Professores cumpriram a ameaça e iniciaram greve em vários pontos do país (Vídeo)

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE

  • “Estamos a beber água” – gritavam empunhando baldes e pequenos recipientes de água

  • Desapontados com a ONP, já estão a contribuir para formalizar nova associação

Depois de semanas tentando demover o Governo para rever o enquadramento dos docentes, das carreiras N1, N2, N3 e N4 na Tabela Salarial Única (TSU), parece prevalecer o impasse e como já vinham ameaçando nas últimas semanas, iniciou, na manhã de hoje, uma greve nacional dos professores, convocada pelo Movimento Professores Unidos (MPU) que congrega docentes de todo o país, que interagem por via de grupos do Whatsapp.

A referida greve pacífica, segundo apurou o Evidências, consiste na paralisação parcial das actividades e boicote dos exames que ontem iniciaram, através das mais variadas estratégias. Por exemplo, hoje, logo pela manhã na cidade de Maputo e em diversas capitais do país os professores ocuparam parques e jardins deixando as escolas praticamente às moscas.

Enquanto isso, nalguns pontos do país, sobretudo nos distritos das províncias de Gaza e Inhambane os professores concentraram-se dentro dos recintos escolares sem dar aulas, enquanto os alunos vagueavam pelos corredores.

“Estamos a beber água, para não complicar o governo”, repetiam os professores nos vários pontos de concentração, empunhando baldes e outros pequenos recipientes de água, numa resposta directa ao Presidente da República, Filipe Nyusi, que, semana passada, disse que os docentes deviam “parar de complicar o governo (…) coma-lá irmão, beba água”.

Vídeos que chegam um pouco de todo o país, mostram docentes com baldes a repetir a frase “estamos a beber água, para não complicar o governo”. Na Escola Secundária de Jangamo, na província de Inhambane, é possível ver todos os professores fora das salas de aulas reforçando que não irão retomar as actividades sem que suas inquietações sejam satisfeitas.

O mesmo cenário verificava-se também na Escola Secundária de Chidenguele e Escola Secundária de Incadine, Mandlakazi-Gaza, onde os professores se deixaram filmar por alunos com os seus baldes de água.

Refira-se que embora a greve seja pacífica, o Governo destacou contingentes policiais para os parques e praças onde os professores estavam concentrados de modo e com uso da força os escorraçou.

“Xai-Xai, mandaram um contingente policial para dispersar os professores, dizendo que somos estranhos na praça e que não pedimos autorização para aqui estar. Estranho! Este é o meu país, é o Moçambique”, desabafou um dos grevistas, reiterando que o movimento vai continuar a observar uma paralisação de actividades até que as suas inquietações sejam resolvidas.

“A polícia veio dispersar-nos na praça dos heróis em Xai-Xai. Uma clara orientação dos dirigentes que sempre se recusaram às manifestações. Colegas, esses polícias alguns são nossos alunos ou os filhos. Se não reunirem requisitos de aprovação, também vamos dar o ‘troco’, nada de piedade”, anota um outro professor que esteve desde a manhã de hoje sentado a conversar e “beber água” com os colegas.

Um outro grevista denunciou o uso de força desproporcional para dispersar os manifestantes. “Infelizmente somos ‘criminosos’ nesta sociedade! Armas apontadas e dentes afiados para nós”.

Contribuições para formalizar uma nova organização dos professores

Ao mesmo tempo decorrem contribuições em todo o país com vista a formalização do Movimento Professores Unidos (MPU), uma nova denominação que visa fazer face à apática e capturada Organização Nacional dos Professores (ONP), que parece estar à leste do clamor da classe.

O Movimento Professores Unidos, que está a preencher o vazio do seu principal sindicato, a ONP praticamente capturada, encontra-se a produzir os documentos para oficialização segundo apurou o Evidências.

Com um movimento massivo, havendo províncias que se viram na obrigação de criar mais de dois grupos devido ao facto de terem atingido o limite de 1050 membros estabelecido pelo Whatsapp, os líderes do movimento estão a angariar contribuições no sentido formalizarem a organização, que conta, inclusive com uma acessória jurídica muito forte.

Os professores acusam o Governo de ter ignorado várias cartas por si endereçadas na tenta de persuadir o executivo a rever o enquadramento da classe na TSU, considerando, por exemplo, que os docentes N1 deviam iniciar do nível 16 como preconizava a proposta apresentada pelo Governo durante a auscultação a aquela classe profissional e não no nível 12 como vieram a calhar.

O grupo entende, que uma vez acomodados os docentes N1 a partir do nível 16, os restantes escalões (N2, N3 e N4) teriam condições de também serem promovidos de escalão, permitindo, assim, a valorização de uma classe que se sente marginalizada.

“A Carta que enviamos ao gabinete do primeiro ministro, Ministério da Educação, Ministério das finanças, dava prazo hoje dia 14, e sem respostas, amanhã dia 15, inicia a greve, a nível nacional, todos os Professores se encontrarão no jardim dos Professores, as 7h, trajados de bata. Nenhum professor do Ensino primário deve controlar exames de amanhã, e todos, junto com os do Secundário, ninguém vai ao serviço. Apela-se aos pais e encarregados para não mandarem seus filhos à escola, porque não estaremos lá. É agora ou nunca. Professores unidos, jamais serão vencidos!”, reforçaram os grevistas.

Prometem boicotar actividades até dia 10

Vincando que o seu objectivo não é político, os professores, na sua maioria primários e secundários dizem que o movimento visa o resgate do valor que não nos é dado no âmbito de enquadramento na Tabela Salarial Unica.

“Esperamos que o Governo responda satisfatoriamente ou se pronuncie adequadamente a respeito da reclamação submetida  em torno da nova Tabela Salarial. Caso não haja boa resposta haverá boicote da vigia dos exames, apesar de não ser do agrado do movimento”, fizeram notar os líderes da manifestação.

Da insensibilidade do Presidente da República

Outro aspecto que deixa os professores revoltados é o facto de terem ouvido da boca do mais alto magistrado da nação, Filipe Nyusi palavras pouco abonatórias como “comam lá e bebam água”, quando esperavam por uma resposta convincente do governo.

“… Não nos compliquem quem disse que não queremos resolver os problemas do professor? … você faz confusão […] eu já não vou comer, não vou beber água porque já saí de 15 agora estou com 40 e não vou comer porque eu devia ter 100. Coma lá irmão, bebe lá água”, disse o PR de improviso, colocando mais “sal na ferida” dos professores, que consideram as declarações do PR um verdadeiro insulto para a classe.

Para além do enquadramento digno para todos os escalões, os professores exigem que o Governo reponha os subsídios que vinham tendo em função das especificidades do trabalho, dentre os quais destaca-se o de localização. Igualmente, reclamavam o facto de os directores das escolas terem um salário três vezes superior a de docentes licenciados e o dobro do que recebem os mestres.

 

A esse respeito, Filipe Nyusi deixou escapar que está ciente de falhas que fizeram com que alguns, sobretudo directores das escolas e chefes de secretaria, passaram a receber salários acima do que deveriam. Nestes casos, prometeu que serão resolvidos.

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