Os políticos que me surpreendem

OPINIÃO

Alexandre Chiure

É mais do que verdade que um ser humano é sujeito a aprender, no dia-a-dia, até à sua morte. Não importa se é uma pessoa formada ou não. Se tem o grau de licenciatura, mestrado ou doutoramento, ou se tem simplesmente instrução primária ou secundária, ou nunca se sentou no banco de uma escola. Há sempre algo que aprende, numa conversação, por mais insignificante que seja o detalhe.

Por exemplo, eu tenho estado a aprender muito dos nossos políticos. Às vezes fico com o cabelo arrepiado com o que tenho estado a acompanhar na arena política do país, que configura lições do quotidiano. Outras vezes pergunto-me para que direcção vamos com algumas coisas que acontecem e não encontro resposta. Aprendo, simplesmente.

Por vezes é a polícia que nomeia comissões de inquérito para investigar o que ela própria cometeu. Noutras ocasiões, é a Assembleia da República (AR) que resolve advogar em causa própria, a exemplo do caso de suspeitas de existência, entre os deputados, de um barão da droga.Em todos os casos busco o conforto no argumento de que estou num processo de aprendizagem.

A última lição dada pelos nossos políticos,que atraiu a minha atenção,tem a ver com as eleições distritais para a escolha de administradores, previstas para 2024, no âmbito da descentralização. É que eu não sabia que os assuntos constantes na Constituição da República podiam ser sujeitos a um novo debate para verificar se são pertinentes ou não. Foi mais uma lição.

Uma coisa é rever alguma matéria para adequá-la à nova realidade. Esta é uma prática corrente. Mas essa de pegar numa coisa, virar e revirar à procura da pertinência não esperava. Pensei que tudo o que está plasmado na lei, na Constituição da República (CR), é importante, pertinente, ede cumprimento obrigatório.

No caso das eleições distritais, o assunto é fresco e, por isso, não pode estar desarticulado da realidade para merecer revisão, pois foi introduzido na CR há menos de cinco anos, na sequência dos acordos de paz entreo governo e a Renamo na sequência da aprovação pela AR, por unanimidade.

Julgava que nessa altura, as partes, primeiro na mesa das conversações e depois na magna casa, tivessem analisado os prós e os contras. Quetodas as questões tinham sido acauteladas, quer de carácter politico, económico, quer administrativo. Que as eleições distritais eram um produto acabado e pronto para consumo em 2024.

Quando tudo parecia bem encaminhado, cá estamos nós, do nada, a reabrir o debate sobre eleições distritais, que são o campeonato para os pequenos partidos da oposição. É que é mais fácil algumas delas, por esta via, chegarem ao poder do que pensar em ganhar as eleições legislativas e presidenciais.

A pergunta que se coloca aqui é: Porque é que só nas vésperas de realização do sufrágio se descobre que o país não está em condições de acolhê-lo? Quer dizer então que todo o mundo se distraiu na hora da aprovação e ninguém detectou os problemas que hoje emperram as distritais, no que diz respeito à aprovação, quer em sede das conversações, quer na AR, onde se deu o OK, o que é, no mínimo, estranho.

A comissão de reflexão criada pelo governo sobre se se deve ou não avançar, em 2024, para as eleições distritais, está ai a trabalhar. De 15 dias inicialmente atribuídos, o grupo tem agora um mês e meio para apresentar o seu relatório, através do qual se tomará a decisão, que, ao que tudo indica, não será diferente em relação ao que já sabemos, que é “não” às eleições distritais em 2024.

Fica à impressão de que o executivo vai usar as recomendações da comissão, de que fazem parte os ministros da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (chefe), Economia e Finanças e Administração Estatal e Função Pública e tantos outros ilustres, como escudo para se defender de críticas em torno da decisão a tomar sobre o assunto.

Considerando a necessidade de reabertura do debate, o governo devia ter procurado uma forma de se entender, primeiro, com a Renamo, na qualidade de signatário do acordo de paz, sendo que as eleições são parte desses entendimentos, antes de levar o assunto a debate público.

Ao que tudo indica, o governo tomou a decisão, unilateralmente, ignorando a “perdiz”. Hoje, a cúpula deste partido, seduzida e abandonada, está a juntar apoios para boicotar a decisão de não realização do sufrágio, o que não me parece saudável.

Este procedimento põe em causa a confiança entre o governo e a Renamo e, acima de tudo, a credibilidadequando se trata de cumprir os compromissos assumidos. Fica-se com a impressão de que o executivo está a faltar à palavra ao decidir rasgar os entendimentos a que os dois chegaram quanto ao processo de descentralização em curso no país.

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