Nasceu sem o ânus, a cirurgia falhou e, apesar de pequeno, conhece a dor da descriminação

DESTAQUE SAÚDE
  • O drama do menino Mitilage Ide

Uma criança que veio ao mundo sem o ânus, uma condição física e de saúde rara, teve de aprender desde cedo a conviver com uma das formas mais vis da crueldade humana, a descriminação. Tudo porque na tentativa de abertura de um orifício para poder evacuar, a cirurgia realizada pelo Hospital Central de Nampula falhou e até hoje o pequeno tem uma ferida que não sarra.

Adolfo Manuel, em Pemba

Trata-se de Mitilage Ide, de 13 anos de idade, nascido e residente no posto administrativo de Mieze, no distrito de Metuge, em Cabo Delgado, que, mesmo com idade escolar, não pode frequentar as aulas, onde deveria aprender a ler e escrever, por causa da descriminação que sofre por parte de outras crianças e até de adultos. A situação deixa os progenitores do menor desesperados.

Entrevistada pelo Evidências, a mãe do menino explicou que a criança nasceu com aquela condição rara de saúde e logo nos primeiros dias foi transferida para o Hospital Central de Nampula, o maior hospital da zona Norte do país, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica com vista a criar um canal alternativo para a evacuação de necessidades biológicas.

Sucede, porém, que a cirurgia acabaria por criar um outro problema grave, pois a ferida nunca mais cicatrizou e tem estado a aumentar ao longo dos mais de 13 anos de vida, ou seja, neste momento a criança tem uma ferida enorme na parte inferior do abdómen e necessita de uma intervenção mais especializada, mas a família do petiz não tem condições para tanto.

Condicionado, o menino teve que aprender a conviver com limitações, no entanto, não é só ele quem sofre. A mãe conta que, na condição actual, o menor só consegue evacuar com assistência de terceiros, o que torna a sua situação mais difícil.

“Eu já estou farta de pegar fezes do meu filho, e ele já é crescido. Já tentei de tudo, mas localmente não há nenhuma solução e não tenho dinheiro para procurar outras alternativas para melhorar a qualidade de vida do meu filho e tornar-se independente. Vivemos na miséria e não tenho condições sequer para comprar sabão para limpar a ele e lavar a sua roupa. Tive que abdicar do trabalho na Machamba para poder cuidar do menino em tempo integral”, desabafou a mãe do pequeno Mitilage.

Às pessoas de boa fé e à comunidade científica ligada à medicina, lança um pedido de apoio em produtos alimentares e de higiene, e em uma possível intervenção cirúrgica especializada, que possa corrigir a condição de saúde do menor, por forma a dar-lhe a qualidade de vida que nunca teve desde que veio ao mundo.

A dor da cruel descriminação

Mas a dor da mãe do pequeno Mitilage não pára por aí, com os seus 13 anos de idade, o menor não só está privado de poder se sentar numa sala de aulas como qualquer outra criança de sua idade, como também não pode ter o prazer de brincar na companhia de amigos e conhecidos.

“Para além das frequentes dores no ânus alternativo, Mitilage não brinca longe porque as outras crianças não lhe querem por perto, alegadamente porque ele ‘caga’ pela barriga”, desabafou a mãe, acrescentando que o rapaz vive um ambiente de dor e tristeza.

O caso do menor é do conhecimento das autoridades de saúde ao nível da província de Cabo Delgado. Numa visita recente ao povoado, o director provincial de Saúde, Magido Sabune, orientou aos pais a reiniciarem com o tratamento da criança no posto de saúde local, para depois retornarem ao Hospital Central de Nampula para efeitos da correção da cirurgia.

Sabune observou que a dor e a úlcera que o menor carrega desde a nascença agrava-se pela negligência dos próprios pais no cumprimento das recomendações dadas aquando da primeira cirurgia, há mais de 13 anos.

Entretanto, reconhece que pelo meio o menor terá sido transferido novamente para o Hospital Central de Nampula, onde a família não obteve sucesso, pois na altura a maior unidade sanitária do Norte do país não tinha meios para correção da condição do menino que continua a viver isolado na sua comunidade, paralisando aos pais na prática de várias tarefas de renda familiar.

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