- Perdão a terroristas foi uma afronta à Constituição da República
O Presidente da República, Filipe Nyusi, nega estar a violar a Constituição da República ao conceder perdão a alegados insurgentes sem seguir a lei, assinalando que apenas tem apresentado publicamente civis resgatados dos rebeldes que devem ser reintegrados nas comunidades. O Evidências explicou, na sua edição de 25 de Outubro de 2022, as irregularidades que enfermam a iniciativa presidencial de conceder indulto a alegados terroristas sem observar os procedimentos legais.
Evidências
Falando semana passada, no encerramento do ano académico do Instituto Superior de Estudos de Defesa tenente-general Armando Guebuza (ISEDEF), na província de Maputo, Filipe Nyusi explicou que é preciso desconstruir a narrativa de pessoas que “estão nos gabinetes a dizer que estamos” a interferir no funcionamento do sistema de justiça e da Assembleia da República ao conceder perdão a supostos rebeldes.
Na ocasião, argumentou que as pessoas abrangidas pelo perdão presidencial são mães com crianças e bebés e idosos que fugiram ou foram resgatados pelas forças governamentais de cativeiros dos grupos armados que protagonizam ataques na província de Cabo Delgado.
“Dissemos: ‘venha e fique na sua aldeia'”, porque “o princípio da reconciliação é regra, é fórmula. As pessoas que escapam das mãos dos insurgentes pedem às autoridades para aconselharem as comunidades a aceitarem a sua reintegração e a evitar represálias”, disse, contornando a palavra-chave no discurso proferido no comício onde exibiu supostos desertores das fileiras terroristas.
Convicto de estar certo, Nyusi disse que vai continuar a apresentar publicamente mais pessoas que fugiram das mãos dos rebeldes.
As ilegalidades por detrás da vontade presidencial
O Evidências já tinha denunciado a grave violação do princípio da separação de poderes na vontade presidencial, uma vez que, nos termos da Constituição da República de Moçambique, compete ao Presidente da República indultar e comutar penas e à Assembleia da República compete conceder amnistia e perdão de penas
Na edição número 85, o Evidências explicou, depois de ouvidos juristas, que o Presidente da República pode ter confundido a indução de penas com a amnistia, ao conceder perdão (amnistia) aos supostos “terroristas” que foram apresentados em Nampula.
Coberta de boa intenção de atrair os integrantes de grupos terroristas para que abandonem as armas, a vontade presidencial veio culminar com um rasgar da Constituição da República, com Nyusi a chamar para si uma competência do poder legislativo.
Conforme explicamos, a atribuição de indulto é uma prerrogativa constitucional e exclusiva do Presidente da República, como se pode ler na alínea I do Artigo 159 da Constituição da República. O que deixa claro que se trata de um benefício concedido aos condenados, ou seja, aos que comentaram um crime que ficou provado em tribunal, podendo por iniciativa presidencial gozar do perdão da pena, efectivado mediante decreto que tem como consequência a extinção, diminuição ou substituição da pena.
A medida do Presidente da República não tem aqui qualquer enquadramento, ao beneficiar supostos terroristas que nem sequer foram julgados. Pesa ainda a inexistência do Boletim da República para formalizar a acção do Presidente.
Por outro lado, existe um outro poder que perdoa sem olhar para formalismos jurídicos, é amnistia, porém compete exclusivamente à Assembleia da República. A amnistia é acto do poder legislativo que perdoa um facto punível, suspende as perseguições e anula as condenações, mas também tem os seus procedimentos legais que devem ser respeitados.
O Presidente da República pode ter caído na “ratoeira” do populismo e, como tal, a sua acção não encontra qualquer suporte legal, senão na boa vontade, num momento em que se mostra cada vez mais pontual acabar com o terrorismo que vem sugerindo expansão até nos distritos onde o discurso triunfalista sugeria ter acabado.
A bondade do presidente foi anunciada em comício na província de Nampula, sem seguir as formalidades, como o decreto ou despacho presidencial, e nem publicado no Boletim da República. Para além de que os indultados não foram julgados e condenados, aclarando a precipitação do Presidente da República, pois o perdão presidencial só pode ocorrer após a condenação do infractor em sede de tribunal.
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