, uma vez polícia, polícia para o resto da vida. Esta função criou-me o vício de tentar prever o desfecho ou consequências de determinados fenómenos. Foi assim que no Congresso de Muchara, ao comentar o discurso de encerramento com o Camarada Filipe Jacinto Nyusi, então ministro da Defesa Nacional, sugeri que tomasse nota de determinado aspecto, porque ele iria ser o nosso Presidente.

Abriu a sua pasta, tirou um bloco de notas e assim o fez. Quando finalmente foi eleito pelo Comité Central candidato a Presidente da República, fui dar-lhe um abraço e ofereci-lhe um texto por mim escrito, em 2012, intitulado “A Frelimo e o Século XXI”, e um livro intitulado “Porque Falharam as Nações?”, escrito por Daron Acemoglu e James Robinson”.

“Caso apareça uma proposta de ser candidato da FRELIMO …, por favor, não aceite”

Prosseguindo a sua comunicação, Castigo Langa, um ex-ministro de Recursos Minerais e Energia no governo de Joaquim Chissano, explicou que o seu relato vem à propósito duma iniciativa que teve lugar no último congresso, em que, sem estar na agenda, foi aprovada uma resolução indicando o Camarada Presidente como candidato presidencial da Frelimo para eleições que se avizinhavam, bem como da narrativa de alguns fazedores de opinião acerca de um terceiro mandato.

“O meu apelo vai pessoalmente para o camarada Presidente: caso apareça uma proposta no sentido de ser o próximo candidato da FRELIMO nas eleições presidenciais, por favor, faça como fez com a oferta de tractor: não aceite. Não seria bom nem para o Camarada Presidente e sua família, nem para a Frelimo, e seria um precedente com consequências imprevisíveis para o nosso país”, sentenciou em mais uma sessão, à semelhança do que se assistiu quando, em plena IV Sessão do Comité Central da Frelimo, Felizarda Paulino trouxe, com hosanas, o debate de um terceiro mandato.

Langa foi duro com os mensageiros do terceiro mandato ao afirmar que “uma proposta nesse sentido, tanto pode provir de oportunistas com o objectivo de cavalgarem o Camarada Presidente na prossecução de seus fins egoístas, contrários ao interesse nacional, como de camaradas de boa-fé, apenas invadidos pelo medo do desconhecido. Em relação a estes últimos, gostaria de socorrer-me do debate havido quando o Camarada Presidente Joaquim Alberto Chissano manifestou perante o Comité Central a intenção de não se recandidatar nas eleições de 2004”.

É que naquela altura, alguns camaradas expressaram o seu receio de não encontrarmos um candidato capaz de assumir o cargo. Em resposta, de acordo com o relato de Langa, o camarada Presidente Joaquim Chissano sossegou o partido dizendo que, do seu conhecimento dos vários chefes de estado pelo mundo fora, naquele Comité Central havia muitos camaradas capazes de exercerem devidamente o cargo.

“A experiência provou que estava certo. Depois do camarada Presidente Armando Guebuza, que era um veterano com longos anos na direcção da Frelimo, temos connosco o camarada Filipe Jacinto Nyusi, que até poucos anos antes não frequentava sequer os bastidores do governo Central, mas saiu-nos um grande estadista, um presidente com obra feita nas mais diversas vertentes da vida do País”, exaltou Langa.

A fuga de Nyusi

Em seguida, no tom de apelo, afirmou que “dada à nossa amizade dos tempos de estudante engenharia, estaria pessoalmente confortável com a eventual continuação do camarada presidente Filipe Jacinto Nyusi, mas pesa-me a consciência porque sei que mudanças inconstitucionais podem encorajar iniciativas de igual natureza por parte de outros protagonistas, com elevado potencial de descambar em tragédia. Se da tragédia resultar sangue, será o Camarada Presidente a sujar as mãos, enquanto os proponentes se distanciam sem qualquer pudor nem hesitação”.

Tomando de volta a palavra, Filipe Nyusi disse ao Langa que o tema por si suscitado nem sequer fazia parte da agenda da sessão extraordinária do Comité Central.

“Houve inscrição de matérias para o debate nos diversos, mas o camarada não inscreveu e não vou abrir espaço para esse debate”, retorquiu Nyusi, acrescentando: “nunca disse a ninguém que estou a preparar o terceiro mandato”. Não há, de facto, nenhuma manifestação pública do Presidente da República sobre um possível terceiro mandato.

O certo é que Nyusi nunca se distanciou publicamente desta polémica que nasceu em Maio de 2021, quando, em plena IV Sessão do Comité Central da Frelimo, Felizarda Paulino propôs que fosse concedida mais uma oportunidade a Filipe Nyusi. Já neste ano, a Organização da Juventude Moçambicana (OJM), uma das agremiações sociais da Frelimo, manifestou “apoio incondicional” a um terceiro mandato de Filipe Nyusi.

Não é a primeira vez que Castigo Langa abre o seu peito num Comité Central

Castigo Langa, filho da irmã do Presidente Chissano, parece ser das poucas vozes que não conseguem se calar perante injustiças. Esta não é a primeira vez que ele abre o seu peito no partido para tentar chamar atenção aos camaradas.

Em Maio de 2019, numa reunião do Comité Central, Castigo Longa usou da palavra para denunciar um conjunto de anomalias que, na sua opinião, estão a retirar o seu partido da rota da ética, institucionalizando práticas fraudulentas e corruptas.

Citou como exemplo um episódio ocorrido nas eleições internas para o 11º Congresso do partido Frelimo, em que uma candidata tinha obtido 81 votos e exigiu a recontagem imediata. Satisfeita esta exigência, o número de votos subiu para 281.

“O que mais me inquieta é que ninguém foi sancionado, nem pelo menos repreendido por esta prática fraudulenta, uma verdadeira conspiração, uma vez que, aparentemente, foi cometida por um grupo. Este tipo de manipulação pode alimentar a percepção de que os eleitos estão ao serviço de um grupo, o qual os fez eleger a qualquer preço, e assim converter os nossos processos eleitorais numa espécie de apostas em corridas de cavalos, onde apenas o que apostou no cavalo vencedor recebe”, disse.

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