As dificuldades da Renamo

OPINIÃO

Luca Bussotti

Em muitos dos círculos políticos moçambicanos a escolha da Senhora Clementina Bomba como nova secretária geral da Renamo representou uma surpresa. Eram vários os que vaticinavam uma nomeação “forte”, um nome altissonante tipo Ivone Soares, Venâncio Mondlane ou outros deste calibre. Entretanto, as dinâmicas internas do partido ditaram uma opção de uma pessoa com menos visibilidade pública, mas provavelmente com maior fidelidade à linha política do presidente Momade.

Tendo como premissa o facto de não tivermos de julgar preventivamente a Senhora Bomba neste novo papel que ela terá de desempenhar – mas sublinhando que pelo menos foi escolhida uma mulher numa função-chave, o que é a priori positivo -, duas considerações devem ser feitas a propósito do recente Conselho Nacional da maior força de oposição do país.

Em primeiro lugar, é preciso ver as modalidades desta eleição. Modalidades que ocorreram consoante o Estatuto do partido, portanto nulla quaestio em termos formais. Entretanto existe um problema político que convém investigar, e que é o seguinte: é justo e responde às necessidades da Renamo que o presidente nomeie de forma directa e sem uma consulta larga e pública dentro dos membros do Conselho Nacional o secretário geral? A resposta deve ser encontrada nos mecanismos de funcionamento da própria Renamo. A Renamo foi, durante muito tempo, um partido pessoal, com grande apoio popular principalmente no Centro e no Norte do país, mas certamente dependente da figura de Afonso Dhlakama. Dhlakama era o Deus ex machina da Renamo: ele é que decidia tudo, procurando balançar exigências da ala militar com aquelas da ala política. Ele tinha uma habilidade extraordinária em compactar estes dois grupos dentro da Renamo, tendo a característica típica de todos os líderes carismáticos. Esta característica era, como é óbvio, o “carisma”. O carisma é um dom natural, que se molda com a experiência, mas que é a própria natureza a oferecer a poucas pessoas. E Dhlakama era uma dessas. Infelizmente, como a sociologia política de Max Weber recorda, o carisma não se transmite, e uma das características dos partidos dependentes de líderes carismáticos é justamente a dificuldade em encontrar um sucessor. Dhlakama fez de tudo para evitar a concorrência interna dentro da Renamo, ao longo do seu reinado. Poucos congressos foram feitos, as discussões públicas dentro do partido foram também escassas, e as poucas figuras emergentes (Raul Domingos em 2000, Daviz Simango em 2008) foram expulsas do partido, aparentemente sem razão. O facto é que tais figuras ameaçavam o líder carismático, e um partido assim concebido e gerido não podia suportar uma liderança difusa e compartilhada.

Hoje a situação é diferente. Ossufo Momade não é um líder carismático, entretanto ele continua actuando como se o fosse. Ou seja, ele também não quer que figuras “incómodas” emerjam de dentro do partido. Portanto a situação da Renamo é a seguinte: uma liderança “normal” (ou seja, não carismática), mas uma estrutura completamente vertical, em que é o líder (o presidente) a escolher todos os colaboradores. Esta é a maior contradição do partido Renamo neste momento. Uma Renamo que terá de cumprir uma transição dupla: passar de partido armado a partido apenas político; e passar de uma liderança reconhecida e carismática a uma mais difusa e tendencialmente colectiva. Se esta dupla transição não vir a acontecer existirá pouca esperança para que a Renamo retome o protagonismo que tinha havido com Dhlakama, principalmente ao longo dos últimos anos. A eleição/nomeação da Senhora Bomba é filha desta contradição, e só o tempo é que dirá se a própria nova secretária geral saberá desenhar uma gestão mais colectiva do partido.

O outro elemento que está a colocar em crise a Renamo é a sua agenda política. A Renamo de Dhlakama era uma oposição hegemónica, pois era ela que, pelo menos até a morte do seu líder, impunha a agenda à Frelimo, assim como ao resto do país. Despartidarização, transparência eleitoral, descentralização, federalismo, até divisão do país a norte do Rio Save foram todos assuntos que Dhlakama colocou na mesa das negociações com a Frelimo, chamando a atenção da opinião pública mediante comícios sempre muito concorridos Não interessa, aqui, dizer se ele estava certo ou não, mas o que estava claro naquela altura era que a Renamo é que ditava a agenda da política moçambicana. Agora, a Renamo se tornou periférica no seio do debate público moçambicano, com apenas algumas, conhecidas individualidades que, de vez em quando, dentro e fora do parlamento, fazem sentir suas vozes. Mas é a Frelimo a ditar a agenda política, apesar de todas as suas limitações e erros. Mais uma vez, parece óbvio que, sem uma gestão mais colectiva e inclusiva do partido esta tendência será destinada a continuar, deixando apenas migalhas às oposições, a partir da principal, a Renamo.

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