Ode à coragem e determinação de Samora Machel Júnior, Venâncio Mondlane, Severino Ngoenha, Salomão Muchanga e João Chamusse

DESTAQUE POLÍTICA
  • As nossas figuras do ano

Nunca antes foi tão difícil encontrar uma figura política de consenso para ser nossa figura do ano. Esta tem sido a regra dos últimos anos, sobretudo quando temos um governo a acusar desnorte e sem estrelas a cintilar. Mas neste poço de incompetência e até de imoralidades, há quem escolheu a coragem e a determinação para tentar lutar por Moçambique e sua gente, chegando nalguns casos a propor soluções que possam levar o país a bom porto. Para este ano de 2023, escolhemos como nossas figuras do ano Samora Machel Júnior – por uma luta incansável pela moral no seio do partido Frelimo; Venâncio Mondlane – um fenómeno político; Salomão Muchanga – pela liderança demonstrada nas eleições; Severino Ngoenha – pela incansável luta pelo resgate da República e João Chamusse (a título póstumo) – pela coragem de se expressar de forma livre até o último minuto.

 

Mais um ano termina, e como tem sido apanágio no presente ciclo de governação é difícil encontrar no seio do Governo uma figura consensual, sobretudo num contexto em que o Executivo se mostra incapaz de satisfazer, de forma objectiva, as principais inquietações que apoquentam os moçambicano.

Termina mais um ano para esquecer, em que o Governo não teve coragem para assumir a crise e liquidez que transformou a vida dos moçambicanos, sobretudo dos funcionários públicos, num autêntico pesadelo, com atrasos recorrentes e históricos dos salários; falta de pagamento de subsídios devidos, incluindo horas extras; dificuldades para honrar compromissos com fornecedores de bens e serviços; baixo investimento em sectores sociais, o que transformou escolas e hospitais num autêntico caos, entre outros.

Estas e outras razões levam-nos a não escolher uma figura do actual Executivo entre as nossas figuras do ano, porque a orquestra há muito que anda desafinada, sendo disso exemplo as inúmeras mentiras com que nos brindam de quando em vez os nossos governantes, como é o caso recente da ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, que teve a coragem de vir a público dizer que as horas extras dos professores estão a ser pagas, mas os poucos que receberam o pagamento só viram na conta ordenados referentes a um mês de 2022, ou seja, os professores não foram pagos os 11 meses de horas extras de 2023.

Apraz-nos, então, apresentar algumas pessoas que ainda nos fazem acreditar que é possível construir um país próspero, feito de mulheres e homens corajosos, íntegros e fiéis aos seus princípios, onde a corrupção, a fraude e subversão do Estado são combatidos com todas as forças.

Samora Machel Júnior: por uma luta incansável pela moral no seio do partido Frelimo

É, por estas alturas, o rosto mais visível da luta interna no seio da Frelimo contra os desvios comportamentais e distanciamento cada vez mais evidente com o povo, mostrando muitas vezes coragem para de forma incisiva criticar os seus camaradas e a liderança sobre como são conduzidos alguns processos.

Nas suas incansáveis cartas dirigidas ao Presidente do partido, Filipe Nyusi, e outros órgãos do partido, tem vindo a apelar ao bom senso dos camaradas, muitas vezes se posicionando ao lado do povo e denunciando, sempre que pode, as atrocidades cometidas pelo seu próprio partido.

Na sua mais recente aparição foi mais contundente e incisivo, denunciando o que considera serem infiltrados no seio da Frelimo. Num autêntico acto de coragem, numa altura em que há uma arregimentação do silêncio na Frelimo e uma das alas tentava tudo fazer para criar a ilusão de que está tudo bem, sem mencionar nomes, o membro do Comitê Central da Frelimo disse que há membros infiltrados no seio do partido dos camaradas que tiveram uma ascensão exponencial a ponto de influenciar o líder do partido no poder a tomar decisões nunca antes tomadas.

Foi o único a ter coragem de colocar o dedo na ferida, nos últimos anos, para, mesmo sabendo que seria combatido, exigir que o partido se reinvente e reconhecer que há problemas sérios que são causados por ter membros que entraram no partido de maneiras não muito criteriosas.

