Já perto de um ano para as eleições gerais, é seguro afirmar que os efeitos da actual (des)governação irão ecoar até nas próximas décadas. Até na hora de se despedir do poder não há qualquer orientação de colocar o país nos carris. Se admitirmos que ao menos há vontade política, temos de assumir, então, que está a faltar sabedoria e liderança. É a única conclusão que uma mente sã, sem interferências estomacais ou políticas, consegue chegar.
Por onde começamos? Da LAM, que está suspensa da IATA, onde é membro desde 1946? E as consequências não podiam ser mais arrepiantes, passageiros no exterior já estão a ser impedidos de continuarem viagens em voos de outras companhias, em escala, apenas porque compraram bilhete na LAM. Ninguém questiona as consequências dessa vergonha para Moçambique. Já que assumimos que a intervenção em curso é uma bolada, e não há ninguém com tomates e vontade de resolver sem partilhar os ganhos da barganha, o rombo e a destruição continuam dissimulados nas denúncias do rombo de ontem. Só nos resta saber onde está o mal maior.
Mas podíamos estar a falar dos médicos. A passar em revista a postura vergonhosa do executivo enquanto o sector se esvai. O Governo perde-se em guerras de narrativas, e parece uma mulher amargurada à procura de razão, ignorando o problema que se acumula, e agora juntaram-se os enfermeiros com os médicos que já vão a mais de 43 dias de greve um mês. A falta de medicamentos, de condições materiais e humanas evidencia um retrocesso sem precedentes. O tom de arrogância denuncia a outra faceta do nosso governo, a insensibilidade face a centenas de mortes só nos hospitais, pobres inocentes cujas vidas poderiam ter sido poupadas. O que fazer, nem todas vidas contam onde a irresponsabilidade grassa.
Somos todos cúmplices, seja pela indiferença motivada pela descrença de que eles são incapazes de melhorar ou pela falta de coragem por receio de repressão se nos fazermos à rua, ou mesmo por excesso de fé de que depois deste mandado os próximos que sucederem a Ponta Vermelha serão os melhores. Cúmplices por estarmos a ser complacentes quando a destruição da educação se mostra contínua e aplaudimos quando é o próprio executivo a reconhecer o caos. Não é um gesto de humildade que irá resolver o problema, mas a partilha de um plano de onde queremos chegar, e por mais desajustado que seja, com as críticas de todos, poder ser melhorado. Samora tinha o Plano Perspectivo e Indicativo, Chissano e Guebuza, a agenda 2025, mas hoje é tudo arranjo, até a nível sectorial vive-se e faz-se a “maneira – maneira”, enquanto engavetam o PQG.
Essa destruição do tecido social foi assistida nos últimos oito anos, e não tivemos qualquer melhoria que nos servisse de consolo. Pelo contrário, enquanto se degradavam as condições da EN1 inauguravam-se as portagens da circular. Um cenário de incoerência sectorial assistido em quase tudo, e inconcebível numa mente onde a lucidez não tem intervalos. E foi assim com a famosa Reforma Salarial na Administração Pública, concebida no desespero de deixar acto palpável, algum legado, mas como tudo o que tocam se destrói, até TSA não é mais funcional. Como um trabalho tão profundo e complexo poderia ser dado a técnicos que têm interesses directos no assunto? A questão é mesmo para mostrar que quando há uma aparente vontade política, a falta de imaginação assume o domínio e as consequências são as que vimos.
Hoje estamos a assistir ao país em retrocesso contínuo e ninguém se lembra mais de onde erramos. Ninguém mais fala das reformas compulsivas na academia, no Banco de Moçambique, na Autoridade Tributária… e ninguém discute os efeitos disto. É um facto que ninguém rompe com o conhecimento e consegue cobrir a merda.
O problema não é todo de Cabo Delgado e nem são das dívidas ocultas, e muito menos a conjuntura internacional. Somos todos parte do problema, da mesma forma que poderíamos ter sido parte da solução, todos permitimos quando apoiamos por causa dos incentivos estomacais ou nos encolhemos por causa do medo. Somos todos parte desta vergonha de não saber que Moçambique queremos nos próximos 20 anos, vivemos apalpando no escuro, improvisando e hasteando esperteza.

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