Família empurra menor para casamento prematuro para fugir da pobreza em Nampula 

SOCIEDADE
  • Ássia Mamudo de 16 anos: “eu pensava que fosse ter uma vida melhor depois de casar”

O caso de Ássia Mamudo, adolescente de 16 anos de idade, ocorreu no distrito de Angoche, província de Nampula; ela vive numa pequena comunidade onde a maior parte das casas é de construção precária. Vivendo com cinco irmãos, quatro deles mais novos, um mais velho e órfã de pai, Ássia tem a sua mãe como a única provedora da família. Conta que, no ano passado, “depois de ter feito os ritos de iniciação, minha mãe e minhas tias me aconselharam a casar. Elas disseram que eu teria uma vida melhor, que o meu marido iria dar-me tudo o que eu quisesse. Eu queria obedecer a minha família, e então casei-me. Eu pensei que teria uma vida melhor depois de casar”, mal sabia ela que estava sendo empurrada para um casamento prematuro.

Renato Cau

Uma rapariga ainda em tenra idade, Ássia já sonhava alto e se vê no futuro actuando como a melhor das médicas. E, para alcançar tal sonho, teria que estudar muito e deslocar-se a cidade para poder se formar, mas a falta de condições financeiras constituiu uma grande barreira, pois a agricultura e venda praticadas pela sua mãe no mercado local revelaram-se cada vez mais insuficientes a cada dia que passava, pois, segundo disse em conversa, “já não dava para nada”.

Quando transitou para a 10ª classe viu o sonho de seguir estudando sendo adiado, pois a sua família trouxe para dentro de casa um homem de 41 anos de idade, que se tornaria seu esposo, pois aquele era visto como sendo o que acabaria com a fome e pobreza extrema de sua mãe e irmãos. Afinal este detinha algumas posses e possuía terras e era dono de três moageiras em Angoche.

O casamento foi rapidamente providenciado para Março, mas Ássia casava-se porque tinha noção da responsabilidade de garantir o bem-estar da sua família e isso lhe pesava às costas. Era tudo parte de uma ilusão causada pelo estômago vazio. Em Setembro do ano passado, Ássia aproveitou a saída do seu então esposo e fugiu da casa onde viviam e foi se hospedar na casa da sua tia, irmã mais nova de sua mãe.

Hoje ela desabafa, “eu pensava que fosse ter uma vida melhor depois de casar, que não ia faltar comida, mas havia dias que não tinha o que comer e nem sabia o que iria comer no dia seguinte. O meu marido não me disse para parar de estudar, mas fui obrigada a deixar a escola para poder trabalhar e ajudar a sustentar-nos. Eu vendia amendoim na rua e com o pouco dinheiro comprava comida, então preferi voltar para casa”, lembra Ássia do tempo em que era casada.

Em Fevereiro deste ano, conseguiu se matricular de novo na Escola Secundária 25 de Setembro de Angoche, e foi lá onde durante uma emissão da Rádio Parapato que descobriu que estava numa relação prematura. “Eu não sabia o que eram casamentos prematuros, não sabia que eu estava em um. Fiz bem em sair de lá”, avançou em palavras tímidas.

“Eu acho um pesadelo casar enquanto criança. Para as meninas que estão casadas, eu peço que não deixem de lutar pelos seus sonhos, peçam ajuda e saiam do vosso casamento. Não abandonem a vossa educação, o vosso futuro depende da escola. Quero agradecer a Rádio Parapato por me ter ajudado a voltar a sonhar,” concluiu Ássia Mamudo.

De acordo com o relatório da UNICEF, intitulado “Casamento Prematuro e Gravidez na Adolescência em Moçambique: Causas e Impactos”, os casamentos prematuros estão relacionados com vários factores. Mas um dos mais sonantes é a pobreza. Quando a família do(a) menor é pobre pode-se assistir cenários em que, se for uma menina, será colocada a se casar com homem muito mais velho apenas para de alguma forma melhorar a condição financeira da família da menor. Coisa que se verifica no sentido contrário quanto maior for a riqueza, maior é a chance de se ter crianças com mais conhecimento, pois têm maior acesso aos meios de comunicação e de educação.

Aliás, a Rádio Parapato já ajudou a sete meninas a saírem de casamentos prematuros através da produção e disseminação de programas radiofónicos semanais em Português e em línguas nacionais para cerca de 60 rádios comunitárias, incluindo a Rádio a própria Parapato, actividades levadas a cabo pelo Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM) e pelo Instituto de Comunicação Social (ICS).

Por sua vez, a UNICEF também apoia na produção de programas de rádio de Criança-para-Criança, que são programas de rádio concebidos e produzidos por crianças e para crianças, plataformas importantes para a participação e engajamento infanto-juvenil.

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