“Não podemos culpar o Presidente Nyusi por esta situação, porque isso é o culminar de processos mal iniciados na entrada de membros e ascendência dos mesmos a posições que lhes colocam muito próximos do Presidente e acabaram o levando para caminhos que nunca antes tivemos no partido”, afirmou Samora Machel Júnior numa entrevista concedida a STV.

A postura de Samora Machel Júnior tem sido criticada internamente, por supostamente falar fora do órgão, tendo sido, por várias vezes, alvo de ataques por parte dos grupos que actualmente controlam o Estado e o partido. Entretanto, tem sido ovacionado pela sociedade e pelos internautas nas redes sociais, que apontam que ele incorpora os ideais do primeiro Presidente de Moçambique, por sinal seu progenitor.

“Filho de peixe é peixinho. Muito coerente e fiel às suas ideias. Bem haja camarada Machel, esperamos que o partido saiba capitalizar o seu potencial”, escreveu Júlio Muambal, para depois Joaquim Matavel instar Samito para não deixar o legado do pai morrer: “Força Machel, o povo está contigo. O legado do seu pai não pode morrer”.

Pedro Tune elogiou a integridade e imparcialidade de Samito, referindo que “precisamos de dirigentes assim, transparentes e íntegros”.

No meio dos comentários há quem já olha para Samora Machel Júnior como o próximo inquilino da Ponta Vermelha. Se por um lado, Hermínia Sibinda escreveu “parabéns futuro presidente, nós te esperamos com todo respeito”, por outro, Titos Francisco disse “grande homem, próximo ano te queremos nas eleições presidenciais”.

Neste momento, o filho do primeiro Presidente da República de Moçambique, Samora Machel, vive uma espécie de isolamento dentro do partido, pois a sua coragem não agradou a liderança do partido e parte dos que vêm sendo denunciados nas suas inúmeras missivas e intervenções públicas contundentes.

Samora Machel Júnior foi o primeiro a ter coragem para abordar a crise da Frelimo abertamente e abriu caminho para que outros nomes sonantes dentro da Frelimo, incluindo históricos como Graça Machel, se posicionem, criticando a postura do seu partido.

Venâncio Mondlane – um fenómeno político que nalgum momento acusou inexperiência

É um verdadeiro fenómeno na política doméstica. Elevou a fasquia em termos de até onde os políticos podem levar as suas convicções e lutas. Nos últimos tempos trabalhou na criação de bases para transformar-se ele próprio numa máquina de popularidade, e deu certo. É neste momento um dos políticos mais influentes do país, sobretudo entre os mais jovens, mas também com aceitação dos mais crescidos.

Ganhou nas urnas as eleições de 11 de Outubro, segundo contagens paralelas, incluindo da sociedade civil, mas perdeu na secretaria, com os órgãos eleitorais e o Conselho Constitucional a se esconderem no processualismo simplesmente para não se recontar os votos em distritos municipais como Ka-Mubukwana, onde a Renamo ganhou praticamente em todas mesas, mas a vitória foi atribuída à Frelimo.

Lutou até que farte pela reposição da verdade eleitoral, mesmo quando a dado momento começou a marchar sozinho, sem um grande apoio dos membros influentes do seu partido, que praticamente o abandonaram.

Submeteu recursos e queixas-crimes históricos, incluindo um pedido de aclaração de acórdão do Conselho Constitucional, para além do pedido de nulidade daquele acto já depositado na PGR, sujo desfecho espera-se que seja conhecido nos próximos dias, antes da tomada de posse dos governantes legitimados pelos órgãos eleitorais.

Nalgum momento acusou alguma falta de experiência ao não conseguir ler os cenários, incluindo internos, para saber quando recuar. Foi se embalando na sua popularidade e esqueceu que não é possível correr sozinho num jogo político, num país com um contexto peculiar como o nosso. Não compreendeu que onde os grandes comeram, há poucas chances de ganhar.

