As contrapartidas para os ruandeses

OPINIÃO

Alexandre Chiure

O Governo impingiu-nos, desde o início do apoio militar de Kigali ao País, o discurso de que a presença das tropas de elite ruandesas no solo pátrio, que participam no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, lado a lado com as FADM e a força conjunta da SADC, não tinha custos de espécie alguma para Moçambique.

Alguns assumiram tal discurso com o fundamento de que em nenhum momento o Presidente Paul Kagame manifestou interesse, como moeda de troca às autoridades moçambicanas, em algumas concessões para a pesquisa e produção de hidrocarbonetos.

Não exigiu sequer algo parecido com quota de gás natural liquefeito, a ser produzido em Afungi, como pagamento da intervenção militar do seu país.

O que Kagame sempre disse e reiterou, na semana passada, à margem da trigésima sexta Cimeira da União Africana, realizada em Adis-Abeba, na Etiópia, foi que o seu contingente militar só sairá do País depois de se concluir que já há capacidade interna para prosseguir com a guerra contra o terrorismo.

Mas o forte interesse de Kigali pelos negócios em torno de petróleo e gás, tornado público na semana passada, por alguma imprensa, vêm mudar tudo. É claramente evidente que, contrariamente ao que se pensava, os ruandeses não vão, de forma alguma, sair daqui de mãos a abanar. Querem, a todo o custo, obter alguns dividendos da presença das suas tropas em território moçambicano, como era de esperar.

Pretendem aproveitar-se das influências de que gozam. Das bases estabelecidas ou da imagem que criaram no País resultante de operações bem-sucedidas no campo da batalha contra terroristas em Cabo Delgado para introduzirem as suas empresas no negócio de petróleo e gás e ganharem dinheiro, como quem está a cobrar contrapartidas.

Não são empresas quaisquer. Estão ligadas à Frente Patriótica do Ruanda, partido de Paul Kagame. Preparam-se para “assaltar” oportunidades de oferta de serviços de segurança privada advindas de companhias petrolíferas que se encontram em actividade em Cabo Delgado.

Para operar em Moçambique, aMacefield Ventures, braço internacional de Crystal Ventures, que se equipara à SPI, uma holding do partido Frelimo, criou a ISCO, uma subsidiária gerida por antigos oficiais da polícia e do exército. Ela vai intervir especialmente na área de segurança privada.

Significa que as firmas moçambicanas terão de disputar oportunidades de oferta de serviços de segurança privada com as ruandesas para a garantia da protecção de instalações petrolíferas em Afungi, a cargo da TotalEnergies. Elas que, em princípio, deviam ser conferidas, exclusivamente, às empresas do país no âmbito de conteúdo local.

Kigali poderá levaralguma vantagem nos concursos. Primeiro, porque a TotalEnergies é uma companhia petrolífera francesa e o Ruanda foi colónia francesa. Segundo, em virtude de estarem vinculadas ao partido governamental ruandês, cujo país apoia Moçambique no combate ao terrorismo.

Chegado o momento de se decidir a quem adjudicar os serviços, é evidente que todos estes pormenores terão o seu peso, incluindo o facto, ainda, de que as firmas de Kigali surgem no âmbito das relações de amizade e cooperação entre Moçambique e Ruanda.

A seguir à visita, em 2018, do Presidente Filipe Nyusi a Kigali, empresas moçambicanas exportaram dez mil toneladas de açúcar àquele país, trocas comerciais que se estenderão à soja, ao milho,feijão boer e carvão mineral.

Agora cabe a vez aos ruandeses deentrarem no mercado moçambicano, apesar de parecer que o seu interesse por Cabo Delgado seja mais do que um simples negócio, o que pressupõeuma forma de cobrarcontrapartidas da presença das suas tropas em Moçambique.

Tratando-se de assuntos ligados à segurança, creio que seria de bom-tom que o governo orientasse os guerrilheiros da Renamo, desarmados e desmobilizados no âmbito de DDR, no sentido de constituírem empresas de segurança privada e proporcionar-lhes ajuda na sua inserção no mercado de trabalho de protecção de instalações petrolíferas em Cabo Delgado.

Com o treino a que foram sujeitos ao longo de anos, a experiência acumulada da guerra dos 16 anos e o facto de conhecerem melhor o terreno em comparação com os outros interessados no negócio,coloca-lhes, à partida, numa situação privilegiada em relação aos potenciais concorrentes. Esta seria uma forma de eles obteremmaiores ganhos com o seu trabalho e deixarem de reivindicar o apoio do Estado.

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