Salomão Muchanga – pela liderança demonstrada nas eleições

É já conhecido pela sua capacidade de liderança. Já o havia demonstrado no Parlamento Juvenil e agora empresta as suas qualidades à política. Recém-fundado e ainda desconhecido das grandes massas, o seu partido Nova Democracia voltou a fazer história este ano e se não fosse a máquina da fraude, teria um bom par de membros nas Assembleias municipais e pelo menos uma autarquia para governar.

A Nova Democracia ganhou de forma folgada em Guruè, mas no momento da contagem de votos, quando já estava evidente a tendência de voto, a polícia entrou em cena, disparando gás lacrimogêneo para dispersar cidadãos que queriam controlar o seu voto, os delegados de candidatura e até invadiu a casa do cabeça de lista.

Mesmo assim, a diferença em termos de número de votos entre a Frelimo e a Nova Democracia em Gurué foi tangencial e a Assembleia Municipal vai ter uma composição apertada, com a Frelimo e ND quase colados.

A rápida inserção da ND, em pouco menos de cinco anos de existência, diz muito do seu líder, que para além de galvanizador do movimento juvenil, tem uma capacidade de retórica pouco comum nos dias que correm.

Severino Ngoenha – pela incansável luta pelo resgate da República

Conhecido como um dos maiores filósofos africanos da actualidade, Severino Ngoenha é uma prova viva da máxima “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. É incansável na sua missão de procurar levar a luz aos moçambicanos através das suas reflexões filosóficas.

Usa a ciência para contribuir na construção do Estado, contribuindo com brilhantes reflexões críticas sobre o contexto político, social e económico do nosso país. Várias vezes criticou a postura do Governo e do partido Frelimo em vários aspectos da vida do país, mas carrega o mérito de não ser apenas aquele que aponta problemas, mas também as soluções.

Numa colaboração com o também conceituado filósofo, José Castiano, apresentaram recentemente “O manifesto pela terceira via”, uma obra analisada pelo académico Luca Bussoti como sendo o abrir de um debate inovador, através da proposta de um Manifesto ético-político.

O Manifesto preconiza uma “terceira via” alternativa à primeira (a socialista, sem liberdades, mas com justiça social), assim como à segunda (a liberal, com liberdades individuais formalmente garantidas, mas sem solidariedade, nem justiça social), de forma a re-fundar o sentido de uma identidade coletiva nacional abalada pela perda de um projeto comum à jovem nação moçambicana, destaca Bussoti.

Ngoenha, juntamente com outros académicos, tem estado engajados na busca de soluções para o país através de um movimento de reflexões em torno de vários aspectos. É muitas vezes informal, mas junta gente que pensa e que não deixa as suas mentes serem capturadas pelo político.

João Chamusse (a título póstumo) – pela coragem de se expressar de forma livre

Foi assassinado de forma bárbara na sua casa na Catembe Nsime, distrito de Matutuine. Os contornos do seu assassinato ainda estão por escrutinar. Com várias reviravoltas, a polícia apresentou, há dias, um arguido que confessa o crime, mas a grande maioria dos moçambicanos não compra a narrativa.

Há uma crença de que possa tratar-se de mais um crime político para silenciar mais uma voz crítica. Conhecido pela sua verticalidade, Chamusse era inconfundível, com uma forma frontal, peculiar, simples e informal de dizer as coisas que o permitiam fazer as suas reflexões chegarem a todos estratos sociais da nossa sociedade.

Quem não se lembra da excelente reflexão sobre a nossa soberania? Ou da aula de sapiência sobre o paradoxo do Leite ser mais caro que a Cerveja? Enfim, são apenas alguns exemplos das milhares de reflexões que deixou para os moçambicanos através dos seus comentários no programa, editoriais, artigos de opinião e jornalísticos. Deixou uma marca e uma legião de admiradores um pouco por todo o país.

Era uma voz incómoda, pelo que antes do esclarecimento cabal e completo do caso, fica difícil para muitos moçambicanos acreditarem na tese de crime comum que neste momento está a nortear as investigações. O tempo se encarregará de esclarecer mais um crime que chocou a sociedade moçambicana e a comunidade internacional.

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